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19. Marcas de Maturidade (Gênesis 18:1-33)

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Introdução

Cresci numa região onde havia muitos cervos e, quando jovem, eu gostava de caçar. Nós, pessoas do campo, sempre ficávamos incomodados com a gente da cidade que vinha para atirar em nossos cervos, aqueles que tinham se alimentado em nossos pomares e mordiscado as nossas hortas durante o ano. Certa vez ouvi falar de um malandro que não sabia quase nada de caça e parou em um armazém local para perguntar como um veado se parecia. Se você não acredita, eu ouvi isso de um fazendeiro que estava tão preocupado que seu gado pudesse ser atingido durante a temporada de caça, que pintou a palavra VACA em letras garrafais em suas reses.

Uma vaca ser morta por um cara da cidade pode ser meio patético, mas não é o fim do mundo. Muitos cristãos, no entanto, estão em busca de maturidade, mas não sabem quais são suas marcas. Alguns acreditam que a maturidade esteja no conhecimento, enquanto outros a equiparam com experiência pessoal ou com obedecer algum tipo de regra ou usar algum método. Embora conhecimento e experiência sejam importantes, essas coisas por si só não são características pelas quais devemos lutar.

Em nosso estudo da vida de Abraão, no capítulo 16 nós o encontramos numa maré bem baixa. Ali, Abrão, pressionado por sua esposa, teve um vacilo na fé e tentou obter por meio de esforço humano o que Deus havia prometido. Uma criança nasceu de Agar, mas não o filho da promessa. O pecado de Abrão só resultou em dor de cabeça para ele, Sarai e Agar. Até onde a Bíblia nos diz, passaram-se treze anos até Deus falar com ele novamente. E então, no capítulo 17, Deus quebra o silêncio e reitera Sua aliança com Abraão, bem como a promessa do nascimento de um filho por meio de Sara dentro de um ano.

Em contraste com o capítulo 16, o capítulo 18 é o ponto alto da vida de Abraão. Embora sua fé não fosse infalível, ela se tornou mais forte. Suas atitudes e ações servem como exemplo de fé madura. A descrição da sua fé no capítulo 18 estabelece o cenário para o fracasso de Ló no capítulo 19, cujas sementes foram plantadas no capítulo 13. Essa história vamos guardar para a próxima lição, mas o contraste entre os dois homens nestes dois capítulos é evidente.

Portanto, no capítulo 18 vamos dar uma olhada mais de perto em Abraão e nas características da sua maturidade.

O Trio Celestial e a Hospitalidade de Abraão (18:1-8)

Embora esta não fosse a primeira aparição de nosso Senhor a Abraão, com certeza foi única. Antes, Deus tinha falado com ele diretamente (12:1-3; 13:14-17), por meio de um porta-voz (14:19-20), por uma visão (15:1 e ss) e em uma aparição, a qual talvez tenha sido acompanhada de glória e esplendor (17:1 e ss). Aqui, Deus veio a Abraão na forma de um homem comum, acompanhado por dois outros homens, os quais depois são identificados como seres angélicos (compare 18:2, 22; 19:1). Não se sabe o que poderia distinguir esses três “viajantes” de quaisquer outros:

Apareceu o SENHOR a Abraão nos carvalhais de Manre, quando ele estava assentado à entrada da tenda, no maior calor do dia. Levantou ele os olhos, olhou, e eis três homens de pé em frente dele. (Gênesis 18:1-2a)

Abraão, à típica maneira oriental, estava assentado à porta da sua tenda no maior calor do dia. Quem, como eu, vive em Dallas (Texas, EUA), após quarenta dias de temperatura na casa dos 37º C, ou mais, conhece a moleza resultante do sol do meio-dia. Esse horário tornava a necessidade de ser hospitaleiro ainda maior, pois os visitantes deviam estar sedentos e exaustos por causa do calor. A hospitalidade de Abraão ia ser colocada à prova, pois sua “siesta” precisava ser interrompida para ele poder atender suas visitas.

Mesmo que tal hospitalidade seja parte da cultura oriental, o cuidado de Abraão no desempenho da sua tarefa foi evidente:

Vendo-os, correu da porta da tenda ao seu encontro, prostrou-se em terra e disse: Senhor meu, se acho mercê em tua presença, rogo-te que não passes do teu servo; traga-se um pouco de água, lavai os pés e repousai debaixo desta árvore; trarei um bocado de pão; refazei as vossas forças, visto que chegastes até vosso servo; depois, seguireis avante. Responderam: Faze como disseste. Apressou-se, pois, Abraão para a tenda de Sara e lhe disse: Amassa depressa três medidas de flor de farinha e faze pão assado ao borralho.  Abraão, por sua vez, correu ao gado, tomou um novilho, tenro e bom, e deu-o ao criado, que se apressou em prepará-lo. Tomou também coalhada e leite e o novilho que mandara preparar e pôs tudo diante deles; e permaneceu de pé junto a eles debaixo da árvore; e eles comeram. (Gênesis 18:2b-8)

Ele não foi descuidado nem negligente no cumprimento do seu dever. Ele reduziu ao máximo as provisões necessárias e as dificuldades para prepará-las — um pouco de água, um bocado de pão, um pequeno descanso e um momento para lavar os pés. No entanto, a refeição servida foi simplesmente suntuosa. Grande quantidade de pão foi feita na hora1, um novilho escolhido a dedo foi abatido e preparado, além de coalhada e leite. Esta não era, de forma alguma, uma refeição simples! E Abraão recusou-se a se sentar com seus convidados, ficando em pé para servi-los2.

Qualquer um ficaria feliz em preparar um banquete como aquele se soubesse a identidade de seus convidados; mas, ao que tudo indica, Abraão, naquele momento, não sabia. Sem dúvida, era sobre isso que o escritor aos Hebreus falava quando escreveu:

Não negligencieis a hospitalidade, pois alguns, praticando-a, sem o saber acolheram anjos. (Hebreus 13:2)

Mas que cena deve ter sido! Abraão, em pé, servindo seus convidados celestiais sem sequer saber sua identidade. Ao mesmo tempo, um pouco além e mais abaixo, as cidades de Sodoma e Gomorra, com suas festas e orgias, gozava o último dia da temporada de pecado, e Ló, em algum lugar por lá, ainda não sabia o que lhe reservava aquele dia.

A Promessa de Deus Confirmada, Embora Questionada (18:9-15)

Em lugar algum é dito em que momento ocorreu a Abraão que seus visitantes não fossem deste mundo; no entanto, pelo versículo 27 sabemos que este era um fato conhecido.

Creio que a promessa reiterada nos versículos 9 a 15 determinou a identidade daqueles homens quando os ligou à revelação do capítulo 17.

Então, lhe perguntaram: Sara, tua mulher, onde está? Ele respondeu: Está aí na tenda. Disse um deles: Certamente voltarei a ti, daqui a um ano; e Sara, tua mulher, dará à luz um filho. Sara o estava escutando, à porta da tenda, atrás dele. Abraão e Sara eram já velhos, avançados em idade; e a Sara já lhe havia cessado o costume das mulheres. Riu-se, pois, Sara no seu íntimo, dizendo consigo mesma: Depois de velha, e velho também o meu senhor, terei ainda prazer? Disse o SENHOR a Abraão: Por que se riu Sara, dizendo: Será verdade que darei ainda à luz, sendo velha? Acaso, para o SENHOR há coisa demasiadamente difícil? Daqui a um ano, neste mesmo tempo, voltarei a ti, e Sara terá um filho. Então, Sara, receosa, o negou, dizendo: Não me ri. Ele, porém, disse: Não é assim, é certo que riste. (Gênesis 18:9-15)

Era costume da época, e ainda é em algumas culturas, as mulheres não serem vistas nem ouvidas enquanto convidados do sexo masculino eram recebidos. Por isso, Sara preparou o pão longe da vista dos homens (cf. versículo 6); depois permaneceu dentro da tenda enquanto eles comiam. Embora ela se mantivesse cuidadosamente fora de vista, sua curiosidade falou mais alto. Talvez ela tenha espiado por entre as dobras da tenda, embora isso não seja afirmado em parte alguma. No entanto, ela realmente estava com o ouvido à porta, ansiosa para escutar a conversa lá fora. Duvido que qualquer um de nós também consiga resistir a essa tentação.

Quando perguntaram a Abraão onde Sara estava, ele respondeu que ela estava dentro da tenda. O Senhor, então, assegurou-lhe que dali a um ano ela teria um filho. A essência desta promessa pouco difere da promessa anterior, conforme registrado no capítulo 17 (versículos 19, 21). Para Abraão, isso deve ter resolvido a questão da identidade de seus visitantes.

Ao que parece, ou ele deixou de contar a promessa anterior a Sara ou não conseguiu convencê-la da sua exatidão. Creio que as palavras de nosso Senhor foram ditas mais para o benefício de Sara do que para o de Abraão. Era vital que ela, também, tivesse fé na promessa de Deus.

A reação de Sara foi quase a mesma do marido:

Então, se prostrou Abraão, rosto em terra, e se riu, e disse consigo: A um homem de cem anos há de nascer um filho? Dará à luz Sara com seus noventa anos? (Gênesis 17:17)

Riu-se, pois, Sara no seu íntimo, dizendo consigo mesma: Depois de velha, e velho também o meu senhor, terei ainda prazer? (Gênesis 18:12)

Humanamente falando, um filho estava fora de questão, tanto para Abraão quanto para Sara. A risada de ambos, creio, foi uma combinação de surpresa, choque, exultação e incredulidade. Como isso poderia suceder? Todavia, mesmo num momento tão estranho, Sara pensou em seu marido com respeito3. Ficamos nos perguntando se a risada de Sara não foi ouvida fora da tenda. O Onisciente teria percebido, mas isso não seria necessário.

Observe que a suave repreensão foi dirigida, inicialmente, a Abraão não a Sara: “Disse o SENHOR a Abraão: Por que se riu Sara…” (Gênesis 18:13).

Será que Abraão, deliberadamente, tinha escondido dela a promessa de Deus? Será que sua fé era tão fraca que ele não podia nem convencer a esposa? De alguma forma ele teve de prestar contas pela reação de Sara. O mais interessante é que a reação dela espelhava a reação dele. Ele deu a ela o exemplo.

As palavras ditas pelo Senhor soam tão fortes para os cristãos da nossa época quanto soaram para Abraão: “Acaso, para o SENHOR há coisa demasiadamente difícil?” (Gênesis 18:14a).

Eis uma questão fundamental. A única razão para tal desconfiança é não conseguir entender a extensão da capacidade de Deus de operar em nós e por meio de nós.

O outro lado da moeda é: se a questão de ter um filho não fosse impossível, a glória de tal milagre não seria dada a Deus. A demora no nascimento de Isaque foi intencionada tanto para tornar necessária a fé de Abraão e Sara, quanto para nutri-la.

Além de tranquilizar Abraão e (talvez) informar Sara sobre o nascimento do filho prometido, as palavras do Senhor nos versículos 10 e 14 serviram para confirmar a identidade do terceiro visitante como o próprio Senhor. No capítulo 17, Deus tinha prometido um filho a Abraão, por meio de Sara, falando na primeira pessoa (17:15-16, 19, 21). No capítulo 18, a promessa também é confirmada na primeira pessoa (versículos 10 e 14). Além disso, aquele “visitante” foi capaz de saber os pensamentos íntimos de Sara quando ela se riu dentro da tenda (versículo 13). Naquele momento, não restaram mais dúvidas acerca da identidade daquela Pessoa e de Seus companheiros de viagem.

Sara parece ter saído da tenda quando Abraão foi questionado a respeito da sua desconfiança. Temendo, ela negou ter rido consigo mesma. Curiosamente, ela não negou os pensamentos denunciados pelo Senhor. Sua negação foi logo tachada como falsa.

O Propósito de Deus Confiado a Abraão (18:16-21)

A hospitalidade de Abraão foi um ato magnífico de generosidade cristã, mas não foi (em minha opinião) a mais elevada expressão de serviço cristão neste capítulo. O ponto alto da sua vida espiritual se encontra na intercessão junto ao Senhor pela vida dos justos de Sodoma.

Algumas pessoas podem concluir que a preservação dos justos foi resultado da oração fervorosa de Abraão. Não penso assim, por mais nobre que tenham sido seus esforços. Creio que Deus propositadamente revelou Sua intenção de julgar aquelas cidades a fim de Abraão poder interceder por elas. Creio que a narrativa irá sustentar minha posição.

O Senhor e os dois anjos seguiram para Sodoma, escoltados em parte do caminho por Abraão. Parece que o Senhor havia se voltado para os dois anjos quando perguntou, quase de forma retórica:

Ocultarei a Abraão o que estou para fazer, visto que Abraão certamente virá a ser uma grande e poderosa nação, e nele serão benditas todas as nações da terra? Porque eu o escolhi para que ordene a seus filhos e a sua casa depois dele, a fim de que guardem o caminho do SENHOR e pratiquem a justiça e o juízo; para que o SENHOR faça vir sobre Abraão o que tem falado a seu respeito. (Gênesis 17:17b-19)

A intimidade da relação entre Deus e Abraão serviu como motivação para a revelação de Deus sobre os propósitos relacionados à Sodoma. Além disso, a base desse relacionamento encontrava-se na aliança abraâmica. No versículo 19 é acentuada a necessidade da fé professada por Abraão ser mantida e transmitida por seus descendentes4. Embora os propósitos de Deus sejam realizados, Seu povo é responsável por guardar Seus mandamentos.

Em contraposição à fidelidade dos descendentes de Abraão está a perversidade de Sodoma e Gomorra.

Disse mais o SENHOR: Com efeito, o clamor de Sodoma e Gomorra tem-se multiplicado, e o seu pecado se tem agravado muito. Descerei e verei se, de fato, o que têm praticado corresponde a esse clamor que é vindo até mim; e, se assim não é, sabê-lo-ei. (Gênesis 18:20-21)

Os versículos 20 e 21 retratam de forma dramática o pecado de Sodoma e a justa reação de um Deus santo. O pecado da cidade é tão grande que praticamente clama aos céus por retribuição (versículo 20). O interesse pessoal e a atenção de Deus são descritos como “descer”5 para tratar do assunto. Isso não significa que o texto esteja diminuindo a onisciência de Deus, pois Ele sabe de todas as coisas. Deus não está “descendo” para saber dos fatos, mas para cuidar pessoalmente deles e corrigir o problema. Foi assim que Abraão compreendeu que Deus ia destruir a cidade, embora isso não seja afirmado de modo específico.

Abraão Intercede junto a Deus por Sodoma (18:22-33)

Os dois anjos foram para Sodoma e deixaram nosso Senhor e Abraão a sós observando a cidade do alto (cf. 19:27,28). Mesmo falando com reverência, Abraão manifestou diante de Deus uma ousadia sem precedentes.

E, aproximando-se a ele, disse: Destruirás o justo com o ímpio? Se houver, porventura, cinquenta justos na cidade, destruirás ainda assim e não pouparás o lugar por amor dos cinquenta justos que nela se encontram? Longe de ti o fazeres tal coisa, matares o justo com o ímpio, como se o justo fosse igual ao ímpio; longe de ti. Não fará justiça o Juiz de toda a terra? (Gênesis 18:23-25)

Sem dúvida, a principal preocupação de Abraão era com Ló e sua família. Embora isso não esteja expresso, está implícito (19:27-29). Seu apelo tinha como base a justiça de Deus. A justiça não iria permitir que o justo sofresse o castigo devido ao ímpio (versículo 25). Abraão apelou para Deus poupar Sodoma a fim de poupar Ló6, não tanto para salvar a cidade ou os ímpios. Todavia, é possível que ele tivesse a esperança de que Ló fosse poupado junto com os ímpios a fim de que estes pudessem chegar à fé em Deus no devido tempo.

É preciso reconhecer que Abraão forçou um pouco a barra, mas não creio que tenha sido por isso que Deus garantiu a ele a concessão do seu pedido.

O fundamento da abordagem de Abraão era que Deus certamente, em justiça, não poderia tratar o justo e o ímpio de igual forma. O justo não merecia perecer junto com o ímpio. Por isso, o pedido feito foi para poupar o ímpio e o justo, caso fosse encontrado um número suficiente de justos. Aceito o pedido, teve início a barganha sobre quantos justos seriam necessários para salvar a cidade.

Deus concordou em poupar a cidade caso 50 justos fossem encontrados (versículo 26). Abraão deve ter desconfiado que tal número não pudesse ser alcançado, por isso, começou a pleitear uma quantidade menor.

Disse mais Abraão: Eis que me atrevo a falar ao Senhor, eu que sou pó e cinza. Na hipótese de faltarem cinco para cinquenta justos, destruirás por isso toda a cidade? Ele respondeu: Não a destruirei se eu achar ali quarenta e cinco. (Gênesis 18:27-28)

Abraão foi muito eloquente nestes versículos. Ele tinha recebido uma promessa acerca de 50 justos. A questão agora era se esse número era fixo ou não. Ele fez o teste diminuindo cinco dos cinquenta. Repare que ele apresentou o caso de tal forma que a destruição da cidade com 45 justos condenaria todos eles pela ausência de cinco cidadãos justos. Pela falta de cinco, quarenta e cinco seriam destruídos. Deus atendeu seu pedido, mas não devido à habilidade oratória de Abraão.

A partir dali, Abraão sentiu-se encorajado a tentar reduzir ainda mais o número mínimo de justos necessários para poupar Sodoma. Primeiro foram 40, depois 30, depois 20 e, finalmente, 10. Nesse ponto, quase soltamos um suspiro de alívio, temendo que Deus perca a paciência com ele. Pessoalmente, creio que o coração de Deus ficou enternecido com a compaixão e o cuidado demonstrados por Abraão. Aquela não era uma petição egoísta, mas uma intercessão por outras pessoas.

Por que, então, Abraão parou em dez? Por que não continuou até cinco, ou até mesmo um? Alguns pensam que ele não ousou pressionar Deus ainda mais. Pode ser, mas não creio que ele teria parado se não tivesse certeza de que Ló e sua família estavam a salvo da ira de Deus.

O número dez devia proteger Ló com alguma margem de segurança. Afinal de contas, pelo visto, só a família dele já era grande o suficiente para atingir esse número. Ló e sua esposa, duas filhas solteiras, suas filhas casadas e seus maridos e, quem sabe, algum filho (cf. Gênesis 19:12); dez justos certamente podiam ser encontrados. Abraão parecia satisfeito, e talvez outras pessoas também tivessem chegado à fé pelo testemunho de Ló.

No entanto, como somos informados no capítulo 19, as esperanças de Abraão eram maiores que a realidade. Isso seria uma tragédia, não fosse uma grande verdade divina: a graça de Deus sempre excede as nossas expectativas. Numa análise final, só havia três justos em Sodoma: Ló e suas duas filhas. Alguns podem questionar a retidão das filhas de Ló, devido ao seu comportamento no capítulo seguinte. Ainda assim, Deus lembrou-se do pedido de Abraão. Embora não tenha poupado a cidade de Sodoma, Deus poupou os justos. Ele é capaz e Se dispõe a fazer muito mais do que pedimos ou pensamos, como ensinam as Escrituras (cf. Efésios 3:20).

Conclusão

Esta passagem nos dá uma visão melhor da questão da maturidade cristã. Examinando mais uma vez estes versículos, muitos sinais de maturidade parecem emergir do texto.

(1) O cristão maduro se torna menos dependente das manifestações espetaculares de Deus e mais envolvido em íntima comunhão diária com Ele. Anteriormente, Deus tinha Se revelado a Abraão com mais esplendor e glória. Desta vez Deus não teria sido reconhecido não fosse o prévio conhecimento sobre Ele e os olhos da fé. Deus foi reconhecido pelas Suas promessas, pela Sua palavra, não por uma presença espetacular ou cheia de esplendor.

Será que pode haver comunhão mais íntima do que partilhar uma refeição com Deus?

Chegada a hora, pôs-se Jesus à mesa, e com ele os apóstolos. E disse-lhes: Tenho desejado ansiosamente comer convosco esta Páscoa, antes do meu sofrimento.  (Lucas 22:14-15).

E aconteceu que, quando estavam à mesa, tomando ele o pão, abençoou-o e, tendo-o partido, lhes deu; então, se lhes abriram os olhos, e o reconheceram; mas ele desapareceu da presença deles. (Lucas 24:30-31)

Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele, comigo. (Apocalipse 3:20)

Não é admirável que um dos pontos altos da semana do cristão seja a comunhão com o Senhor à Sua mesa? (1 Coríntios 11:23-26). Nem sempre devemos buscar a Deus de forma espetacular, mas sim nas coisas mais rotineiras da vida (1 Reis 19:11-14). Isso é sinal de maturidade.

Creio que um casamento ilustra bem este ponto. Quando encontramos “a mulher dos nossos sonhos”, queremos levá-la ao melhor restaurante ou fazer alguma coisa empolgante. Mais cedo ou mais tarde descobrimos que sentimos o mesmo prazer andando de mãos dadas no parque ou sentados na varanda. A emoção não está no lugar ou na atividade, mas na intimidade compartilhada por duas pessoas que se amam em tudo o que fazem. Com a maturidade cristã é a mesma coisa.

(2) A maturidade cristã desloca a nossa atenção de nós mesmos para os outros. Ló era alguém que estava sempre pensando em si mesmo. Os melhores momentos de Abraão neste capítulo são empregados em servir aos outros: primeiro na hospitalidade oferecida àqueles “estranhos”, depois na intercessão por Sodoma. O amor de Deus deve ser refletido na preocupação com os outros (cf. Mateus 23:37-39).

(3) A maturidade cristã equilibra atividade e passividade. Anteriormente neste estudo de Gênesis, havíamos falado sobre o problema de quando agir e quando esperar. Há tempo para ser ativo e há tempo para ser passivo. Abraão não deveria ter ido ao Egito quando a fome chegou a Canaã. Abraão não deveria ter armado um plano para proteger sua vida com uma mentira. Abraão foi passivo quando concordou com o plano de Sara para ter um filho.

Nos versículos 1 a 8, Abraão foi ativo, oferecendo hospitalidade a três estranhos, e agiu certo. Aquela era uma coisa que ele podia e devia fazer. Quanto a Sodoma, algumas pessoas teriam a tendência de serem passivas. Deus já tinha falado; a cidade ia ser destruída; o que Abraão podia fazer? Ele podia fazer o que eu e você podemos fazer quando não há mais nada a fazer — orar. Nada está além da capacidade de realização de Deus (18:14). Se Abraão fez sua súplica de acordo com a vontade e o caráter de Deus, nada poderia ser impossível. Quando alguma situação está fora do nosso controle, não está fora do controle de Deus. Cristãos maduros são aqueles que não deixam de suplicar a Deus mesmo quando as coisas parecem sombrias.

Isso, naturalmente, não quer dizer que devemos orar apenas em situações impossíveis. Devemos orar sempre. No entanto, cristãos maduros oram na confiança de que Deus irá agir de acordo com Seu caráter, e com poder infinito, e em resposta às nossas petições. Quando somos impotentes, não ficamos desesperados, pois muito pode, por sua eficácia, a súplica do justo (cf. Tiago 5:16).

(4) Cristãos maduros veem as profecias como incentivo para orar e servir com diligência, não como questão de mera curiosidade intelectual. Hoje em dia é muito comum cristãos ficarem fascinados por profecias como se isso fosse uma questão mais para agradar o intelecto do que para tocar o coração. Os propósitos proféticos de Deus são dados para fazer os homens agir. Esta é a resposta do cristão maduro (cf. Daniel 9; 2 Pedro 3:11-12).

(5) Cristãos maduros têm clara compreensão destas duas verdades eternas: a grandeza de Deus e a bondade de Deus. Estas verdades são o embasamento do capítulo 18 de Gênesis. A primeira se encontra na pergunta de nosso Senhor no versículo 14: “Acaso, para o SENHOR há coisa demasiadamente difícil”? A segunda é base da intercessão de Abraão no versículo 25: “Não fará justiça o Juiz de toda a terra”?

A primeira verdade reprova toda preocupação e falta de oração, pois “para Deus não haverá impossíveis” (Lucas 1:37). Toda vez que nos preocupamos com o futuro, deixamos de lado a verdade de que Deus é todo-poderoso.

A segunda verdade provê uma resposta para os problemas mais angustiantes e desconcertantes da vida. O Deus que é todo-poderoso também é amoroso, bondoso, justo, misericordioso, e assim por diante. Poder infinito age em conjunto com pureza infinita.

Nosso primeiro filho, e único menino, morreu com apenas três meses e meio de idade. Muitos anos depois, quando eu estava no seminário, durante uma aula surgiu a pergunta sobre o que acontece com quem morre ainda na infância. Diversas passagens da Bíblia foram sugeridas, mas alguns acharam que elas não eram suficientes. Finalmente, compartilhei a segurança que encontramos quando perdemos nosso garotinho. Embora fosse reconfortante termos as Escrituras para nos consolar, não precisávamos de textos específicos para responder às nossas perguntas. Deus é infinitamente maior do que é revelado sobre Ele nas Escrituras. O Juiz de toda a terra fará justiça. Essa era a nossa confiança. Você já perdeu alguém querido sobre cuja salvação não tinha certeza? Existem problemas e situações que você não consegue entender? Então, descanse nisto: nosso Deus é todo-poderoso; nada é impossível para Ele. Além disso, esse poder é sempre empregado com justiça, verdade, misericórdia e amor. Que consolo! Que incentivo para orar!

(6) Finalmente, a maturidade cristã é demonstrada quando nossos pensamentos são parecidos com os pensamentos de Deus. Abraão não mudou a opinião de Deus; ele a demonstrou. Deus não alterou repentinamente Seus propósitos; Ele os informou a Abraão para Abraão poder evidenciar a Sua misericórdia e justiça e compaixão. A revelação do que Deus ia fazer com Sodoma e Gomorra foi dada para que a fé de Abraão pudesse ser manifestada em um magnífico ato de intercessão. Devido ao grande conhecimento de Abraão sobre Deus, ele sabia que Deus não poderia destruir o ímpio com o justo. Maturidade é aquele ponto onde nossos pensamentos e ações se tornam mais parecidos com os de Deus.

… até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo (Efésios 4:13)

A fim de não começarmos a nos sentir culpados diante da percepção de que não estamos no mesmo patamar de Abraão, e muito menos de nosso Senhor, devemos nos lembrar de que o processo de maturidade leva muitos anos. É preciso ter em mente que Abraão em breve cometeria outro erro muito grave (capítulo 20). No entanto, sigamos em frente, na força de Deus, rumo à maturidade.

Tradução: Mariza Regina de Souza


1 “O pão do oriente é sempre preparado imediatamente antes de ser comido. Por isso, Sara teve de ir prepará-lo para aqueles convidados. Embora os visitantes fossem apenas três, a comida simples oferecida seria servida em grande abundância. “Três medidas” foram calculadas para fazer nove galões (Skinner). O que sobrou podia ser facilmente consumido pelos servos de um estabelecimento tão grande quanto o de Abraão”. H. C. Leupold, Exposição de Gênesis (Gran Rapids: Baker Book house, 1942), I, p. 538.

2 “A expressão idiomática ‘stand by’ (‘madh’al) implica em ficar à disposição para servir e pode até ser traduzida como ‘e eles os serviu’. Cf. 1 Samuel 16:22; 1 Reis 1:2; 1 Reis 17:1, na expressão ‘estar perante’”. Ibid, p. 539.

3 Cf. 1 Pedro 3:6

4 Cf. Salmo 132:11, 12

5 A primeira coisa que devemos entender é que a tenda de Abraão estava armada num lugar alto com vista para o vale onde Sodoma e Gomorra estavam localizadas (cf. 19:27, 28). Foi nesse sentido que os dois anjos “desceram” para Sodoma e Gomorra. No entanto, não creio que aqui seja este o significado principal das palavras do Senhor: “Descerei e verei se, de fato, o que têm praticado corresponde a esse clamor que é vindo até mim; e, se assim não é, sabê-lo-ei” (Gênesis 18:21). Em primeiro lugar, só os dois anjos realmente entraram em Sodoma, não nosso Senhor (cf. 19:1 e ss). Além disso, não havia necessidade de Deus fazer uma inspeção pessoal na cidade a fim de conhecer os fatos. A onisciência de Deus não é limitada pela distância. A solução para esse problema se encontra (para minha satisfação) nos outros usos da expressão “descer”. Em Gênesis 11:5, 7 ela é usada no envolvimento de Deus com Babel e a confusão de linguas. Em Êxodo 3:8 fala da intervenção de Deus no Egito para libertar Seu povo. Em todos esses exemplos, “descer” transmite a ideia de “envolver-se pessoalmente” ou de “intervenção pessoal”. Foi isso o que Deus fez, sem entrar fisicamente em Sodoma, Babel ou no Egito.

6 Inicialmente, todas as cidades do vale iam ser destruídas (cf. 19:17, 20-21, 25). Deus falou a Abraão sobre o julgamento de Sodoma e Gomorra (18:20). No entanto, Abraão suplicou apenas por Sodoma, “a cidade” (18:24, 26, 28).

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