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2. O Que Um Amalequita Está Morrendo De Vontade De Contar A Davi (II Samuel 1:1-27)

Introdução

O texto do primeiro capítulo de II Samuel me faz lembrar da história de um jovem piloto americano muito desastrado. Tudo o que ele fazia parecia sempre dar errado. Durante a II Guerra Mundial, ele servia a bordo de um porta-aviões e todos achavam que ele não conseguiria levantar vôo, pois não se sabia o que poderia acontecer. Certo dia, ele recebeu uma missão e tudo parecia correr bem. Ele localizou e afundou um navio de guerra japonês; depois, derrubou uma porção de Zeros (aviões japoneses de combate). Sem munição e quase sem combustível, ele tentou voltar à base no porta-aviões, mas não conseguia localizá-lo. De repente, as nuvens se abriram e lá estava, bem abaixo dele, o porta-aviões. Por incrível que pareça, seu pouso foi perfeito. Com o avião em segurança, ele pulou para fora e correu até o oficial de comando, ansioso para contar os detalhes de sua missão bem-sucedida. Ele disse que tinha afundado um navio de guerra japonês e abatido muitos inimigos — ao que o comandante respondeu: “Ha So!”. Sua missão bem-sucedida e seu pouso impecável terminaram num porta-aviões japonês!

Esse piloto de combate me faz lembrar do mensageiro amalequita de II Samuel 1, que se aproxima de Davi esperando receber um elogio, ou até mesmo uma recompensa em dinheiro, como expressão de gratidão. Ele chega trazendo a trágica notícia da derrota de Israel, esperando que Davi considere as mortes de Saul e Jônatas como um tremendo golpe de sorte, uma bênção inesperada, que o livra de seu inimigo (Saul) e de seu concorrente (Jônatas), e abre caminho para ele se tornar o rei de Israel. Ninguém jamais teria esperado a reação de Davi. Extremamente comovido com a notícia da morte de Saul e de seu filho, Jônatas, Davi não dá um suspiro de alívio, agradecido porque Saul, seu inimigo, está morto, e satisfeito por poder assumir o trono em seu lugar; ele lamenta profundamente e, quando fica sabendo que foi o jovem amalequita que matou Saul, ele manda executá-lo.

O autor do texto habilmente usa a comparação para despertar a nossa curiosidade e comunicar uma mensagem muito importante. A primeira metade do capítulo descreve como o amalequita trata Saul. A segunda, como Davi trata Saul. Com base nessa comparação, o autor explica porque Davi trata o amalequita da maneira como o faz. A primeira parte do texto chama a atenção para este jovem, o qual chega com as roupas rasgadas e sinais de pesar, trazendo a notícia da morte de Saul, junto com os seus símbolos de poder (a coroa e o bracelete). Ele tem informações sobre a derrota de Israel, sobre a morte de muitos israelitas e, em especial, sobre a morte de Saul e seu filho, Jônatas. Sua narrativa, primeiramente, causa profundo pesar em Davi e seus homens e, depois, a sua própria morte, por ter tirado a vida de Saul. A última parte do capítulo contém um salmo de lamentação de Davi, o qual ele escreve para ser ensinado aos filhos de Judá. A ênfase principal do capítulo parece recair sobre o contraste entre Davi e o amalequita, e também sobre a importância da lição transmitida ao leitor. Daremos especial atenção a esse contraste, enquanto procuramos entender o significado e a mensagem do texto.

Lendo esse trecho, mal sentimos a mudança de um livro para outro, de I para II Samuel. A transição parece literalmente ininterrupta, o que, na realidade, é como está no texto original. Nele, não temos dois livros, I e II Samuel; apenas um, englobando os dois. Este único livro do texto hebraico, mais tarde, foi dividido pelos tradutores da Septuaginta. Desde então, todas as Bíblias subsequentes seguiram o mesmo procedimento, chamando aos dois livros de I e II Samuel. Por isso é tão natural passarmos de um livro para outro sem perceber.

Notícias Preocupantes
(1:1-10)

“Depois da morte de Saul, voltando Davi da derrota dos amalequitas e estando já dois dias em Ziclague, sucedeu, ao terceiro dia, aparecer do arraial de Saul um homem com as vestes rotas e terra sobre a cabeça; em chegando ele a Davi, inclinou-se, lançando-se em terra. Perguntou-lhe Davi: Donde vens? Ele respondeu: Fugi do arraial de Israel. Disse-lhe Davi: Como foi lá isso? Conta-mo. Ele lhe respondeu: O povo fugiu da batalha, e muitos caíram e morreram, bem como Saul e Jônatas, seu filho. Disse Davi ao moço que lhe dava as novas: Como sabes tu que Saul e Jônatas, seu filho, são mortos? Então, disse o moço portador das notícias: Cheguei, por acaso, à montanha de Gilboa, e eis que Saul estava apoiado sobre a sua lança, e os carros e a cavalaria apertavam com ele. Olhando ele para trás, viu-me e chamou-me. Eu disse: Eis-me aqui. Ele me perguntou: Quem és tu? Eu respondi: Sou amalequita. Então, me disse: Arremete sobre mim e mata-me, pois me sinto vencido de cãibra, mas o tino se acha ainda todo em mim. Arremessei-me, pois, sobre ele e o matei, porque bem sabia eu que ele não viveria depois de ter caído. Tomei-lhe a coroa que trazia na cabeça e o bracelete e os trouxe aqui ao meu senhor.”

Davi e seus homens certamente são gratos pela vitória sobre os amalequitas e pela recuperação de suas famílias e bens. No entanto, esta vitória deve ser suplantada pela preocupação com as coisas que estão ocorrendo em Israel. Quando ele deixou Aquis para retornar a Ziclague, os filisteus tinham reunido um enorme contingente de soldados para atacar Israel. Davi sabe muito bem o quanto aquela manobra militar foi impressionante, pois ele e seus homens já tinham desfilado à retaguarda daquele exército. Desde que se separou dos filisteus, Davi deve andar muito preocupado com Saul e seu querido amigo Jônatas, sem falar no resto de seus compatriotas. Durante sua perseguição aos saqueadores amalequitas, e na batalha subsequente, ele teve pouco tempo para pensar no que estava ocorrendo em Israel. Agora, há três dias em Ziclague, ele e seus homens devem estar pensando em como vai a guerra, ou talvez, em como foi.

É o terceiro dia em Ziclague quando irrompe no acampamento de Davi um jovem completamente sem fôlego, pois há dias que está correndo. Ele deve ter percorrido aproximadamente 160 km para chegar até lá. Sua aparência diz quase tudo, pois suas roupas estão rasgadas e há terra em sua cabeça. Isso é sinal de pesar. A notícia não vai ser boa. Quando se aproxima de Davi, o jovem se lança em terra diante dele, prostrando-se como diante de um nobre, como se estivesse na presença de um rei.

Na mesma hora, Davi começa a interrogar o jovem, querendo saber, antes de mais nada, de onde ele vem. É provável que ele já tenha presumido o pior, mas, mesmo assim, faz perguntas para saber se o homem tem, ou não, notícias de Saul. O jovem responde que veio do arraial de Saul. Na verdade, suas palavras são bem mais sombrias, pois ele diz a Davi que escapou do arraial de Saul. Isso não soa nada bem. Davi, então, pergunta como foram as coisas na batalha. O jovem, agora, revela aquilo que Davi já devia ter presumido. Israel sofreu uma derrota - terrível. Muitos soldados foram mortos e o restante fugiu. Entre os mortos na batalha estão Saul e seu filho Jônatas.

Davi se recusa a aceitar a história do homem sem verificá-la. Será que o mensageiro tem certeza absoluta de que Saul e Jônatas foram mortos? O jovem explica o que aconteceu. Não estou bem certo se ele realmente pretendia dizer a Davi tudo o que revelou. Pelos detalhes fornecidos, creio que ele esteve mesmo com Saul, e que o matou nos últimos momentos de vida. Quando combinamos esta história com os fatos narrados no capítulo anterior (I Samuel 31), podemos ter um quadro bastante aproximado do que ocorreu.

Quando encontra Saul no monte Gilboa, o jovem está ali por acaso. Ele não conta exatamente porque estava lá. Se tivesse que dar um palpite, eu diria que não foi para defender Saul dos filisteus, mas para saquear o acampamento antes da chegada deles. É óbvio que ele não está defendendo Saul. Quando eles se cruzam, Saul ainda está vivo. Ele está no chão, ou como diz o texto, “caído” (1:10). Sua espada está encravada em seu corpo, crivado de flechas filistéias. Apesar de tudo, ele ainda não está morto. Parece que ele se apoia em sua lança, o que, provavelmente, alivia a dor e a pressão das flechas e da espada.

Olhando à sua volta, Saul vê o jovem se aproximar e avaliar a situação. Ele o chama, e este responde: “Eis-me aqui”. Saul, então, pergunta-lhe quem é ele. Seria muito estranho se o rapaz fosse filisteu, pois estes estão apertando o ataque e logo estarão sobre Saul (verso 6). O rapaz informa que é amalequita. Saul, então, suplica que ele acabe com seu sofrimento.

Estou em débito com meu amigo e colega de conselho, Hugh Blevins, por sua compreensão deste trecho. Hugh mostra que o autor dá muita importância ao fato do rapaz ser amalequita. Isso parece encorajar Saul. Afinal, ele acabara de pedir a mesma coisa a seu escudeiro e este se recusara a fazê-lo. Um amalequita não terá tais escrúpulos para matar o rei de Israel. Na verdade, quando Saul ordenou aos seus servos que matassem Abimeleque e os outros sacerdotes, eles se recusaram, por isso, ele pediu a Doegue, o edomita, que de bom grado cumpriu suas ordens (ver I Samuel 22:16-19). Portanto, mesmo que um israelita se recuse a matar Saul, o rei tem quase certeza de que um amalequita não se recusará.

Saul pede que o jovem se aproxime, “fique sobre” ele e o mate (“arremete sobre mim”, ARA). A interpretação dada pela versão NASB é mais genérica: “Por favor, fique ao meu lado e mate-me” (verso 9). A versão King James é mais rigorosa em sua interpretação destas palavras: Fique, peço-te, sobre mim e mate-me... O jovem, então, responde: Por isso, fiquei sobre ele e o matei (verso 10, KJV) (“Arremessei-me, pois, sobre ele e o matei”, ARA). O que gostaria de enfatizar com estas palavras é que o jovem deve ter “estado lá e feito aquilo”, para ser tão preciso na descrição dos últimos momentos e da morte de Saul. Saul está no chão, parcialmente escorado por sua lança (não pela espada). Ele suplica que o jovem se aproxime e fique sobre ele porque ele está no chão, e o jovem precisaria fazer isso para matá-lo. O jovem amalequita favorece Saul, matando-o. Nada é dito sobre a arma usada por ele ou como ele a usa para matar Saul. A ironia é que, de qualquer forma, Saul estaria morto em poucos minutos. Esse “assassinato” (recontado como se fosse um ato de misericórdia) priva Saul somente de mais alguns minutos de vida. Ainda assim, é assassinato.

O amalequita confessa ter matado Saul e depois, no verso 10, tenta justificar sua atitude. Ele arremeteu sobre Saul e o matou, mas foi porque sabia que, tendo caído, Saul não se levantaria novamente. De qualquer forma, ele teria morrido bem ali, naquele lugar. Além do mais, ele fez exatamente o que Saul implorou que ele fizesse. Saul queria ficar livre de sua agonia e o jovem prestou-lhe um favor. Será que isso não foi ato de misericórdia? Ele acha que talvez receba uma recompensa por isso, mas acaba recebendo muito mais do que esperava. Ele fez o que Saul queria e o que, supostamente, achou que Davi quisesse. Ele pensou que não seria culpado por fazer o que Saul e Davi desejavam. Ele retirou a coroa e o bracelete do corpo de Saul e correu para levá-los a Davi, seu “senhor” (verso 10). Será que já não é tempo de Davi assumir seu posto como rei?

Antes de voltarmos nossa atenção para a reação de Davi ao relato do amalequita, talvez seja útil resumir os elementos-chave deste incidente:

  1. 1) O mensageiro parece ansioso para viajar e encontrar-se com Davi, para lhe contar sobre as mortes de Saul e Jônatas. Da mesma forma que Aimaás em II Samuel 18:19-23, ele parece querer levar a notícia por esperar que Davi fique satisfeito com ela (ver II Samuel 4:9-10). Também como Aimaás, o amalequita não compreende que isso causará em Davi profunda dor e tristeza;
  2. 2) Parece que ele espera ser recompensado por Davi;
  3. 3) Ele sabe exatamente onde encontrar Davi;
  4. 4) Davi interroga minuciosamente o amalequita e parece descobrir muito mais do que o mensageiro pretendia dizer. Longe de mentir sobre a morte de Saul e seu papel no que aconteceu, o mensageiro lhe conta tudo;
  5. 5) Por alguma razão, o mensageiro faz questão de falar sobre a morte de Jônatas, mas não menciona que os outros filhos de Saul também foram mortos na batalha;
  6. 6) O mensageiro parece presumir que Saul e Jônatas são inimigos de Davi, obstáculos à sua ascensão ao trono. Ele parece crer que, matando Saul, estará tirando-o do caminho de Davi e, portanto, prestando-lhe um favor (novamente ver II Samuel 4:9-10);
  7. 7) O texto ressalta que o mensageiro é amalequita e que isso não é nenhuma coincidência. Saul tinha que matar os amalequitas (I Samuel 15). Os saqueadores que atacaram Ziclague e raptaram as famílias de Davi e seus homens eram amalequitas. Só faz três dias que Davi voltou a Ziclague, depois de tê-los perseguido e morto;
  8. 8) O mensageiro sabe que Davi foi (ou esperava que fosse) designado para ser o próximo rei de Israel. Ele traz a coroa e o bracelete que tirou do corpo de Saul e os dá a Davi, como rei;
  9. 9) O homem admite, quase com orgulho, ter matado Saul, o ungido de Deus.

A Reação De Davi
(1:11-16)

Então, apanhou Davi as suas próprias vestes e as rasgou, e assim fizeram todos os homens que estavam com ele. Prantearam, choraram e jejuaram até à tarde por Saul, e por Jônatas, seu filho, e pelo povo do SENHOR, e pela casa de Israel, porque tinham caído à espada. Então, perguntou Davi ao moço portador das notícias: Donde és tu? Ele respondeu: Sou filho de um homem estrangeiro, amalequita. Davi lhe disse: Como não temeste estender a mão para matares o ungido do SENHOR? Então, chamou Davi a um dos moços e lhe disse: Vem, lança-te sobre esse homem. Ele o feriu, de sorte que morreu. Disse-lhe Davi: O teu sangue seja sobre a tua cabeça, porque a tua própria boca testificou contra ti, dizendo: Matei o ungido do SENHOR.”

Enquanto leio este capítulo de II Samuel, lembro-me daquela antiga piada sobre as “boas e as más notícias”. Vou dar um exemplo. Acho que o mensageiro está pensando em termos de “boas e más notícias”, quando fala com Davi. Acho que ele esperava abordar Davi desta forma: “Davi, tenho boas e más notícias. As más são que Israel foi derrotado pelos filisteus. Muitos homens foram mortos e muitos mais fugiram da batalha, e até de suas cidades e do país. As boas são que Saul está morto, e que seu herdeiro, Jônatas, também. Isso significa que agora você pode colocar esta coroa na cabeça e governar Israel.”

Para Davi, todas as notícias são ruins. Ele fica triste pela derrota de Israel e pela morte de Saul; mas fica arrasado pela morte de seu melhor amigo, Jônatas. Qualquer pensamento de vantagem pessoal às custas dos outros é descartado.

Como lemos no livro de Eclesiastes, “ tempo de prantear” (Eclesiastes 3:4b). Davi dá o tom da lamentação que se inicia em resposta às palavras do mensageiro. Seus homens prontamente o seguem. Isto nos faz lembrar da época em que eles queriam ver Saul morto. Tudo bem, nem por isso, Davi ou eles puderam fazê-lo. Contudo, alguém o fez, e isto poderia ser visto como razão para algum tipo de contentamento; mas não enquanto Davi estiver por perto! Davi rasga suas vestes, e todos fazem o mesmo. Eles pranteiam, choram e jejuam até o anoitecer. Eles lamentam pela casa de Israel, pelo rei Saul e por Jônatas.

Ora, ainda há outro assunto a ser resolvido, mas que pode esperar enquanto Davi e seus homens expressam seu pesar pela derrota de Israel e pelas mortes de Saul, Jônatas e muitos outros israelitas. O mensageiro confessou ter matado Saul. Isto pode não parecer errado para ele, mas é um ultraje para Davi. Quantas vezes Davi se recusou a matar Saul, mesmo que ele pudesse ter alegado defesa própria? No entanto, este amalequita não teve reservas em dar cabo de Saul.

O mensageiro amalequita não tem a mínima ideia da encrenca em que se meteu. Lembro-me de uma história que minha filha mais velha gostava de contar quando era pequena, sobre a rã boca-aberta. Dona Rã andava por aí perguntando para as outras mães com o que elas alimentavam seus filhotes. Ela ia de animal em animal fazendo perguntas. Até que um dia encontrou uma cobra e lhe disse: — Dona Cobra, com o que a senhora alimenta seus filhotes? (Era desse ponto da história que minha filha Beth mais gostava, pois ela abria bem a boca, numa expressão exagerada). Dona Cobra respondeu: — Alimento meus filhotes com rãs boca-aberta. — Aí, com os lábios franzidos e bem apertados, Beth prosseguia, imitando a Dona Rã: — Ah, é assim?

Dona Rã não percebeu que havia armando uma cilada para si mesma; nem o mensageiro amalequita. Ele diz abertamente que é amalequita, sem se dar conta do que está falando. Ele quase se gaba de ter matado Saul, sem qualquer hesitação ou senso de perigo iminente. Ele também fala com displicência da morte de Jônatas, o melhor amigo de Davi. Esse rapaz coloca a corda no próprio pescoço e só percebe quando já é tarde demais.

O amalequita diz tudo o que Davi precisava saber. Praticamente ele é um homem morto. Ainda assim, Davi lhe pergunta, pela segunda vez, de onde ele vem. Devo admitir estar um tanto confuso com a razão pela qual Davi faz, literalmente, duas vezes a mesma pergunta. Acho que estou começando a entender sua intenção. Com frequência, perguntamos duas vezes a mesma coisa não porque não ouvimos a resposta, mas porque ela nos pega de surpresa e nos confunde. Quando Davi pergunta pela primeira vez, o jovem responde que veio do arraial de Saul (verso 3). Depois, quando o mensageiro fala sobre o que aconteceu no monte Gilboa, ele inclui ter dito a Saul que é amalequita (verso 8). Durante o período de lamentação, talvez Davi tenha dito a si mesmo: “Como é que um amalequita poderia estar no arraial de um rei israelita, justamente quando os amalequitas são inimigos de Israel?” Talvez o mensageiro esteja começando a compreender a pergunta de Davi; por isso, ele tenta esclarecer, respondendo que é filho de um estrangeiro, que é amalequita.

Porém, sua resposta é fraca demais e tardia demais para lhe proporcionar algum bem. Não importa qual seja sua explicação, ele “estendeu a mão para matar o ungido do Senhor”, e se gabou disso. Ele não tem desculpa, é condenado por suas próprias palavras. Davi ordena que seja executado. O Bible Knowledge Commentary traz uma nota bastante perspicaz sobre este trecho:

“É irônico que Saul tenha perdido seu reino por não ter aniquilado totalmente os amalequitas e, agora, alguém, que se diz amalequita, morre por ter afirmado que destruiu Saul.”

A questão é muito simples e clara para Davi e não é como o jovem parece vê-la. O rapaz vê Saul como inimigo de Davi, um obstáculo à sua ascensão ao trono. Ele acha que a notícia de sua morte é boa para Davi. Ele acha que matar Saul é “por fim ao seu sofrimento”, da mesma forma que atirar num cavalo que está com a perna quebrada. Davi vê as coisas de modo muito mais simples: o jovem matou o ungido do Senhor. Não importa que, de qualquer forma, Saul teria morrido; não importa que ele tenha tornado a vida de Davi um inferno. Não importa que Saul estivesse sofrendo. Não importa que ele quisesse morrer ou só tivesse mais alguns instantes de vida. Não importa que os filisteus logo estariam sobre ele. O amalequita matou o ungido do Senhor. Agora, Davi ordena que seja morto.

Como Caíram Os Valentes
(1:17-27)

Pranteou Davi a Saul e a Jônatas, seu filho, com esta lamentação, determinando que fosse ensinado aos filhos de Judá o Hino ao Arco, o qual está escrito no Livro dos Justos. A tua glória, ó Israel, foi morta sobre os teus altos! Como caíram os valentes! Não o noticieis em Gate, nem o publiqueis nas ruas de Asquelom, para que não se alegrem as filhas dos filisteus, nem saltem de contentamento as filhas dos incircuncisos. Montes de Gilboa, não caia sobre vós nem orvalho, nem chuva, nem haja aí campos que produzam ofertas, pois neles foi profanado o escudo dos valentes, o escudo de Saul, que jamais será ungido com óleo. Sem sangue dos feridos, sem gordura dos valentes, nunca se recolheu o arco de Jônatas, nem voltou vazia a espada de Saul. Saul e Jônatas, queridos e amáveis, tanto na vida como na morte não se separaram! Eram mais ligeiros do que as águias, mais fortes do que os leões. Vós, filhas de Israel, chorai por Saul, que vos vestia de rica escarlata, que vos punha sobre os vestidos adornos de ouro. Como caíram os valentes no meio da peleja! Jônatas sobre os montes foi morto! Angustiado estou por ti, meu irmão Jônatas; tu eras amabilíssimo para comigo! Excepcional era o teu amor, ultrapassando o amor de mulheres. Como caíram os valentes, e pereceram as armas de guerra!

Vamos ser honestos, é difícil saber o que dizer ou não dizer num funeral, especialmente se você é o pregador que está ministrando o ofício fúnebre. Já ouvi uma porção de mentiras em funerais, muitas ditas por pregadores. Ouvi mentiras a respeito de Deus (por exemplo, “Que não foi culpa de Deus. Que Ele não sabia ou não tinha poder sobre o que aconteceu.”) e mentiras a respeito daquele que morreu. Geralmente, as mentiras a respeito de quem partiu tendem a exagerar suas virtudes e minimizar seus defeitos. Lembro-me de ter ouvido a história de um pregador que, durante o funeral de um patife, foi muito franco a seu respeito. No meio do serviço fúnebre, ele fitou os olhos da viúva e disse: Millie, você sabe que Ralph era um cafajeste. Se você se casar de novo, veja se arranja um cara melhor. — Isso é que é honestidade.

Embora já tenha feito muitos ofícios fúnebres (e alguns deles bem complicados), acho que um dos mais difíceis seria o de Saul. Suponha, por exemplo, que você tivesse que agir de acordo com o ditado “Se não tem nada de bom a dizer sobre alguém, não diga nada.” O que faria, tendo 45 minutos de silêncio em memória de Saul? Em nosso texto, Davi é quem conduz o funeral de Saul, ou, pelo menos, uma cerimônia equivalente. Obviamente, essa cerimônia não é aquilo que eu esperava. Creio poder dizer também que não é o que jovem amalequita esperava. Como não temos tempo suficiente, nem espaço, para expor em detalhes a elegia (ou lamentação) de Davi, vamos nos concentrar apenas em algumas características gerais.

Esta eulogia, ou lamento, é um salmo de Davi, um trabalho especial feito com amor. Meu pai é professor escolar aposentado e, há muitos anos, compõe poemas. Ele os compôs para os seus amigos quando se aposentaram. Ele compõem para todos os filhos no dia de seus aniversários e, quando ainda não tinha muitos netos, para cada um deles também. Sei muito bem o que o pessoal da Hallmark (site de cartões eletrônicos) diria sobre os cartões de meu pai, mas um poema dele significa muito mais do que um simples e-card. É um trabalho feito com amor. Sabemos que ele leva muito tempo pensando na pessoa para quem está compondo o poema. Sabemos que esse é o seu jeito de nos dizer o quanto nos ama. É isso também o que a eulogia de Davi está dizendo. Nela, ele exprime seu amor por Saul e por Jônatas, da maneira mais maravilhosa que existe.

A eulogia de Davi é um salmo de pesar pelas mortes de Saul e Jônatas. Davi chora pela derrota de Israel e pela perda de muitos israelitas, mas este não é o foco principal do salmo. O salmo exprime sua tristeza pelas mortes de Saul e Jônatas. O mensageiro amalequita acha que a notícia dessas mortes será boa para Davi. Ele está errado. O salmo nos diz que Davi tem um profundo sentimento de perda e de tristeza por suas mortes. A notícia lhe causa um sofrimento genuíno.

A eulogia de Davi não diz nada negativo sobre Saul. Quando Davi lamenta a morte de Saul, não há a menor alusão a qualquer mal ou coisa ruim que Saul tenha feito a ele ou a outras pessoas. Como teria sido fácil incluir alguns detalhes de suas ações, ter reivindicado algum tipo de justiça divina; mas Davi não o faz.

O salmo de Davi enaltece tanto Saul quanto Jônatas como heróis. Davi não só se abstém de falar mal de Saul, como também o enaltece, e a Jônatas, como heróis de guerra, dignos de honra e respeito.

O salmo de Davi inicia com o foco Saul e termina com o foco em Jônatas. Mesmo que tenha coisas boas a dizer sobre seu rei, é evidente, neste salmo, que Davi tem profundo sentimento por Jônatas e firme compromisso com ele. O que talvez fosse um assunto particular enquanto Jônatas estava vivo, agora torna-se público. Eis algo que o amalequita desconhecia completamente. Parece que ele pensava que Jônatas era inimigo de Davi, não seu melhor amigo.

O salmo de Davi parece ser expressão e consequência da aliança existente entre ele e Jônatas. Vimos que a aliança feita entre eles (I Samuel 18) foi colocada em prática (capítulo 19:1-7) e, depois, ampliada e reafirmada (capítulos 20 e 23). Em sua eulogia, Davi já está abençoando Jônatas e seus descendentes quando o enaltece como herói, cuja memória deve ser preservada.

O salmo de Davi é escrito para um público infinitamente maior do que apenas seus 600 homens. O salmo é escrito e registrado no “Livro dos Justos”. Vemos que há referência a esse “livro” no livro de Josué:

“Então, Josué falou ao SENHOR, no dia em que o SENHOR entregou os amorreus nas mãos dos filhos de Israel; e disse na presença dos israelitas: Sol, detém-te em Gibeão, e tu, lua, no vale de Aijalom. E o sol se deteve, e a lua parou até que o povo se vingou de seus inimigos. Não está isto escrito no Livro dos Justos? O sol, pois, se deteve no meio do céu e não se apressou a pôr-se, quase um dia inteiro. Não houve dia semelhante a este, nem antes nem depois dele, tendo o SENHOR, assim, atendido à voz de um homem; porque o SENHOR pelejava por Israel.” (Josué 10:12-14)

No texto de Josué, lemos a respeito da vitória dada por Deus a Israel sobre os amorreus, com o auxílio do sol que se deteve no céu. Aquele episódio foi tão impressionante e tão incrível que foi registrado para que as gerações posteriores o lessem e ficassem impressionadas. Davi não deseja apenas enaltecer Saul e Jônatas, ele quer que todos os “filhos de Judá se unam a ele” (II Samuel 1:18), por isso, dá instruções para que a canção lhes seja ensinada. Creio que isto significa que, não somente aquela geração, mas todas as futuras gerações devem aprendê-la, para enaltecer Saul e Jônatas.

Não estou bem certo se podemos entender a importância do que Davi está fazendo. Aqueles que ascendem ao topo do poder em uma nação, em geral, tomam todos os tipos de precaução para impedir que qualquer rival derrube sua administração e assuma o poder em seu lugar. Com frequência, isso significa a execução de toda a família da dinastia que está sendo removida do poder. Pode significar a re-escrita da história, para que a família caia em desgraça e desprezo. Davi faz justamente o oposto. Ele honra Saul e Jônatas e se assegura de que as futuras gerações os considerem como heróis nacionais. Ele exalta Saul e Jônatas entre os “filhos de Judá”. Os “filhos de Judá” não são parentes de Saul; são parentes de Davi, o mesmo grupo que ele espera que o apoie como rei. Davi faz uma coisa realmente extraordinária, escrevendo e preservando esta eulogia.

Conclusão

A reação de Davi à morte de Saul é simplesmente notável, mas será que é sincera? Será que ele não está só tentando dourar a pílula? Será que ele não está tentando varrer todas as maldades de Saul para debaixo do tapete? Será que não é hipocrisia de sua parte? Creio que podemos concluir que ele é absolutamente sincero. Não há nenhuma hipocrisia neste salmo. Acho que tudo o que ele diz é verdade.

Isto leva a um princípio muito importante, que muitas vezes é desrespeitado em nossos dias: para ser honesto e sincero não é preciso dizer tudo o que poderia ser dito, ou tudo o que sabemos ser verdade. Davi é honesto e sincero, e temente a Deus, ainda que não diga tudo o que sabe a respeito de Saul. Um dos princípios da psicologia popular sustenta que devemos “por tudo para fora”, todas as frustrações devem ser descarregadas, todas as injustiças manifestadas e todos os pensamentos externados. A Bíblia simplesmente não ensina nada disso. O livro de Provérbios, em particular, ensina que o homem sábio escolhe cuidadosamente suas palavras e como e quando as dirá. Algumas coisas não devem ser ditas de forma alguma. O Novo Testamento contém um princípio muito importante, que deveria governar aquilo que dizemos, ou não: “Devemos falar apenas aquilo que edifica (constrói ou beneficia) o(s) ouvinte(s)” (ver I Coríntios 14:4-5, 17, 26). O capítulo 14 de I Coríntios nos ensina que a igreja é edificada tanto pelo nosso silêncio, quanto pelas nossas palavras. Não é pecado deixar de dizer aquilo que não venha a ser útil, mesmo que seja verdade. Davi não diz nada que não seja verdade a respeito de Saul. Ele só diz o que é verdade. Ele não mente. Mesmo assim ele não diz tudo. É assim que deve ser.

Devo dizer também que, quando Saul pecou e Davi teve que falar com ele, Davi o confrontou com seu pecado (ver I Samuel 24 e 26). Existe um tempo certo para falar com o pecador sobre o seu pecado. Porém, agora, Saul está morto. Davi não fará bem algum a ele, expondo seus pecados. Falando “mal do morto”, Davi estaria apenas magoando e prejudicando os descendentes de Saul, aos quais prometeu abençoar.

Assim, vemos que Davi é justo e prudente não mencionando os pecados de Saul neste momento. O povo sabia muito bem quem era Saul e quais eram os seus pecados. Davi quer que Saul seja lembrado e honrado pela contribuição positiva que trouxe aos israelitas a quem governou. Porém, isto gera uma questão importante: “Como Davi faz isso? Como ele consegue falar tão bem de Saul, depois de todo sofrimento que este lhe causou?”

Há muitas respostas para esta pergunta. Primeiro, Davi confia no Deus a quem serve. Davi sabe que seu Deus é um Deus poderoso. Seu Deus está no controle de todas as coisas. Por isso, Ele permitiu que Saul perseguisse e atormentasse Davi. Davi também sabe que Deus permitiu seu sofrimento às mãos de Saul para o instruir no caminho da retidão. Saul foi usado por Deus como instrumento no preparo de Davi para o papel de liderança que ele em breve iria assumir. O sofrimento de Davi não foi em vão; assim, ele não precisa se sentir mal por causa de Saul. Da mesma forma que José conseguiu ser agradecido pela providência de Deus em meio ao seu sofrimento (ver Gênesis 50:20), Davi também pode fazer o mesmo.

Segundo, parece que Davi não sente mágoa pelos pecados que Saul cometeu contra ele, pois o perdoou. Parece ter sido por esse motivo que José tratou com bondade a seus irmãos, a despeito de todo o mal que fizeram contra ele. Creio que Davi já perdoou Saul, e é por isso que não guarda, nem demonstra amargura. É muito triste guardar rancor, pois se a pessoa já está morta, é um pouco tarde para perdoá-la. Davi não precisa desenterrar o passado, pois tem pouca coisa para prestar contas.

Terceiro, de acordo com o que li, tenho que admitir que Davi tem muito mais consideração por Saul do que eu. Preciso confessar que não gosto muito de Saul. Não gosto de pensar bem dele, por isso, minha tendência é sempre pensar o pior e não o melhor a seu respeito. Acho que nosso autor pensa como Davi, tendo melhor consideração por Saul do que eu. Parece que ele deixa isso claro quando resume o governo de Saul no capítulo 14:

“Tendo Saul assumido o reinado de Israel, pelejou contra todos os seus inimigos em redor: contra Moabe, os filhos de Amom e Edom; contra os reis de Zobá e os filisteus; e, para onde quer que se voltava, era vitorioso. Houve-se varonilmente, e feriu os amalequitas, e libertou a Israel das mãos dos que o saqueavam.” (I Samuel 14:47-48)

Estes versos até parecem fora de lugar. Eles são uma espécie de eulogia, ou bênção, enunciada antes da besteira irreparável cometida por Saul no capítulo 15, e antes do registro de sua morte no capítulo 31. Acho que o autor quer indicar que esse é o fim para Saul, muito antes do fim de sua vida. Entretanto, onde quer que a avaliação de seu governo fosse colocada, devo admitir que as palavras ditas a seu respeito são muito mais positivas do que eu esperava. Creio que o autor de I Samuel faz afirmações relativamente boas sobre ele porque é necessário que as tenhamos em mente quando analisarmos somente uma parte de sua vida neste livro. Mostrando as falhas de Saul, o autor pretende ensinar ao leitor algumas lições muito importantes. Acho que seus erros são cometidos da mesma maneira que os de Israel. Indo um pouco mais além, nós, hoje, também erramos desse mesmo jeito. Portanto, o foco de I Samuel está nas falhas de Saul, as quais ocasionaram o fim de seu reinado. Ainda assim, ele fez muitas coisas boas. E é sobre elas que Davi fala em sua eulogia.

Quarto, Davi mostra obediência a um mandamento muito importante, expresso claramente na carta de Paulo aos filipenses:

“Finalmente, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é respeitável, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se alguma virtude há e se algum louvor existe, seja isso o que ocupe o vosso pensamento.” (Filipenses 4:8)

A verdade nada mais é do que o primeiro teste para aquilo que deve ocupar nosso coração e nossa mente, e sair da nossa boca. Esse é o ponto de partida, mas há muitos outros critérios, como vemos no texto. Davi escreve um salmo para ajudar os israelitas de sua época e das gerações futuras a lembrarem-se de Saul e Jônatas e honrá-los. Se eles se lembrarem de Saul da forma como Davi o retrata na última parte de nosso texto, com certeza eles “ocuparão suas mentes com tudo o que é respeitável, justo, puro, amável e de boa fama”. Davi não quer que nos detenhamos muito tempo nos pecados de Saul. Tampouco quer que os ignoremos. O autor de I Samuel registrou-os para que aprendamos com eles.

Hoje em dia há muita ênfase nas injustiças que os outros, especialmente nossos pais, cometem contra nós. Nós achamos que é preciso desenterrar todos os traumas, destrinchá-los e, então, discuti-los. Creio que Davi agiria de modo diferente de nós nessa questão. Se ainda não perdoamos nossos pais pelas injustiças que cometeram contra nós, precisamos fazê-lo e depois esquecê-las. Se ainda não os confrontamos com os pecados que praticam, talvez seja necessário fazê-lo de forma bíblica. No entanto, não há nenhuma virtude em ficar remoendo as injustiças sofridas. Não devemos ocupar nossa mente com tais coisas.

Quinto, o respeito de Davi por Saul tem como base a posição que ele ocupa. Respeito é um dos assuntos mencionados em Filipenses 4:8: “... tudo que é respeitável...” Contudo, o mesmo princípio é ensinado também em outros contextos.

“Honra teu pai e tua mãe, para que se prolonguem os teus dias na terra que o SENHOR, teu Deus, te dá.” (Êxodo 20:12; ver Mateus 15:4, etc).

“Pagai a todos o que lhes é devido: a quem tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a quem respeito, respeito; a quem honra, honra.” (Romanos 13:7)

“Tratai todos com honra, amai os irmãos, temei a Deus, honrai o rei.”

Nestes versículos, Deus nos diz para “honrarmos” aos outros por causa da posição que ocupam. Na maioria dos casos, essa honra é devida àqueles que estão em posição de autoridade sobre nós (pais, reis, etc.). Como cristãos, devemos honrar a todos os homens, não só porque Deus os criou, mas porque devemos colocar seus interesses acima dos nossos (Filipenses 2:1-8). Davi nos dá um exemplo excelente de como devemos honrar aos outros.

Precisamos também entender que honrar o rei de Israel tinha um significado especial. O rei tinha uma posição de honra muito particular. Ele era chamado de “filho” de Deus (ver II Samuel 7:14; Salmo 2:7-9). Nosso Senhor Jesus Cristo foi o “Filho” de Deus nesse sentido, em parte porque era o Rei designado por Deus. O rei era o “ungido de Deus”. Esta expressão é empregada em I Samuel primeiramente com relação a Saul, depois com relação a Davi. Ela também se refere a futuros reis, em especial ao Messias. A palavra hebraica interpretada como “ungido” é o termo “Messias” transliterado para a língua inglesa. Davi honra Saul como o “ungido de Deus”, e desta forma, “O Ungido” que haveria de vir. À medida que a revelação do Antigo Testamento progride, isto se torna cada vez mais claro.

Em sua eulogia, Davi fala de Saul como o formoso de Israel (“glória” na versão ARA). A mesma palavra, traduzida como “formoso” em nosso texto, é empregada por Isaías referindo-se ao futuro Messias, que é o formoso e a glória de Israel:

“Naquele dia, o Renovo do SENHOR será de beleza e de glória; e o fruto da terra, orgulho e adorno para os de Israel que forem salvos.” (Isaías 4:2)

“Naquele dia, o SENHOR dos Exércitos será a coroa de glória e o formoso diadema para os restantes de seu povo;” (Isaías 28:5)

Quando Davi honra Saul como o formoso de Israel, ele o faz na esperança e expectativa de ver o rei perfeito de Israel, o Messias.

Para encerrar, há ainda outra lição em nosso texto que não posso deixar de ressaltar. É uma palavra de alerta para aqueles que confiam em sua própria justiça para a salvação eterna, e esperam que Deus os receba de braços abertos, mesmo que tenham rejeitado Sua condição para salvação na pessoa de Jesus Cristo.

O jovem amalequita tira a vida de Saul pensando que está prestando um favor a Saul, a Davi e a si mesmo. Ele acha que está poupando Saul de seu sofrimento, que o está tirando do caminho de Davi e que pode alcançar a gratidão e o favor de Davi, talvez em forma de recompensa. Em vez de ser recompensado, ele provoca a ira de Davi e é executado. Somos tentados a ficar mais chocados por Davi ter mandado executá-lo do que pelo rapaz ter matado Saul. Davi está certo em tê-lo condenado à morte, em mais de um sentido. Primeiro, ele podia e devia matá-lo, simplesmente porque o rapaz era amalequita (ver I Samuel 15:31). Segundo, Davi tinha obrigação de executá-lo, porque o jovem matou o ungido de Deus. Davi agiu certo quando irou-se com o tratamento dispensado pelo amalequita a Saul, e agiu certo quando condenou-o à morte.

Muitas pessoas sabem que Jesus afirmou ser o Deus encarnado, o Filho de Deus. Sabem que Ele morreu na cruz do Calvário e que ressuscitou da morte. Sabem que Ele afirmou ter morrido por seus pecados e que só Ele é o caminho para a vida eterna. No entanto, ainda assim, rejeitam-nO como seu Salvador. Elas acham que há outros meios de salvação, além do sangue de Jesus derramado na cruz. Pensam que quando estiverem diante de Deus, Ele as aceitará por causa de suas boas obras, ou de sua fé em outros meios de salvação. Esperam que Deus receba-as calorosamente em Seu reino e recompense-as com a vida eterna. Elas estão redondamente enganadas.

Se Davi agiu certo quando irou-se porque um homem matou Saul, o ungido de Deus, como você pensa que Deus agirá contra aqueles que rejeitam a Jesus Cristo, o Seu ungido? Se houvesse mais de um meio de Deus salvar os homens, você acha que Ele teria enviado Jesus Cristo para ter uma morte agonizante na cruz do Calvário, como uma dentre várias opções? Aqueles que confiam em qualquer outro meio de salvação, rejeitam Jesus como O ungido de Deus. E aqueles que O rejeitam como ungido de Deus são tão culpados de mandá-lO para a morte como o foram aqueles que estavam diante de Pilatos, séculos atrás, gritando “Crucifica-o! Crucifica-o!” Que loucura é esperar a aprovação e aceitação de Deus, quando alguém rejeita Seu único meio de salvação. Da mesma forma que Davi tratou rudemente o amalequita que assassinou Saul, Deus também tratará aqueles que rejeitam Seu Filho, Jesus Cristo. O caminho para receber o perdão dos pecados e o dom da eterna salvação é confiar no ungido de Deus, Jesus Cristo. Ele é o rei de Deus, que reinará para todo o sempre. Ele também é o Cordeiro de Deus, que morreu pelos pecados dos homens. Todos aqueles que confiam nEle serão salvos. Todos aqueles que não aguardam a ira eterna de Deus. Se você ainda não reconhece seu pecado e não confia na morte, sepultamento e ressurreição de Jesus Cristo em seu favor, por que não faz isso hoje?

Tradução: Mariza Regina de Souza

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