Durante séculos, os descendentes de Abraão haviam antecipado a posse da terra que Deus prometera ao Patriarca aquando da Aliança Abraâmica, mais tarde reiterada a Isaac e Jacob. O livro de Josué é a fascinante história do cumprimento dessa promessa. É a história da fidelidade de Deus e de como, mediante fé nas Suas promessas, o povo de Deus pode ultrapassar desafios e experienciar a Sua salvação, com potencial para mudar a vida. A mensagem de Josué tem a capacidade de encorajar e de exercer um impacto maravilhoso na vida de uma pessoa. De modo a que tal ocorra, porém, necessitamos de seriedade no que concerne ao nosso estudo das Escrituras. Para aqueles que desejam que a mensagem de Josué influencie as suas vidas de uma maneira positiva para Deus, as quatro palavras seguintes são providenciadas como alimento para o pensamento:
(1) Sede: O salmista escreveu “Como o cervo brama pelas correntes das águas, assim suspira a minha alma por ti, ó Deus! Quando entrarei e me apresentarei ante a face de Deus?” (Salmo 42:1-2, Versão Almeida, revista e actualizada). Infelizmente, os homens procuram com demasiada frequência preencher o vazio nas suas almas recorrendo a coisas que nunca satisfazem verdadeiramente. Todos fomos criados com um vazio que apenas o próprio Deus consegue satisfazer. O salmista reconheceu isso e, depois da analogia do cervo ansiando por água, falou da sede na sua alma, que só Deus poderia extinguir. Mas logo surgiu a questão “Quando entrarei e me apresentarei ante a face de Deus?”. Um local e momento em que poderemos fazer tal coisa são aquando do nosso estudo bíblico. O estudo da Bíblia mais eficaz ocorre quando somos levados a estudar por termos sede de conhecer a Deus. Possa isso mesmo ter lugar enquanto estudamos o livro de Josué.
(2) Labuta: Na nossa sociedade de comidas rápidas, orientada para os centros comerciais, onde esperamos que tudo seja rápido e fácil, demasiado frequentemente abordamos o nosso estudo da Bíblia de modo semelhante. Um estudo bíblico eficaz constitui trabalho duro, requerendo diligência, à semelhança de qualquer outra circunstância que valha a pena e na qual desejemos alcançar muito. “Procura apresentar-te a Deus, aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade” (2 Tim. 2:15).
(3) Tempo: É-nos possível aquecer durante um minuto uma chávena de água no microondas, à qual misturamos rapidamente uma colher de chá do nosso café instantâneo favorito, obtendo assim algo quente para beber. Contudo, as maiores bênçãos provêm usualmente de meditarmos, lermos e passarmos tempo com o precioso livro de Deus.
(4) Disposição para aprender: Novamente, num mundo tão cheio de ideias humanas, teologias, ideologias e filosofias, alcançaremos mais quando nos aproximarmos das Escrituras com um espírito disposto a aprender, pedindo a Deus que nos ensine a Sua verdade, pois apenas esta nos santifica e liberta (João 17:17; 8:32).
À medida que for lendo este estudo, esperançosamente com a sua Bíblia na mão, mantenha estas quatro palavras na sua mente e coração.
O livro de Josué descreve a conquista e posse da terra de Canaã, podendo ser dividido em três partes simples: (1) invasão ou entrada, (2) conquista, e (3) posse ou divisão da terra. Esta era a terra que Deus prometera a Israel através de Abraão, Isaac e Jacob. Aqui, Deus cumpriu essa promessa, embora não exaustivamente, pois permanece ainda um repouso para o povo de Deus (Heb. 4). Josué descreve o triunfo militar do povo de Deus através da fé e da obediência. Porém, ao contrário da maioria das histórias militares, o livro de Josué foca-se no Comandante dos comandantes, o Capitão dos exércitos do Senhor (5:15). Repetidamente, tal como ilustra o nome Josué (Javé salva), o livro demonstra que as vitórias de Israel se deveram ao poder e intervenção de Deus.
Em Génesis, Israel nasceu como uma nação no chamamento e promessas de Deus a Abraão (Eleição da nação).
Em Êxodo, a nação foi resgatada da servidão no Egipto, atravessou o Mar Vermelho e recebeu a Santa Lei de Deus (Redenção da nação).
Em Levítico, a nação foi ensinada a adorar de acordo com a santidade de Deus (Santificação da nação).
Em Números, foram testados e numerados como uma nação (Direcção e Deambulação da nação).
Em Deuteronómio, a lei foi revista, reiterada e encerrada com a garantia de que Israel possuiria a terra (Instrução da nação).
In Josué, a nação atravessou o Jordão e tomou posse da terra (Posse pela nação). Se Moisés é o símbolo da salvação, então Josué é o símbolo da vitória. Josué ensina-nos que a fé “é a vitória que vence o mundo” (1 João 5:4).
Josué 1:3 “Todo o lugar que pisar a planta do vosso pé vo-lo tenho dado, como eu disse a Moisés”
Josué 1:3 é comparável a Efésios 1:3 no Novo Testamento, “… nos abençoou com todas as bênçãos espirituais, nos lugares celestiais, em Cristo.” Literalmente, “nos lugares celestiais”; isto é, na posse de um legado e de experiências celestiais às quais o Cristão é trazido graças à sua associação com Cristo erguido.1
O conceito-chave do livro de Josué é a possessão através do conflito graças ao poder de Javé, o Capitão dos exércitos do Senhor. Neste aspecto, é também semelhante a Efésios pois, ainda que sejamos abençoados com todas as bênçãos espirituais em Cristo, temos de enfrentar realisticamente os nossos inimigos (Efésios 6:12), fortalecendo-nos ao vestirmos a armadura completa de Deus (Efésios 6:10-11, 13-18). É importante compreender que a propriedade de Israel sobre a terra era incondicional sob a Aliança Abraâmica, mas a sua posse estava condicionada pela fé e obediência. Da mesma forma, actualmente o conflito e a conquista pela fé são acompanhados por nos apropriarmos daquilo que temos em Cristo; a experiência das nossas bênçãos em Cristo advém da fé no meio do conflito.
Como mencionado, Josué é a história da conquista de Israel sobre a terra de Canaã, em cumprimento das promessas de Deus concernentes ao povo de Israel. Após 400 anos de escravidão no Egipto e 40 anos no deserto, os Israelitas encontram-se finalmente preparados para entrar na Terra Prometida. Abraão, peregrino e estrangeiro durante toda a sua vida, nunca tomou realmente posse do país para o qual fora enviado. O único local da terra que chegou a possuir, a cova e o campo de Macpela (Gén. 23), foi comprado por si mesmo, de modo a servir de sepultura para Sara e a sua família. Contudo, Abraão deixou aos seus descendentes físicos e espirituais o legado das promessas da aliança de Deus, que fariam deles os herdeiros eventuais de toda a terra de Canaã e das bênçãos espirituais que temos em Cristo, incluindo uma cidade celestial (veja Gén. 15:13,16,18; 17:8; Rom. 4:12-14; Heb. 11:11; 4:1-11). No livro de Josué, essa promessa longamente antecipada torna-se realidade.
O objectivo primário do livro de Josué é mostrar a fidelidade de Deus relativamente às Suas promessas; que Ele fez por Israel exactamente o que prometera (compare Gén15:18 com Josué 1:2-6 e 21:43-45). Os eventos registados em Josué foram seleccionados de modo a colocarem em destaque a intervenção especial de Deus em favor do Seu povo contra todos os tipos de probabilidades formidáveis. O cumprimento das promessas de Deus, como se torna tão evidente no nascimento de Isaac a Abraão e Sara e na possessão da terra com as suas cidades fortificadas, é obra de Deus, estando para lá do que o homem consegue fazer independentemente de quanto se esforce (veja Rom. 4).
O objectivo secundário é mostrar que, da mesma forma que Deus os retirara do Egipto mediante fé no Seu poder, também os conduziria à posse da terra pela fé no poder de Deus. Declara enfaticamente a verdade de que, embora justificados pela fé, como Abraão, ou salvos da escravidão, como Israel fora do Egipto, a vitória sobre os inimigos da vida, que se opõem à nossa caminhada com Deus, deverá provir também da fé no poder de Deus (Josué1:5-7; 3:7, compare também com Heb. 4:1-3). Josué, portanto, estabelece um contraste com Números, livro no qual observamos o fracasso de Israel por causa da descrença, vagueando no deserto embora fosse o povo remido de Deus.
Ao contrário dos cinco primeiros livros do Antigo Testamento, este livro vai buscar o seu nome à principal personalidade humana da história, Josué, filho de Nun, servo de Moisés. Embora Josué não seja explicitamente identificado como o autor, o conteúdo geral do livro indica que o mesmo seria uma testemunha da maioria dos eventos, descritos com grande vividez e minúcia, ocasionalmente na primeira pessoa (“nós” e “nos”, por exemplo, em 5:1, 6). Outros factores apoiam Josué como autor: (1) a tradição judaica, como o Talmude (Baba Bathra 14b) nomeia Josué como autor do Livro; (2) parece evidente que o livro foi escrito pouco tempo depois de os eventos terem lugar (compare com 6:25); (3) a unidade do estilo também sugere que um autor redigiu a maior parte do trabalho, embora algumas porções tenham obviamente necessitado de ser escritas por outros, como Eleazar, o sacerdote, ou Finéas, seu filho (note a terceira pessoa “ele” aplicada a Josué em 15:13-17; veja também 24:29-31); (4) finalmente, é declarado especificamente em 8:32 e 24:26 que Josué realizou algum trabalho de escrita. As evidências, portanto, suportam a ideia de Josué como autor do livro.
Porém, por que retira este livro o nome do autor, contrariamente aos cinco primeiros livros de Moisés? Em primeiro lugar porque, enquanto sucessor do grande legislador e líder Moisés, Josué poderia facilmente ser esquecido, e o Senhor não queria que olvidássemos este homem e o seu ministério como líder fiel e servo do Senhor. Adicionalmente, Josué constitui um tipo especial de Cristo. Tal é visto no seu nome 2 e na obra que realizou ao introduzir o povo na terra, uma imagem do “repouso sabático” em Cristo (Heb. 4). Este é o homem que desafiou o povo no final do livro, dizendo
“Agora, pois, temei ao Senhor, e servi-o, com sinceridade e com verdade: e deitai fora os deuses, aos quais serviram os vossos pais, dalém do rio e no Egipto, e servi ao Senhor. Porém, se vos parece mal aos vossos olhos servir ao Senhor, escolhei hoje a quem sirvais: se os deuses a quem serviram os vossos pais, que estavam dalém do rio, ou os deuses dos amorreus, em cuja terra habitais: porém, eu e a minha casa serviremos ao Senhor” (Josué 24:14-15).
Uma segunda razão para que este livro se chame Josué encontra-se no significado do seu nome. O nome original de Josué era Hosea (Núm. 13:8; Deut. 32:44), significando literalmente “salvação”. Porém, durante as deambulações no deserto, Moisés alterou o nome para Yehoshua, significando “Javé é salvação” ou “Salva, Javé” (Núm. 13:16). Josué é a forma abreviada de Yehoshua. Isto constituiu uma antecipação profética e recordação para Josué, os espiões e o povo de que a vitória sobre os inimigos e a posse da terra aconteceriam graças ao poder de Javé, e não mediante as habilidades, sabedoria ou poder humanos. Este livro recebeu o nome Josué uma vez que, embora Josué tenha sido um dos maiores estrategistas militares da história mundial, a sua sabedoria e feitos militares provieram de Javé, que sozinho É a nossa salvação. Foi o próprio Javé que concedeu a vitória a Israel e derrotou os seus inimigos, dando ao povo o domínio da terra.
De modo significante, a versão grega deste nome é “Jesus”, o nome que Maria foi instruída a dar ao seu filho, pois seria Ele quem poderia salvar o povo dos seus pecados (Mat. 1:21).
(1) Canaã era o local de repouso de Israel: Em vez da labuta no Egipto e das deambulações pelo deserto, Israel estava preparado para assentar e encontrar um lar em Canaã, onde deveria funcionar como povo de Deus e luz para as nações. Possuir e subjugar a terra repleta de inimigos conduziria a tal repouso e comunhão com o Senhor (compare com Deut. 6:10-11 e Lev. 26:6-8).
(2) Canaã era o local de recompensa: Esta era uma terra de onde fluíam “leite e mel”, uma “terra boa e larga” (Êx. 3:8, 17; 13:5; 33:3; Lev. 20:24; Núm. 13:27, etc.). É descrita cerca de 16 vezes como uma “terra que mana leite e mel”. Era uma terra de frutos extraordinários (Núm. 13:26,27), uma terra de milho e de vinho, beijada pelo orvalho do Céu (Deut. 33:28; Lev. 26:5; Deut. 11:10-12).
(3) Canaã era um local de trinfo: Encontravam-se em Canaã inimigos e forças muito mais poderosas do que Israel, mas ainda assim tais inimigos constituíam um adversário derrotado sem que Israel tivesse de desferir um só golpe. Porquê? Porque a vitória de Israel não dependia da sua própria habilidade ou poder, mas sim do poder e força de Javé, seu Deus (Deut 7:2; 9:3; Josué 1:2 ss). A batalha é sempre do Senhor (1 Sam. 17:47).
Como pode constatar pelo que foi exposto anteriormente, Josué é um livro rico em imagens para o crente de hoje em dia. É abundante em analogias, o que é apoiado por Hebreus 3:7-4:12 e 1 Coríntios 10:6, 11. O livro de Josué retrata a vida centrada na fé do fiel actual, que experiencia as bênçãos da sua salvação mediante uma fé que ultrapassa diversas provações, tentações e dificuldades da vida que ele ou ela enfrenta da parte dos nossos três inimigos – o mundo, a carne e o diabo. Repare em algumas dessas analogias:
(1) Embora seja suposto apropriarmo-nos da nossa salvação e colocá-la em prática (disciplinando-nos na piedade), em Cristo não trabalhamos para a nossa salvação ou espiritualidade, mas devemos repousar pela fé naquilo que Deus fez por nós. Estar em Cristo constitui o nosso lugar de repouso, formando a base para descansar dos inimigos nesta vida, antecipando um descanso milenar e eterno.
(2) Em Cristo somos abençoados com toda a bênção espiritual. Esta é a nossa recompensa (Efésios 1:3).
(3) No mundo enfrentamos inimigos e lutas, mas é-nos prometida a vitória em Cristo mediante fé e perseverança.
(4) Josué, o líder do povo de Israel, é um tipo de Cristo, o “Príncipe da salvação” (compare com Heb. 2:10-11; Rom. 8:37; 2 Cor. 1:10; 2:14).
(5) A travessia do Jordão é uma imagem do Cristão contando com a morte e ressurreição em Cristo e movendo-se até ao local de crescimento e vitória.
(6) As conquistas de Canaã retratam os conflitos do Cristão contra os inimigos mundo, carne e diabo. (a) A tomada de Jericó representa a vitória sobre o sistema satânico mundial, fortificado contra o nosso progresso espiritual. (b) A derrota e posterior vitória em Ai ilustra a nossa luta e libertação da natureza pecaminosa, bem como a nossa propensão para pecar ou para procurar viver a vida Cristã através da nossa própria força. (c) O engano e experiência com os Gibeonitas ilustram certamente a nossa batalha contra Satanás e suas ilusões demoníacas.
Vez após vez, a Palavra de Deus confronta-nos com a necessidade da salvação que apenas pode provir de Deus. Deparamo-nos com a urgência absoluta de recebermos a vida salvadora de Cristo. Cristo é a única vida que salva. Sem a Sua morte, que nos conferiu uma reputação justificada perante Deus, e sem Ele e a Sua vida interior, tudo o que alcançaríamos seria o homem a trabalhar a partir da fonte da sua própria fraqueza ou temperamento, tentando ser o Senhor Simpático, esforçando-se por se adaptar a algum padrão religioso ou cultural. Tal não se enquadra no Cristianismo genuíno. Não passa de uma contrafacção, uma distorção e um engano. É um truque de Satanás, desenhado no sentido de afastar as pessoas da solução que Deus providenciou através de Cristo e da luz da Sua Palavra oficial, a Bíblia.
Satanás deseja cegar-nos para a “luz do evangelho da glória de Cristo, que é a imagem de Deus” (2 Cor. 4:4). O que é o evangelho da glória de Cristo? É a sua vida salvadora, o facto de o homem ser salvo e resgatado de si mesmo através da vida gloriosa e obra de Jesus Cristo, que é a própria imagem de Deus.
Não é suposto sermos a fonte do nosso Cristianismo. A sua fonte é Cristo. Não deveremos nunca controlar o nosso Cristianismo, mas o Cristianismo e tudo o que é nosso através de Cristo deverá controlar-nos. Não é suposto tentarmos reproduzir em nós a imagem de Deus. Em lugar disso, o Cristianismo consiste em Deus reproduzindo-Se em nós mediante o Seu Filho, Jesus Cristo, graças ao poder do Espírito.
Neste estudo, apresentaremos verdades espirituais básicas ou princípios retirados do texto de Josué, mas procuraremos também ilustrar diversas comparações ou analogias para a vida Cristã. A justificação para fazermos isto encontra-se em passagens como Lucas 24:27, “E, começando por Moisés, e por todos os profetas, explicava-lhes o que dele se achava em todas as Escrituras”, e 1 Coríntios 10:4, 6, 11.
Versículo 4. “E beberam todos de uma mesma bebida espiritual, porque bebiam da pedra espiritual que os seguia; e a pedra era Cristo.” A pedra dava testemunho da presença e obra de Deus.
Versículo 6. “E estas coisas foram-nos feitas em figura, para que não cobicemos as coisas más, como eles cobiçaram.”
Versículo 11. “Ora tudo isto lhes sobreveio como figuras, e estão escritas para aviso nosso, para quem já são chegados os fins dos séculos.”
Estes versículos ensinam-nos que os acontecimentos mencionados no Antigo Testamento foram eventos históricos nos quais a obra redentora de Deus se manifestou na vida do Israel antigo. Contudo, também proporcionam princípios, imagens e ilustrações como avisos, ensinando verdades práticas e úteis para a vida do fiel em Cristo de hoje. Formam paralelismos fascinantes e instrutivos, bem como analogias para a vida do crente em Cristo, enquanto enfrenta um mundo contrário e hostil.
(1) O Egipto retrata o mundo com as suas ideias humanas, idolatria, misticismo e antagonismo relativamente à salvação, resgate e propósitos de Deus para o Seu povo.
(2) Estar no Egipto representa uma condição perdida, ser escravo de Satanás, o mundo e a carne.
(3) Sair do Egipto através do cordeiro Pascal e do Mar Vermelho ilustra a salvação conseguida pela morte de Jesus Cristo e pela poderosa força de Deus. Refere-se à redenção através da vida salvadora de Cristo.
(4) Um crente deslocando-se em direcção ao Egipto, como Abraão fez em Génesis 12:10, ilustra um fiel que se volta para o mundo e seus substitutos e soluções, em vez de se dirigir a Deus em busca de salvação.
(5) Israel no Deserto é um tipo de imagem relativa ao crente no domínio carnal. Encontra-se remido e abençoado com maravilhosos privilégios, mas ainda assim falha em prosseguir a sua vida com Deus e vive fora do lugar da bênção suprema, longe da vontade de Deus e em derrota constante, vagueando sem rumo por não conseguir confiar no Senhor e na salvação que Ele prometeu.
(6) Cruzar o Jordão e entrar em Canaã é uma analogia do fiel que toma posse do seu legado através da fé no poder e provisão de Deus. Retrata o crente em comunhão, confrontado com conflitos e inimigos, e ainda assim capaz de ser salvo ao depender do Senhor e ao caminhar pela fé nos princípios e promessas da Palavra.
(7) Os Cananeus na Terra retratam os inimigos do crente, que se levantam no intuito de se oporem a nós no nosso modo de viver Cristão, mas que, em simultâneo, constituem um adversário derrotado, conquanto tenhamos de nos apropriar da vitória providenciada por Deus, a vida redentora de Cristo. Alguns acreditam que Jericó pode ilustrar o mundo, Acan e Ai a carne ou a natureza pecaminosa, e os Gibeonitas os enganos de Satanás e do sistema mundano.
Em preparação para este estudo, deixo-lhe as seguintes sugestões:
Texto original de J. Hampton Keathley, III.
Tradução de C. Oliveira.
1 Charles Caldwell Ryrie, Ryrie Study Bible, Expanded Edition, Moody, p. 1877.
2 Josué é chamado pelo nome Jesus em Actos 7:45.
De várias formas, a preparação para a invasão e conflito diante de Josué e o povo começa neste capítulo. É significante notar que esta preparação, no capítulo 1, procede da comunicação de Deus. Primeiramente, Deus fala e comissiona Josué (1:1-5), incitando-o depois a ser forte e corajoso (1:6-9). Em seguimento das palavras de Deus, Josué dirige-se ao povo e dá-lhe instruções a fim de que se prepare para atravessar o Jordão no espaço de três dias (1:10-15). A isto segue-se a resposta do povo, cuja fonte recaía obviamente na Palavra de Deus (1:16-18). A revelação de Deus deve sempre ser seguida de uma resposta que tenha em conta a Sua Palavra inspirada.
1 E sucedeu, depois da morte de Moisés, servo do Senhor, que o Senhor falou a Josué, filho de Num, servo de Moisés, dizendo: 2 Moisés, meu servo, é morto. Levanta-te, pois, agora, passa este Jordão, tu e todo este povo, à terra que eu dou aos filhos de Israel. 3 Todo o lugar que pisar a planta do vosso pé vo-lo tenho dado, como eu disse a Moisés. 4 Desde o deserto e desde este Líbano, até ao grande rio, o rio Eufrates, toda a terra dos heteus, e até o grande mar, para o poente do sol, será o vosso termo. 5 Nenhum se susterá diante de ti, todos os dias da tua vida: como fui com Moisés, assim serei contigo: não te deixarei, nem te desampararei.
A vitória e possessão da terra que se seguem são o resultado directo da Palavra de Deus e de um homem, neste caso Josué, que escuta e responde à Sua Palavra. Tal deverá ilustrar que não existe qualquer vitória ou hipótese de experimentarmos as bênçãos da nossa nova vida em Cristo se nos apartarmos da Palavra de Deus. Logo que um crente começa a desviar-se da Palavra, por indiferença ou apatia motivadas por uma qualquer razão, está na verdade a desviar-se do Senhor e a dirigir-se à derrota.
A comissão de Josué dá-se apenas após a morte de Moisés (versículos 1-2). Isto é significante. A missão de Josué e a continuação dos propósitos de Deus quanto a introduzir Israel na terra prometida, por certas razões tipológicas, chegam somente depois do falecimento de Moisés. Porquê?
Moisés fora o grande legislador que representara a Lei do Sinai, aquela legislação fantástica que demonstra a santidade perfeita de Deus e a condição pecaminosa do homem, que se mantém separado de Deus (Rom. 3:23). Contudo, a Lei, embora santa e boa, jamais poderia dar vida ou espiritualidade, nem providenciar justificação. Era antes um ministério da morte, revelando o homem como pecador e sob o domínio do pecado (2 Cor. 3:7; Rom. 7:7; Gál. 3:19-22).
Moisés retratava a lei que não consegue conduzir-nos à vida abundante e salvadora de Cristo. Era apenas uma tutora, uma serva que cedo se retiraria (Gál. 3:23 ss). Embora apontasse para Cristo no tabernáculo, sacerdócio e sacrifícios, não conseguia remover o pecado ou providenciar a salvação a partir da carne. Porquê? Porque era fraca no aspecto em que dependia do homem e da sua habilidade (Rom. 8:3-4). A Lei conferia um padrão justo, mas não poder ou graça para a carne ou pecado interior (Rom. 6:14; 8:3 ss).
Assim, Moisés tinha de sair de cena antes de Josué poder ser comissionado e receber ordens no sentido de liderar o povo pelo Jordão e até à Terra Prometida. Uma razão adicional está patente no nome de Josué, que tão claramente nos lembra que "Yahweh É Salvação". Enquanto equivalente hebraico de "Jesus", Josué tipifica o Senhor Jesus e a Sua vida redentora, que não só nos proporciona redenção, mas também o poder de que necessitamos a fim de entrarmos na posse das nossas possessões em Cristo.
Com a menção da morte de Moisés, é dito a Josué "Levanta-te, pois, agora, passa este Jordão, tu e todo este povo". Em jeito de aplicação para os tempos de hoje, as palavras "Levanta-te, pois, agora" (com vista à morte de Moisés e ao que a mesma representava) ensinam-nos uma verdade: nenhum homem pode viver a vida cristã mantendo um conjunto de leis ou tabus. Embora a vida cristã envolva obediência aos princípios e imperativos da Palavra, é mais do que isso. É uma vida para ser vivida pela fé no poder de Deus. Não nos é simplesmente possível viver a vida cristã recorrendo à nossa própria energia ou determinação. Uma existência cristã não consiste somente em ser o Senhor Simpático ou em manter meramente um conjunto de princípios e regras cristãs. É uma relação fiel com Deus para ser vivida no poder do Espírito e à luz da Palavra.
Com as Palavras “levanta-te, passa este Jordão”, o Senhor está a dizer “sai do deserto e move-te para Canaã”. A vontade de Deus para o fiel nunca se encontra no deserto. Está antes em Canaã, o lugar da salvação e da conquista. “Levanta-te, passa” afirma, pelo paralelismo com a verdade do Novo Testamento, “pega na tua armadura, usa os teus recursos sobrenaturais, pára de confiar em ti mesmo, confia em mim e vai”.
“Tu e todo este povo” ilustra que a espiritualidade não se destina a apenas alguns eleitos, mas que está disponível para qualquer crente. A vida cristã abundante e madura é o plano de Deus para cada fiel. É apenas limitada pela nossa falta de disponibilidade face à sua disponibilidade constante para nós. Todo o crente é abençoado com toda a bênção espiritual, constituindo um sacerdote de Deus, com graça abundante disponível em qualquer situação. Devemos relembrar que todo o Israel saiu do Egipto da mesma maneira – graças à fé na graça de Deus –, e cruzaria o Jordão exactamente da mesma forma – pela fé na salvação de Deus.
As palavras “à terra que eu dou aos filhos de Israel” e, no versículo 3, “todo o lugar” ilustram a verdade de Efésios 1:3 e Colossenses 2:10. “Que eu dou” e “vo-lo tenho dado” mostram que Deus estava então a providenciar-lhes o que lhes pertencia desde há muito tempo. Josué 2:9-11 revela que a terra fora virtualmente deles por 40 anos. Estava meramente à espera de ser possuída. De modo semelhante, Deus concedeu a cada fiel toda a bênção espiritual e provisão desde o momento da salvação. Obviamente, tal como este livro deixa claro, ter um título de propriedade sobre a terra (ou sobre as nossas bênçãos em Cristo) não significa que as nossas vidas se mantenham sem provas, conflitos, lutas e pressões. De facto, terão todas essas coisas; mas, uma vez que a batalha é do Senhor e que Deus fez a maior parte por nós em Cristo, com as provações e tentações virá a salvação de Deus, pela fé e aplicação da Palavra.
No versículo 5, é feita a Josué a promessa “nenhum se susterá diante de ti”; porém, esta promessa é também um aviso. Embora a terra fosse deles, não seria tomada sem conflito ou batalha. De modo semelhante, tal como a terra de Canaã estava cheia de cidades fortificadas e de inimigos que precisavam de ser expulsos, também a vida cristã é uma existência de conflito contra inimigos que necessitam de ser vencidos. Não obstante o resultado estar assegurado caso reclamemos os recursos de Deus e a vida salvadora de Cristo, temos mesmo assim de batalhar e de lidar com a existência do inimigo durante esta vida. Este é um chamamento para despertarmos, uma realidade que necessita de ser enfrentada: a vida está cheia de batalhas e conflitos. Não estamos no Éden nem no reinado milenar de Cristo. Em vez disso, debatemo-nos com a carne (o pecado interior), com o demónio e poderes sobrenaturais da escuridão, bem como com um sistema mundial antagonista de Deus, da Sua Palavra e de uma conduta piedosa (compare com Rom. 7:15 ss; Gál. 5:16 ss; Efé. 5:15-16; 6:10 ss; 1 Ped. 5:8-9).
Ainda assim, o lado positivo é o de que estas palavras - “nenhum se susterá diante de ti” – são também uma promessa de salvação contínua, batalha após batalha. Graças à adequabilidade da vida salvadora de Cristo, através da obra que finalizou na cruz, da Sua presença triunfante à direita de Deus, da nossa identificação com Ele na Sua morte, ressurreição e assembleia no Céu, e mediante o dom do Espírito Santo, não existe inimigo que possamos enfrentar que o Senhor (o nosso Josué) não tenha já conquistado. A nossa necessidade centra-se em tomarmos posse daquilo que Ele já fez por nós, através da aplicação sábia e fiel da Sua Palavra.
Embora ainda activo e vagueando, o poder de Satanás foi quebrado e é-nos possível resistir aos seus enganos e ataques. Mesmo que o princípio do pecado ainda habite cá dentro ou que a carne esteja activa nos nossos membros, o seu poder sobre nós foi boicotado graças à nossa união com Cristo na Sua morte e ressurreição. Tal significa que a vitória de possuir as nossas possessões é conferida através do dom do Espírito Santo (Rom. 6 e 8) e do poder santificador de uma vida cheia da Palavra (João 17:17; Efé. 5:18; Col. 3:16).
Aplicação: Todos nós alimentamos o desejo de viver num mundo ideal, no qual a vida decorre suavemente, sem problemas ou stress. De facto, fomos criados para tal, e não há nada de errado em ansiar pelo tempo que chegará com a vinda do Senhor Jesus, nosso Josué. Mas as doutrinas da apostasia dos últimos dias, a natureza malvada desta era, bem como a presença dos nossos três inimigos, são recordações constantes de que jamais poderemos gozar da verdadeira paz mundial e duradoura sem o retorno do Senhor. Temos de enfrentar os factos e estar preparados para lidar com a vida da forma que esta realmente é. Em Cristo, somos superconquistadores e, através da Sua vida salvadora, podemos ultrapassar as batalhas individuais da vida, embora precisemos de estar preparados para militar a boa milícia.
Todos gostamos de nos mover sem nada que atrapalhe os nossos horários ou nos obrigue a sair da nossa zona de conforto. Assim que tentamos escapar da luta, Deus lança-nos de novo na realidade mediante alguma condição ou experiência desagradável, e deparamo-nos novamente com o mundo. Depois das férias, temos de voltar ao trabalho e lidar com aquele colega tão difícil de suportar. Estamos a ir bem quando, de repente, aparece uma ameaça à nossa saúde ou à da nossa esposa ou filho. Ou quiçá enfrentemos a morte de um ente-querido, que nos traz mágoa e solidão, bem como novas pressões e responsabilidades. Assim acontece na sua vida e na minha, mas as palavras “Nenhum se susterá diante de ti, todos os dias da tua vida” irrompem nas nossas existências trazendo duas realidades: um aviso e uma promessa.
As palavras “como fui com Moisés, assim serei contigo: não te deixarei, nem te desampararei” canalizam a nossa atenção para uma das maiores verdades da Bíblia. Israel entraria na terra da mesma forma que saíra do Egipto. De modo semelhante, entramos na vida abundante de Cristo da mesma forma que somos salvos da ira – através da fé na vida salvadora de Cristo. Assim como confiámos em Cristo e nas proezas da cruz em termos de justificação e redenção, temos de confiar nessas realizações como base da nossa segurança e resgate diário (Rom. 6:4-11; Col. 2:6-3:3).
6 “Esforça-te, e tem bom ânimo; porque tu farás a este povo herdar a terra que jurei aos seus pais lhes daria. 7 Tão somente esforça-te e tem mui bom ânimo, para teres o cuidado de fazer conforme a toda a lei que o meu servo, Moisés, te ordenou: dela não te desvies, nem para a direita nem para a esquerda, para que prudentemente te conduzas, por onde quer que andares. 8 Não se aparte da tua boca o livro desta lei; antes, medita nele, dia e noite, para que tenhas cuidado de fazer conforme a tudo quanto nele está escrito; porque, então, farás prosperar o teu caminho, e, então, prudentemente te conduzirás. 9 Não to mandei eu? Esforça-te, e tem bom ânimo; não pasmes, nem te espantes: porque o Senhor, teu Deus, é contigo, por onde quer que andares.”
Enquanto os primeiros cinco versículos se relacionam com a comissão de Josué, a ter início após a morte de Moisés, o grande impulso dos versículos 6-9 diz respeito a algo vital para que Josué fosse capaz de assim agir – e o que foi verdade para Josué é igualmente verdadeiro para nós.
Existe uma palavra ou tema repetidos pelo menos três vezes nestes versículos que precisamos de captar e relacionar connosco. Por três vezes Deus diz a Josué: “Esforça-te, e tem bom ânimo” (1:6, 7, 9). Mais tarde, uma vez que tal diz respeito à sua obediência a Deus, Josué repetirá o mesmo comando ao povo (1:18; 10:25), que de igual modo enfrentará os desafios e o cumprimento dos propósitos de Deus para a nação – habitar na terra como uma nação sacerdotal, representante de Deus diante das nações.
Portanto, o assunto diante de Josué consistia num apelo para ser forte e corajoso, em vista do cargo de liderança que lhe estava a ser passado. Deus estava a chamá-lo para um ministério muito especial e difícil, com desafios tremendos e obstáculos bastante para lá das suas próprias capacidades. Porém, a vida de cada um de nós está repleta de desafios deste género, por isso não passemos adiante sem repararmos na aplicação pessoal que esta ideia poderá ter em cada um de nós. Os versículos 6-9 são fundamentais para se obter a força e coragem requeridas para os desafios de qualquer ministério ou responsabilidade.
Esta passagem não se destina apenas a uma classe especial de líderes, como pastores ou missionários. Deus convocou cada um de nós para o ministério. Nenhum crente está exempto. Todos nós temos dons, todos somos sacerdotes de Deus e líderes em algum sentido, com responsabilidades pessoais para com outros, seja como anciãos, diáconos, pais e mães, etc.
Frequentemente, as pessoas fogem do ministério ou de situações difíceis devido ao medo ou aos obstáculos. Tal como a anterior geração de Israelitas falhara em entrar na terra e em tomar posse das suas possessões por causa da descrença e de medo de gigantes, também nós estamos sujeitos a não penetrar no chamamento de Deus nas nossas vidas.
Aplicação: Sem a força e coragem pessoal de Deus, fracassaremos no que toca a enfrentar os desafios ou a assumir as responsabilidades para as quais Deus nos convoca. Outros, por serem demasiado autoconfiantes, talvez procurem fazer tudo sozinhos, uma maneira igualmente errada de tentar servir o Senhor, tal como veremos ilustrado no capítulo 7, com a derrota em Ai.
Falando em termos bíblicos, de onde provêm a força moral e a coragem, e será que significam a ausência de medo? A força moral e a coragem provêm (1) da fé na soberania e provisão de Deus e (2) no facto de estarmos convencidos de que aquilo que fazemos é justo e o mais acertado, bem como essencial à vida. Mas há muito mais, como esta passagem nos mostrará. A coragem é aquela qualidade mental que permite ao homem enfrentar o perigo e a dificuldade com firmeza e resolução, apesar dos seus medos interiores (compare com 1 Cor. 2:3; 2 Cor. 7:5). Por outras palavras, a coragem não é a ausência de medo. Embora não procurasse o perigo nem presumisse do Senhor, Paulo nunca se evadiu de algo que soubesse ser correcto ou a vontade de Deus. No seu excelente livro acerca de liderança espiritual, J. Oswald Sanders escreveu:
Coragem do mais alto nível é requerida de um líder espiritual – sempre coragem moral e, frequentemente, coragem física também…
Martin Luther possuía esta importante qualidade numa medida excepcional. Foi já declarado que talvez tenha sido o homem mais corajoso que alguma vez viveu. Ao partir na sua momentosa viagem até Worms, afirmou “Podeis esperar tudo de mim, excepto medo ou retracção. Não fugirei, nem muito menos me retrairei.” Os seus amigos, avisando-o dos graves perigos que corria, procuravam dissuadi-lo. Mas Luther não podia ser dissuadido. “Não ir até Worms?”, disse. “Iria até Worms nem que existissem tantos demónios como telhas nos telhados.”…
Contudo, nem todos os homens são por natureza tão corajosos como Luther, sendo esse facto tanto implícito como explícito nas Escrituras. O grau mais elevado de coragem é visto na pessoa mais receosa, mas que se recusa a sucumbir ao medo. Não obstante quão amedrontados pudessem estar, os líderes de Deus em sucessivas gerações foram instruídos a ter bom ânimo. Caso estivessem sem medo, esta ordem não faria sentido.1
Portanto, de onde vêm a força e a coragem? Os conceitos seguintes ensinam-nos vários pontos importantes:
(1) A força e a coragem provêm de Reconhecer e Relacionar-se com o prazer de Deus (a Sua vontade), tendo uma noção do chamamento de Deus e do destino (1:1-2).
Conhecer a Palavra de Deus, a Sua vontade claramente revelada, conjuntamente com o reconhecimento dos dons, habilidades e treino de cada um, partes integrantes de compreender o Seu prazer ou vontade para a vida de alguém, é fundamental para encontrar a força e coragem necessárias para aceitar qualquer área de responsabilidade no ministério. Sem esta compreensão, uma pessoa dificilmente terá motivação ou coragem para se encaminhar em direcção aos ministérios que Deus a chama a executar.
Existe um processo específico a ser notado nos versículos 1-9. Primeiramente, a Palavra de Deus é dirigida a Josué, de modo a comissioná-lo e a encorajá-lo. A coragem aqui requisitada é o resultado directo da Palavra e de se conhecer a vontade de Deus (veja Efé. 5:9-10). Em paralelo, Josué é recordado de que fora preparado e treinado para isto, enquanto servo de Moisés (1:1).
A instrução de Josué no versículo 1 equivale a obtermos compreensão bíblica. É isto que forma o alicerce para a coragem e convicção, bem como para a fé e acção. Temos de orar e procurar a vontade e sabedoria de Deus. O fundamento inicial da coragem consiste em conhecer a Palavra e a vontade de Deus.
Ser o substituto de Moisés ilustra dois princípios-chave: (1) O princípio de ter um exemplo piedoso (1 Tim. 4; 1 Ped. 5:1-3). (2) O princípio de Lucas 16:10 e respectivo impacto no desenvolvimento de coragem e motivação para o ministério. Josué fora fiel nas pequenas coisas, e seria fiel em muito mais. O serviço nas maiores áreas de responsabilidade começa com fidelidade em coisas mais pequenas. Cada um de nós precisa de encontrar um lugar para servir e crescer. É possível que tal venha a constituir o treino inicial para outras áreas de ministério, para as quais Deus o poderá estar a chamar.
“Moisés, meu servo, é morto” (vs. 2). Esta afirmação lembra-nos que ninguém é indispensável e que a liderança muda. Se não treinamos outros nem somos treinados, deixamos buracos abertos (2 Tim. 2:2).
“Levanta-te, pois, agora” enfatiza a necessidade de acção decisiva capaz de preencher o vazio deixado pela ausência de Moisés. Isto é verdadeiro para todos nós no ministério, sempre que, por qualquer razão, se gera um vazio pela remoção dos servos de Deus. Um verdadeiro sentido de urgência é sempre um elemento vital na resolução e acção que preencham aquela necessidade; é parte da raiz que produz o fruto. Mas existe outro componente essencial à coragem e decisão no que toca a fazer a vontade de Deus.
(2) A força e a coragem provêm de Repousar nas promessas de Deus (1:2b-6).
Repare, por favor, que as promessas aqui dadas a Josué foram conferidas em relação ao ministério e à obra que Deus o chamara a desempenhar. Isto aplica-se a cada um de nós, independentemente do ministério particular para o qual Deus nos tenha convocado no corpo de Cristo. Leia estes versículos cuidadosamente e veja a aplicabilidade que lhes pode dar na sua vida. Sente o chamamento de Deus na sua vida para O servir de um modo particular, mas tem medo? Receia o fracasso? Tem medo de quanto lhe possa custar? Medite nestes versículos.
Podemos ainda atentar a alguns dos obstáculos observáveis nesta passagem, uma vez que, ao reclamarmos as promessas de Deus, a fé terá de enfrentar obstáculos.
“Passa este Jordão.” Na Escritura, o Jordão representa frequentemente um obstáculo, um impedimento ao crescimento, ministério e progresso. Existe uma boa razão para acreditar que as margens do Jordão se encontravam inundadas nesta altura do ano (compare com Jos. 3:15; 4:18). Esta é uma das razões pelas quais a coragem é necessária.
Paralelamente, cruzar o Jordão significava entrar numa terra hostil, num país repleto de inimigos, alguns dos quais eram gigantes e habitavam em cidades amplamente fortificadas. Este não era um desafio simples. Recorde: a geração anterior falhara em Cades devido a falta de coragem. Mas ainda há mais.
“Tu e todo este povo.” Não se tratava de um grupo pequeno! Os números faziam disto uma tarefa colossal. Josué tinha a responsabilidade de liderar um povo conhecido por ter uma cerviz dura e por apedrejar os seus líderes. A palavra “todo” lembra-nos que é vontade de Deus que todo o Seu povo amadureça e se fortaleça, cumprindo a Sua vontade e usufruindo de vidas vitoriosas.
Não obstante, independentemente dos obstáculos, a vontade de Deus fora claramente transmitida a Josué. Ele necessitava de agir em relação a esse facto através de fé na pessoa, promessas e provisão do Senhor.
Concentremo-nos na promessa do versículo 2b: “à terra que eu dou aos filhos de Israel” (vs. 2). Adicionalmente, repare nas palavras “vo-lo tenho dado” (vs. 3). O povo estava prestes a entrar na Terra Prometida, o país prometido aos patriarcas, a Abraão, Isaac e Jacob ou Israel, pelo próprio Deus, que não pode recuar nas Suas promessas. De facto, Ele começara a preparar os habitantes nativos para a derrota (compare com 2:9 ss). A terra começara a pertencer-lhes há quarenta anos atrás, mas não tinham conseguido entrar nela devido a descrença e falta de coragem.
A Palavra de Deus encontra-se repleta de centenas de promessas (vss. 3-6, 9). Essencialmente, cada princípio da Escritura torna-se uma promessa, pois com tal princípio vem a promessa inerente de Deus, que É veracidade perfeita, de modo a podermos confiar nesse princípio. Porém, temos de conhecer essas promessas e agir nelas pela fé. As promessas de Deus são conferidas de modo a nos transportarem através do Jordão da vida – não necessariamente para o remover do nosso caminho, mas sim para nos capacitar a avançar e a atravessá-lo com fé. Não nos são dadas para que evitemos os obstáculos ou tentemos ir à volta, mas sim para que os cruzemos vitoriosamente.
Como reclamamos e agimos baseados nessas promessas? Como fazemos dessas promessas parte das nossas vidas?
(3) A força e a coragem provêm da Renovação diária nos Princípios de Deus (1:7-8).
De acordo com uma definição bíblica de sucesso, um ministério bem-sucedido está em última análise relacionado com uma aprendizagem e estudo sólido da Bíblia, em detrimento dos nossos métodos humanos, técnicas e estratégias que, com demasiada frequência, recorrem à pressão, coacção e manipulação a fim de permitirem o alcance dos nossos planos ou resultados.
A Palavra é intrinsecamente poderosa e capaz de produzir uma mudança piedosa nas vidas dos fiéis, uma vez que motiva, encoraja, dá esperança e direcção, e expõe-nos quer às nossas necessidades, quer à provisão de Deus. A Palavra foi-nos concedida no sentido de estabelecer uma relação comunicativa com Deus. É um meio de comunhão com Ele. Contudo, tal leva o seu tempo – tempo de qualidade e diligência. Repare na ênfase conferida a este assunto ao longo dos versículos seguintes. “Fazer conforme a toda a lei…; dela não te desvies…” (vs. 7), “antes, medita nele, dia e noite…” (vs. 8).
Qual é a nossa tendência? Nos dias de hoje, a pessoa comum procura uma solução rápida – três passos fáceis. Queremos que Deus faça isto por nós agora. Mas este tipo de aproximação não desenvolve uma relação com o Senhor. Uma amizade com Deus, conhecê-lO, tal como qualquer outra relação, leva o seu tempo. É isto que nos propicia sucesso no ministério e na vida, independentemente de para onde vamos ou do que façamos.
O Aviso: Josué foi avisado ou alertado relativamente a três aspectos:
O Processo: Josué deveria fazer três coisas em relação às Escrituras:
(4) A força e a coragem provêm de Contar com a Pessoa e presença de Deus (1:9).
Por último, mas não menos importante, há que considerar a presença de Deus, sempre atenta e protectora. Não existe situação, problema ou inimigo que alguma vez enfrentemos sós. O Senhor está sempre lá, como nosso suporte e provisão constantes. Se estamos preocupados com o nosso ministério ou com qualquer outra coisa, podemos ficar absolutamente certos de que Deus está infinitamente mais preocupado do que nós. Basta-nos caminhar na luz da Sua presença, contando com a Sua orientação, suporte, provisão e cuidado, ao mantermos n'Ele o nosso foco (Heb. 12:1-2).
“Não to mandei eu.” Qual é o ponto importante aqui? É a fonte do comando e das promessas. O “eu” refere-se a Yahweh. Atente ao que se segue.
“Porque o Senhor (Yahweh), teu Deus (Elohim), é contigo, por onde quer que andares.” Estas palavras enfatizam a natureza daquele que deu o comando. Elas canalizam a nossa atenção para quem e o que é Deus. Um dos segredos para a audácia e coragem é a consciência da provisão e presença de Deus, especialmente da Sua presença enquanto aquele que prometeu nunca nos abandonar.
Compare João 20:19 e o medo dos discípulos antes de experienciarem a presença de Cristo ressuscitado e a promessa da Sua presença imperecível (compare com Mt. 28:18-20) com a ousadia que demonstraram em Actos 4:13-20. O que fez a diferença nos discípulos? Estes eram agora homens confiantes na presença de Cristo (Mt. 28:18-20), que conheciam a vontade de Deus e a Sua Palavra, e estavam repletos do Espírito de Deus (compare com Actos 4:8). Quando o Espírito Santo assume o controlo sobre a vida de um homem e o instrui na Palavra de Deus, ele não transmite “o espírito de temor, mas de fortaleza, e de amor, e de moderação”:
“Porque Deus não nos deu o espírito de temor, mas de fortaleza, e de amor, e de moderação” (2 Timóteo 1:7).
“Temor” é deilia, significando covardia, o oposto da coragem. "Fortaleza" é dunamis, a capacidade de fazermos o que devemos. "Amor" é agaph, uma atitude mental de preocupação sacrificial relativamente aos outros. Implica motivação e capacidade de tomar decisões difíceis. "Moderação" é swfronismos, significando pensamento salutar, um produto da compreensão bíblica, que mantém os nossos medos sob controlo, modifica valores e prioridades e confere coragem e resolução.
Em Hebreus 13:1-3, o autor relembrou aos seus leitores a necessidade de servir os santos. Escreveu, por exemplo, “permaneça o amor fraternal. Não vos esqueçais da hospitalidade, …”. Deus deseja que atendamos às necessidades dos outros, o que requer coragem e obediência, significando por vezes sacrifício. O texto mencionado também nos alerta em relação aos nossos valores e fontes de segurança, lembrando-nos depois da presença e provisão de Deus.
Sejam os vossos costumes sem avareza, contentando-vos com o que tendes; porque ele disse: Não te deixarei, nem te desampararei.
E assim, com confiança, ousemos dizer: O Senhor é o meu ajudador, e não temerei o que me possa fazer o homem. (Heb. 13:5-6)
À medida que enfrentamos os desafios, oportunidades e o chamamento de Deus, lembremos estas três promessas feitas por Deus a Josué. Com a convocação de Deus para o serviço, chega sempre a provisão apropriada d'Ele. O problema não reside no Senhor, mas sim na nossa responsabilidade quanto a seguir as Suas admoestações tal como foram dadas a Josué.
10 Então deu ordem Josué aos príncipes do povo, dizendo: 11 Passai pelo meio do arraial e ordenai ao povo, dizendo: Provede-vos de comida, porque dentro de três dias passareis este Jordão, para que entreis a possuir a terra que vos dá o Senhor, vosso Deus, para que a possuais.
12 E falou Josué aos rubenitas, e aos gaditas, e à meia tribo de Manassés, dizendo: 13 Lembrai-vos da palavra que vos mandou Moisés, o servo do Senhor, dizendo: O Senhor, vosso Deus, vos dá descanso, e vos dá esta terra. 14 As vossas mulheres, os vossos meninos e o vosso gado fiquem na terra que Moisés vos deu, desta banda do Jordão; porém vós passareis armados na frente dos vossos irmãos, todos os valentes e valorosos, e ajudá-los-eis; 15 Até que o Senhor dê descanso aos vossos irmãos, como a vós, e eles também possuam a terra que o Senhor, vosso Deus, lhes dá; então tornareis à terra da vossa herança, e possuireis a que vos deu Moisés, o servo do Senhor, desta banda do Jordão, para o nascente do sol.
Na nossa lição anterior, a mensagem principal consistia na revelação de Deus a Josué, concernente às Suas promessas, aos Seus propósitos para a nação, aos grandes princípios da Lei e à Sua presença permanente. É isto que forma o pano de fundo, a motivação e inspiração para a secção presente e tudo o que se segue. Agora, nos versículos 10-15, Josué incita o povo a agir à luz da revelação e promessas de Deus. Aqui, o conceito-chave é a resposta imediata e obediente de Josué, independentemente dos obstáculos à sua frente. Há nesta secção uma nota de urgência, certeza, expectativa e fé nas ordens de Josué ao povo. Como Deus ordenara, o novo líder estava a assumir o controlo, seguindo com confiança as ordens do Senhor.
(1) Assim fez imediatamente, sem demora ou procrastinação. Há um adágio antigo, “Bata o martelo, enquanto o ferro está quente”. Quanto mais nos demoramos, mais relutantes ficamos quanto a obedecer aos requerimentos de Deus. A demora também pode ser desobediência. A procrastinação pode evidenciar falta de coração para o chamamento de Deus, bem como falta de zelo pelo Seu povo e glória. Note as palavras em Salmo 119:60, “Apressei-me, e não me detive, a observar os teus mandamentos”.
(2) Assim fez com confiança, mostrando fé no Senhor e coragem para enfrentar a tarefa diante de si. Uma resposta tão imediata evidencia fé na Palavra e confiança no Senhor.
(3) Assim fez com uma compreensão clara quanto àquilo que enfrentavam. Tal enfatiza ainda mais a essência da sua coragem. Primeiro, por experiência pessoal, percebeu o que enfrentavam, pois, quarenta anos antes, fora um dos doze espiões enviados a explorar a terra. É possível que lembrasse com pessimismo o relato negativo dos dez, antecipando uma resposta similar por parte da nova geração. Mas os olhos de Josué repousavam no Senhor com solidez. Demasiadas vezes, enfraquecemos o nosso foco no Senhor e no Seu poder por pensarmos em todos os aspectos negativos, em tudo que pode acontecer se seguirmos em frente. Em segundo lugar, Josué poderá ter sido informado do que enfrentariam através da descrição de dois espiões, que enviara à terra no capítulo 2, provavelmente antes da ordem no versículo 11.2
Ainda assim, Josué e o povo deparavam-se com uma situação que, em muitos aspectos, estabelecia um paralelo com o dilema que Moisés e os israelitas haviam enfrentado no Mar Vermelho (Êx. 14). “Em cada caso, o obstáculo ocorrera no início do ministério do líder. Ambos eram impossíveis de solucionar através de meios naturais. Ambos exigiam dependência implícita e absoluta num Deus operador de milagres.”3
Após quarenta anos a deambular, pensando terem por fim chegado à Terra Prometida, encontram o rio inundando as suas margens (3:15). Enfrentavam o que para eles era uma dificuldade intransponível. A vida é mesmo assim, não é verdade? Tantas vezes, quando as nossas esperanças estão em alta, assim que as coisas parecem estar a correr à nossa maneira, aparecem problemas vindos do nada, e parece que ficamos a contemplar uma travessia impossível. Porém, todas as coisas são possíveis a Deus, que tudo opera em benefício daqueles que O amam (veja Gén. 18:14; Jer. 32:17; Mt. 19:26; Lucas 1:37; 18:27).
Dois assuntos tinham de ser analisados antes que pudessem atravessar o Jordão. Mais tarde, em 3:1 ss, Josué dará instruções específicas quanto à forma como o Jordão deveria ser atravessado mas, primeiro, como um bom líder, avalia a situação de modo responsável, estabelecendo duas coisas a ser feitas.
A comida aqui recolhida fora tomada como espólio das suas conquistas ao longo do deserto. O maná ainda estava disponível, mas não era possível guardá-lo de um dia para o outro sem que se estragasse. Marchariam de Sitim até às margens do Jordão, um trajecto com apenas cerca de oito milhas (aproximadamente treze quilómetros); contudo, dado o número de pessoas e tudo o que estava envolvido, evidentemente não poderiam recolher o maná.
Analogia: O assunto aqui mencionado consiste no sustento que lhes permitisse atravessar e tomar posse das suas possessões, bem como lidar com as batalhas que enfrentariam, mediante fé no poder do Senhor. De modo similar, temos de ser nutridos pelas Palavras da fé, de forma a continuarmos a entrar nas nossas bênçãos em Cristo (compare com 1 Tim. 4:6 ss e Heb. 3:7-19).
Nos versículos 12-14, Josué recorda as tribos de Gad, Rúben e meia tribo de Manassés das suas promessas e responsabilidades (Núm. 32:16-32; Deut. 3:12-20). Vemos neste facto uma chave para o sucesso de Josué.
(1) Ele estava a obedecer à sua missão de “fazer conforme a toda a lei de Moisés”.
Ele lembrava-se e procurava viver segundo os princípios e promessas da Palavra. Compare com 1:13, “Lembrai-vos da palavra que vos mandou Moisés”. Esta tornara-se a Palavra para Israel.
(2) Ele relembrou a Palavra ao povo. A sua autoridade para o desafio frente às duas tribos e meia consistia na Palavra do Senhor.
“O que estimulou Josué a procurar a cooperação deles não foi prudência natural ou um espírito de conveniência.”4 Não se tratou apenas de procurar mais ajuda por os seus recursos serem insuficientes. Não consistiu em pedir isto como um favor para si mesmo. Não, o apelo e autoridade provieram das ordens factuais da Palavra de Deus. Os servos de Deus devem aprender a confiar no poder da Palavra quanto a motivar e servir outros e a realizar os propósitos de Deus.
Em princípio, porém, esta ordem de Moisés, aqui reiterada por Josué, promovia o conceito do povo de Deus como uma equipa. Ele delegava tarefas específicas para estas pessoas. Cada indivíduo era necessário, tendo de fazer a sua parte. Agiriam como tropas de choque, indo diante dos seus irmãos.
Existe ainda um outro factor. Nas palavras do versículo 13b, “O Senhor, vosso Deus, vos dá descanso, e vos dá esta terra”, seguidas das palavras do versículo 15, “até que o Senhor dê descanso aos vossos irmãos, como a vós, …”, Josué lembrava-lhes as suas obrigações face ao seu povo, colocando sobre eles uma obrigação adicional, baseada na gratidão por aquilo que Deus já fizera em seu favor.
16 Então responderam a Josué, dizendo: Tudo quanto nos ordenaste faremos, e onde quer que nos enviares iremos. 17 Como em tudo ouvimos a Moisés, assim te ouviremos a ti: tão somente que o Senhor, teu Deus, seja contigo, como foi com Moisés. 18 Todo o homem que for rebelde à tua boca, e não ouvir as tuas palavras, em tudo quanto lhe mandares, morrerá: tão somente esforça-te, e tem bom ânimo.
Em qualquer iniciativa bem-sucedida da parte do povo de Deus, é essencial que os líderes obtenham o apoio do povo a fim de que a obra avance. Poderíamos intitular esta secção de Encorajamento de Josué. Ele honrara a Palavra de Deus, e agora era Deus que honrava Josué, incitando o povo a responder-lhe. É tremendamente encorajador para os líderes e restantes pessoas quando o povo é responsivo à Palavra, mostrando obediência e compromisso. Pela mesma razão, pode ser desencorajador ver o contrário a acontecer. Em tempos assim, tanto os líderes como o povo devem continuar a confiar no Senhor, examinando os seus ministérios e procurando que o Senhor os estimule à obediência em vez de recorrerem a algum tipo de manipulação ou coacção.
O povo não só estava disposto a obedecer, como também se propunha a lidar com a desobediência que surgisse, devido ao efeito desmoralizador sobre os demais e à desonra que tal traria ao Senhor. Esta acção é sempre crucial para qualquer povo de Deus.
Aplicação: Esta secção ilustra a necessidade da aplicação cuidadosa e amorosa da disciplina eclesiástica no corpo. Tal nunca é fácil. Requer compromisso real, devendo sempre ser feito com vista à reconciliação e recuperação de um crente pecador.
A afirmação “tão somente que o Senhor, teu Deus, seja contigo, como foi com Moisés” pode ser interpretada de duas maneiras. É possível considerá-la uma condição, desejo ou súplica. Se interpretada como condição, as pessoas estavam a dizer que queriam evidência clara quanto a Josué ser guiado por Deus, constatando que ele era verdadeiramente o homem de Deus, caminhando com o Senhor. Se tomada enquanto súplica ou desejo, demonstra o reconhecimento do favor de Deus como necessário para alcançar o sucesso. Comprova o facto de que reconheciam ser insuficientes para a tarefa, mas que o Senhor era suficiente. Precisavam de um líder que estivesse em contacto com o Deus vivo.
Aplicação: Nisto constatamos a necessidade dos líderes espirituais serem exemplos para o rebanho (Heb. 13:7). As pessoas querem ver e precisam de realidade espiritual madura nos seus líderes. Foi por este motivo que Paulo encorajou Timóteo com as seguintes palavras:
1 Timóteo 4:11-16. Manda estas coisas e ensina-as. 12 Ninguém despreze a tua mocidade; mas sê o exemplo dos fiéis, na palavra, no trato, no amor, no espírito, na fé, na pureza. 13 Persiste em ler, exortar e ensinar, até que eu vá. 14 Não desprezes o dom que há em ti, o qual te foi dado por profecia, com a imposição das mãos do presbitério. 15 Medita nestas coisas; ocupa-te nelas, para que o teu aproveitamento seja manifesto a todos. 16 Tem cuidado de ti mesmo e da doutrina, persevera nestas coisas; porque, fazendo isto, te salvarás, tanto a ti mesmo como aos que te ouvem.
Texto original de J. Hampton Keathley, III.
Tradução de C. Oliveira.
1 J. Oswald Sanders, Spiritual Leadership, Moody Press, 1967, pp. 78-79.
2 O que se encontra descrito em 3:2 pode ser igual a 1:11 ou ter sucedido a esse acontecimento.
3 D.K. Campbell, Joshua: Leader Under Fire, Victor Books, Wheaton, 1981, p. 12.
4 Arthur Pink, Gleanings in Joshua, Moody Press, Chicago, 1964, p. 50.
Em termos humanos, quão difícil era a tarefa com que se confrontavam Josué e o povo, no que dizia respeito a entrar na terra de Canaã? Quais eram alguns dos obstáculos que Josué e o povo enfrentavam? Enquanto líder, Josué tinha de lidar com suceder a um líder como Moisés e liderar um grupo de pessoas teimosas e de cerviz endurecida. Todos juntos, enfrentavam cidades fortificadas, gigantes e um Jordão inundado. Tudo aquilo que Josué e o povo eram chamados a fazer, humanamente falando, estava muito além das suas capacidades - desde a travessia das águas transbordantes e turbulentas do Jordão até à conquista do povo feroz, poderoso e ímpio que ocupava a terra.
Independentemente destes obstáculos, acreditando nas promessas de Deus, aplicando os princípios da Palavra de Deus e contando com a presença da Sua pessoa, Josué seguiu corajosamente em frente, enviando em segredo dois homens para espiarem a terra, a fim de recolherem a necessária informação estratégica e táctica de que qualquer comandante militar precisaria com vista a planear uma estratégia bem-sucedida para tomar a terra.
1a E enviou Josué, filho de Nun, dois homens, desde Sitim, a espiar secretamente, dizendo: Andai e observai a terra, e a Jericó.
Poderíamos perguntar por que enviou Josué os espiões. Era isso necessário caso confiasse verdadeiramente no Senhor? Afinal de contas, não prometera Deus a Josué que lhe daria sucesso? Por que não se limitou a seguir em frente, sabendo que, de alguma forma, Deus providenciaria o que fosse necessário? De facto, a batalha era do Senhor… não era?
Para esta acção, Josué tinha como precedente a liderança e exemplo de Moisés – acção esta que resultava do próprio comando de Deus em Números 13:1-2. Por aplicação, Josué estava a viver e a agir segundo os preceitos da Escritura, conforme lhe fora ordenado em 1:7-8.
Embora Josué tivesse a promessa da salvação de Deus, não fora instruído quanto à forma como Deus derrotaria os inimigos que enfrentavam. À imagem de um líder militar prudente, limitava-se a recolher informação concernente à disposição das defesas inimigas, à condição da sua moral e a outros factores importantes em qualquer campanha militar. Além disso, não era suposto que presumisse do Senhor. Deveria confiar implicitamente no Senhor mas, em paralelo com tal confiança, cabia-lhe usar os recursos que Deus lhe dera: o trino, os homens e a sabedoria que fora adquirindo. Veja Mateus 4:6-7.
Princípio: A fé na provisão do Senhor não deverá nunca levar a presumir dos decretos ou acções soberanas de Deus, dos nossos sentimentos intuitivos ou das nossas vontades e desejos. A fé olha para os princípios aplicáveis da Escritura, recolhe a informação ou factos necessários para tomar decisões sensatas e, depois, baseando-se em princípios bíblicos e nos factos conhecidos, segue em frente, confiando na provisão e orientação do Senhor (compare com Lucas 14:31). Caso o Senhor deseje intervir de forma miraculosa como fez em Jericó, fantástico – mas não devemos presumir dos Seus caminhos soberanos.
Porquê o secretismo? Obviamente, os espiões deveriam introduzir-se na terra em segredo, tal como os espiões normalmente fazem. Aqui, a referência ao secretismo estava relacionada com o povo de Israel. Josué não informou as pessoas de que enviaria espiões. Neemias procedeu de modo similar quando inspeccionou Jerusalém. Josué estava a agir em nome dos propósitos de Deus e do melhor interesse do povo. Lembrava-se do malvado relatório dos espiões da geração precedente e da maneira como este desencorajara o povo. As pessoas são pessoas, e ele não pretendia que colocassem desnecessariamente os seus olhos sobre os problemas.
Princípio: Por vezes, é sensato da parte dos líderes fazerem o necessário de modo a manterem os olhos do seu povo fixos no Senhor e nas Suas promessas, em detrimento de nos problemas. A necessidade é de encorajamento mútuo. Em algumas circunstâncias, temos de enfrentar os problemas, mas devemos aprender a fazê-lo através dos olhos da fé na pessoa, promessas, princípios e propósitos de Deus. Este era um assunto de discrição e de orientação de Deus mediante estudo e conhecimento do que seria melhor nesta situação particular. Por vezes é bom chamar a atenção de todos para os problemas, outras vezes não é (compare com Neemias 2:4-17).
Repare que o texto diz “e a Jericó”, o que nos mostra que Josué estava particularmente interessado nesta cidade. Porquê? Jericó ficava a apenas cinco milhas (cerca de oito quilómetros) do outro lado do Jordão, e era uma das fortalezas mais formidáveis da terra. Conquistar esta cidade não só lhes daria uma base forte na terra, como também fragmentaria literalmente as forças dos cananeus – ao irromperem pelo meio de Canaã, os israelitas levantariam obstáculos às suas linhas de comunicação e abastecimento. Tal providenciaria um efeito desmoralizador adicional sobre os restantes habitantes.
Princípio: Novamente, isto ilustra a forma como, após orarmos por sabedoria (Tiago 1:5), termos de inspeccionar e avaliar as nossas próprias circunstâncias: onde estamos, para onde precisamos de ir, o chamamento de Deus nas nossas vidas, os nossos dons e talentos, as nossas fraquezas, impedimentos e as situações e forças que enfrentamos. Depois, com base nessa informação, estabelecemos planos, metas e objectivos, em paralelo com prioridades, e atacamos o problema em concordância, enquanto confiamos na intervenção e direcção de Deus (veja Provérbios 16:1 ss). Comece pelas coisas mais importantes e trabalhe nelas uma a uma. Tal inclui a nossa vida pessoal (necessidades espirituais, físicas e educacionais), vida familiar (relações, necessidades espirituais em família, etc.), vida eclesiástica, vocação pessoal e assim por diante.
1b Foram, pois, e entraram na casa de uma mulher prostituta, cujo nome era Raab, e dormiram ali.
Raab é mencionada oito vezes na Escritura (Josué 2:1, 3; 6:17, 23, 25; Mat. 1:5; Hebreus 11:31; Tiago 2:25); em seis dessas ocorrências, o seu nome é acompanhado por um substantivo descritivo específico. Sabe qual é? É “meretriz”. Por que iriam os homens ter com uma meretriz? Poderemos aprender alguma coisa deste acontecimento?
Tal facto tem criado problemas a muitos. De forma a remover tal este estigma – afinal, o nome dela aparece listado entre os antepassados do Salvador em Mateus 1:5 -, já foi mesmo argumentado que não seria uma meretriz, mas somente uma “estalajadeira”.
Um expositor, Pink, admite que ela tenha sido uma meretriz, mas é evidente que isso o incomoda. Ele disse: “Foram divinamente guiados até àquela casa em particular, embora não seja provável que no início estivessem pessoalmente conscientes desse facto”. Algumas linhas à frente, acrescenta: “A casa na qual se haviam abrigado pertencia a uma meretriz, de nome Raab: ainda que já não praticasse o seu negócio malvado, fora anteriormente uma mulher de má fama, estigma que ainda a perseguia”. 1
A menos que Pink assuma de 2:9 ss que a declaração de fé de Raab abrangia a compreensão da Lei e respectivos estatutos, não vejo suporte bíblico para esse argumento, mas apenas um preconceito quanto à possibilidade de Deus usar uma mulher assim e de a trazer até Si enquanto ainda trabalhava como meretriz. É quase como se ela tivesse de limpar o seu acto antes de poder ser salva ou de Deus conseguir operar no seu coração.
Josefo (Antiguidades dos Judeus, livro V, capítulo 1, 2) procurou ilibar os espiões de qualquer suspeita de ficarem na casa de uma prostituta, chamando a Raab “estalajadeira” (compare com a nota de margem na Nova Versão Internacional). Contudo, “estalajadeira” e prostituta” eram sinónimos naquela cultura (compare com o Theological Wordbook of Old Testament, p. 246). A casa de Raab era o único lugar onde os homens poderiam ficar com alguma esperança de permanecerem indetectáveis e onde lhes seria possível recolher a informação que procuravam. Para além disso, a casa dela providenciava uma forma fácil de fuga, já que se localizava no muro da cidade (v. 15). Não há indicação de que Raab fosse uma prostituta do templo. 2
Provavelmente, os dois espiões conheceram-na na mesma rua onde talvez praticasse o seu ofício; ou quiçá, ouvindo falar deles, estivesse à sua procura fingindo angariar clientes, de acordo com o costume de uma meretriz ou mesmo de uma estalajadeira (compare com Provérbios 7:6-23). Por esta altura, ela começara a crer que o Deus de Israel era o verdadeiro Deus; porém, ao viver nesta cultura totalmente decadente, é improvável que conhecesse bem a Lei de Moisés.
Raab poderá ter identificado os homens como forasteiros e, por causa do estado de alerta de toda a cidade – motivado pela possibilidade de espiões -, bem como das suas convicções acerca do Deus de Israel, terá concluído que eram israelitas, convidando-os para sua casa, por motivos de protecção e expressão da sua fé, mas não de negócio.
Esta ocorrência ilustra maravilhosamente a graça de Deus. Ele não faz distinção de pessoas. Aceita-nos e perdoa-nos, não por causa do que somos ou do que poderemos ser, mas sim pelo Seu Filho, por causa do que Ele faria e que agora faz e fará através daqueles que confiam n’Ele e agem na fé. Não importa o que fomos ou costumávamos ser. O que interessa é Jesus Cristo, o que Ele fez, e se vamos ou não colocar n’Ele a nossa confiança.
Isto também aponta para o controlo soberano de Deus sobre os assuntos dos homens e para a forma como dirige os passos dos que confiam na Sua provisão ou procuram conhecê-Lo melhor. Deus actuara no coração de Raab; conhecia a sua fé, a sua ânsia quanto a conhecê-Lo e quiçá tornar-se parte do Seu povo; por isso, Deus operou soberanamente, juntando os espiões e Raab para protecção dos primeiros e bênção da segunda.
Deus poderia ter tornado os espiões invisíveis, ferido as pessoas com cegueira ou recorrido a anjos, mas escolheu antes usar dois homens e uma mulher, caminhando pela fé com coragem para agirem segundo as suas convicções – Ele optou por utilizar as circunstâncias mais normais da vida.
Princípio: De modo a confiarmos no Senhor, estaremos nós
à procura de milagres, do sensacional, pedindo experiências fora do normal antes de sairmos e confiarmos n’Ele? Ou estaremos dispostos a sair rumo às situações normais da vida, confiando em Deus para que nos use e dirija às pessoas comuns cujos corações tocou?
Repare que Josué é uma combinação interessante entre o miraculoso e o comum.
2 Então deu-se notícia ao rei de Jericó, dizendo: Eis que esta noite vieram aqui uns homens dos filhos de Israel, para espiar a terra. 3 Pelo que enviou o rei de Jericó a Raab, dizendo: Tira fora os homens que vieram a ti, e entraram na tua casa, porque vieram espiar toda a terra.
Estes versículos indicam que toda a cidade se encontrava em alerta, tendo os espiões sido reconhecidos e vistos a entrar na casa de Raab. O facto de o rei não se ter limitado a derrubar a porta e a invadir a casa poderá ter sido uma questão de hospitalidade oriental. Mesmo nesta cidade decadente, havia um grande respeito pela hospitalidade. De facto, Unger diz: “O costume oriental concede um respeito quase supersticioso aos aposentos de uma mulher”. 3
O rei terá assumido que os espiões estavam com Raab. Tal como nos tempos modernos, na antiguidade as prostitutas estavam frequentemente envolvidas em actividades secretas. O rei esperava que Raab cumprisse o seu dever patriótico e entregasse os espiões. O antigo código penal de Hamurabi contém a seguinte provisão: “Se conspiradores se encontrarem na casa de um dono de taberna, e estes conspiradores não forem capturados e levados à corte, o dono da taberna deverá ser condenado à morte” (S.R. Driver e J.C. Miles, The Babylonian Laws [Oxford: Clarendon, 1956], 2:45).4
4 Porém, aquela mulher tomou a ambos aqueles homens, e os escondeu, e disse: É verdade que vieram homens a mim, porém eu não sabia donde eram. 5 E aconteceu que, havendo-se de fechar a porta, sendo já escuro, aqueles homens saíram: não sei para onde aqueles homens se foram: ide após eles, depressa, porque vós os alcançareis. 6 Porém ela os tinha feito subir ao telhado, e os tinha escondido entre as canas do linho, que pusera em ordem sobre o telhado.7 E foram-se aqueles homens após eles, pelo caminho do Jordão, até aos vaus: e fechou-se a porta, havendo saído os que iam após eles.
Nestes versículos, Raab esconde os espiões, mente no intuito de proteger os soldados e envia os oficiais do rei numa busca vã. Uma vez que agir de outro modo era um acto de traição punível com a morte, o rei acreditou na sua lealdade e não ordenou que a sua casa fosse revistada.
Neste ponto, seria útil focar dois versículos no Novo Testamento e um no Antigo:
Hebreus 11:31 Pela fé, Raab, a meretriz, não pereceu com os incrédulos, acolhendo em paz os espias.
Tiago 2:25 E, de igual modo, Raab, a meretriz, não foi, também, justificada pelas obras, quando recolheu os emissários e os despediu por outro caminho?
Josué 6:17 Porém, a cidade será anátema ao Senhor, ela e tudo quanto houver nela: somente a prostituta Raab viverá, ela e todos os que com ela estiverem em casa; porquanto escondeu os mensageiros que enviámos.
Por que é que Raab foi salva? Porque acreditava no Deus de Israel. Esconder os mensageiros foi uma manifestação da sua fé. Tratou-se de uma ilusão calculada a fim de os proteger, à semelhança de muitas pessoas piedosas que esconderam judeus em países europeus durante a Segunda Guerra Mundial.
Primeiramente, o que Raab fez foi uma questão de fé. Ela passara a crer que o Deus de Israel era verdadeiramente “Deus em cima nos céus e em baixo na terra” (2:11), pertencendo ao Hall da Fama no capítulo da fé.
Em segundo lugar, a fé de Raab, que lhe deu convicções fortes a respeito de Deus, levou-a a agir segundo a sua fé a ponto de colocar em jogo a sua própria vida. Ela sabia que Israel atacaria eventualmente a cidade, uma vez que o seu Deus era o Deus verdadeiro, e desejava ser salva e tornar-se parte da nação. Não sabia muito sobre o Deus de Israel, as Suas leis de justiça ou o caminho da salvação, mas estava ciente de que Ele era o Deus supremo.
E quanto à mentira de Raab? Seria justificável? Será que a Escritura a perdoa? A maioria dos comentadores aprova a sua fé, mas desaprova a sua mentira. No fundo, aprovam que tenha escondido os espiões, mas não que contasse mentiras. Por exemplo:
O Dr. Campbell escreve: “Desculpar Raab por ceder a uma prática comum é perdoar o que Deus condena… A mentira de Raab foi registada, mas não aprovada. A Bíblia aprova a sua fé, demonstrada através de boas obras, mas não a sua falsidade.” 5
O Dr. Unger escreve: “É óbvio que a mentira de Raab era moralmente incorrecta.” 6
Pink concorda e diz: “Ela falhou quanto a confiar plenamente no Senhor, e o temor do homem trouxe uma armadilha. Aquele cujos anjos feriram os homens de Sodoma com cegueira (Gén. 19:11) e que matara os cinquenta homens enviados para prenderem o Seu profeta (2 Reis 1:9-12) poderia ter evitado que os oficiais encontrassem os espiões.” 7
Mas estará isto correcto? O que era suposto que ela dissesse? “Se acham que eles estão aqui, entrem e revistem a casa.” Note, por favor, que se tratava de uma questão de guerra.
Em 6:17, Josué explicou que Raab foi poupada por ter escondido os espiões, agindo como aliada. Sejamos honestos. Quando vai de férias, deixa uma luz acesa ou programa a sua televisão para ligar à noite, a fim de dar a impressão de estar em casa quando, na verdade, não está? Fazemos isto de modo a enganar os intrusos, embora não seja verdade.
Repare no que diz o Expositors Bible Commentary (Comentário Bíblico Expositors): “Raab mentiu tanto no que fez quanto no que disse. A ilusão era uma importante estratégia de guerra. A espionagem seria impossível sem tal elemento. Ao esconder os espiões, Raab aliou-se a Israel contra o seu próprio povo. Foi um acto de traição!” 8
Em preparação para o Dia D na Segunda Guerra Mundial, deixamos propositadamente os alemães acreditarem que íamos invadir a França em Calais, creio, quando a nossa intenção consistia em invadir as praias de Omaha e Utah em Cherbourg, França.
8 E, antes que eles dormissem, ela subiu a eles sobre o telhado; 9 E disse aos homens: Bem sei que o Senhor vos deu esta terra, e que o pavor de vós caiu sobre nós, e que todos os moradores da terra estão desmaiados diante de vós. 10 Porque temos ouvido que o Senhor secou as águas do Mar Vermelho diante de vós, quando saíeis do Egipto, e o que fizestes aos dois reis dos amorreus, a Séon e a Og, que estavam dalém do Jordão, os quais destruístes. 11 Ouvindo isto, desmaiou o nosso coração, e em ninguém mais há ânimo algum, por causa da vossa presença, porque o Senhor, vosso Deus, é Deus em cima nos céus e em baixo na terra. 12 Agora, pois, jurai-me, vos peço, pelo Senhor, pois que vos fiz beneficência, que vós, também, fareis beneficência à casa do meu pai, e dai-me um sinal certo, 13 De que dareis a vida ao meu pai e à minha mãe, como também aos meus irmãos e às minhas irmãs, com tudo o que têm, e que livrareis as nossas vidas da morte.
Primeiramente, vemos a confiança e convicção de Raab quanto ao poder do Senhor. De alguma forma, sabia do que havia ocorrido no Mar Vermelho e mais tarde, bem como que tal resultara do poder soberano do Deus de Israel. O que dividira o Mar Vermelho não fora meramente produto do engenho de Israel ou algum capricho da natureza.
Aplicação: Isto recorda-nos que as nossas vidas não devem limitar-se a ser diferentes; deve existir algo nelas que aponte para Deus como a razão pela qual são distintas nas coisas que fazemos e dizemos – tais como ir à igreja, a nossa preocupação com outras pessoas e suas necessidades e o nosso testemunho específico, que confere um motivo para a esperança dentro de nós (1 Pedro 3:15-16).
Em segundo lugar, vemos a confiança e convicção de Raab no Deus de Israel (Javé) como o único Deus verdadeiro, que reina sobre o céu e sobre os assuntos dos homens na terra. A sua declaração no versículo 11 – “…porque o Senhor, vosso Deus, é Deus em cima nos céus e em baixo na terra” – é mais do que a constatação de que o Deus de Israel fosse uma divindade. A ideia é de que Ele – e apenas Ele – É o Deus verdadeiro, envolvido nos assuntos da terra e dos homens.
Aplicação: Tal recorda-nos o envolvimento de Deus nas nossas vidas. Ele É o Deus soberano que mantém unidas todas as coisas pela palavra do Seu poder, que actua nas nossas vidas. Será que vivemos à luz deste facto?
Terceiro, vemos a confiança e convicção de Raab quanto ao julgamento iminente do seu povo e ao seu desejo de ser salva, aliando-se ao Deus de Israel (vs. 13). Repare em “Agora, pois…”, que indica que este pedido resultou do seu conhecimento, convicção e fé relativamente ao Senhor.
Em quarto lugar, vemos nos versículos 12-13 que não estava somente preocupada consigo mesma. A sua preocupação incluía a sua família ou agregado familiar. Este é o plano número um de Deus para o evangelismo – a nossa rede familiar, de amigos e colegas de trabalho.
Aplicação: Quão preocupados e focados estamos naqueles que nos rodeiam – orando pela salvação, procurando conhecê-los e amá-los e, eventualmente, partilhando o amor de Cristo?
Os habitantes da terra encontravam-se aterrorizados. Três vezes neste capítulo, o verbo “desmaiar” é usado para descrever o estado emocional ou a moral das pessoas (vss. 9, 11, 24). Mental e emocionalmente, eram um povo vencido. Deus já entregara nas mãos de Israel o povo de Jericó. Há quanto tempo seria este o caso? Desde que haviam ouvido falar dos eventos no Mar Vermelho (2:9-11).
A questão que se coloca é a seguinte: teria Israel conhecimento disto? Com a excepção de Moisés, Josué e Caleb, os israelitas recusaram acreditar na promessa de Deus; em vez disso, permitiram que o relatório negativo dos dez espiões fizesse desmaiar os seus corações, pois focavam os problemas em detrimento do seu Deus.
Repare na ironia aqui presente: os nativos contemplavam o Deus de Israel e tremiam nas sandálias. Já os israelitas, que tinham testemunhado as obras poderosas de Deus vez após vez, olhavam para os seus problemas em lugar de para Deus, estando aterrorizados na descrença.
Atente nas passagens seguintes:
25 Depois, voltaram de espiar a terra, ao fim de quarenta dias. 26 E caminharam, e vieram a Moisés e a Aarão, e a toda a congregação dos filhos de Israel, no deserto de Paran, a Cades, e, tornando, deram-lhes conta a eles, e a toda a congregação, e mostraram-lhes o fruto da terra. 27 E contaram-lhe, e disseram: Fomos à terra a que nos enviaste; e verdadeiramente mana leite e mel, e este é o fruto. 28 O povo, porém, que habita nessa terra, é poderoso, e as cidades fortes e mui grandes; e também ali vimos os filhos de Enac. Os amalequitas habitam na terra do sul; e os heteus, e os jebuseus, e os amorreus habitam na montanha; e os cananeus habitam ao pé do mar, e pela ribeira do Jordão. (Números 13:25-29).
26 Porém, vós não quisestes subir; mas fostes rebeldes ao mandado do Senhor, nosso Deus. 27 E murmurastes nas vossas tendas, e dissestes: Porquanto o Senhor nos aborrece, nos tirou da terra do Egito, para nos entregar nas mãos dos amorreus, para destruir-nos. 28 Para onde subiremos? nossos irmãos fizeram com que se derretesse o nosso coração, dizendo: Maior e mais alto é este povo do que nós; as cidades são grandes e fortificadas até aos céus; e também vimos ali filhos dos gigantes. 29 Então eu vos disse: Não vos espanteis, nem os temais. 30 O Senhor, vosso Deus, que vai adiante de vós, ele por vós pelejará, conforme a tudo o que fez convosco, diante dos vossos olhos, no Egipto; 31 Como, também, no deserto, onde viste que o Senhor, teu Deus, nele te levou, como um homem leva seu filho, por todo o caminho que andastes, até chegardes a este lugar. 32 Mas nem por isso crestes ao Senhor, vosso Deus, …” (Deuteronómio 1:26-32).
Aplicação: Quão similar a nós é a situação descrita! Independentemente de tudo, quer se trate da picada de um mosquito ou do ataque de um leão, temos de aprender a manter os nossos olhos no Senhor e longe do problema (veja Hebreus 12:1-2).
14 Então aqueles homens responderam-lhe: A nossa vida responderá pela vossa, até ao ponto de morrer, se não denunciardes este nosso negócio, e será pois que, dando-nos o Senhor esta terra, usaremos contigo de beneficência e de fidelidade.
Manter-se calada a respeito da sua presença e recusar-se a prestar informação sobre eles seria uma prova da sua fé no Senhor e da boa vontade relativamente ao povo de Deus (compare com Mateus 25:24 ss).
15 Ela então os fez descer por uma corda, pela janela, porquanto a sua casa estava sobre o muro da cidade, e ela morava sobre o muro. 16 E disse-lhes: Ide-vos ao monte, para que, porventura, vos não encontrem os perseguidores, e escondei-vos lá três dias, até que voltem os perseguidores, e depois, ide pelo vosso caminho. 17 E disseram-lhe aqueles homens: Desobrigados seremos deste teu juramento que nos fizeste jurar. 18 Eis que, vindo nós à terra, atarás este cordão de fio de escarlata à janela por onde nos fizeste descer; e recolherás em casa, contigo, o teu pai, e a tua mãe, e os teus irmãos, e a toda a família do teu pai. 19 Será, pois, que, qualquer que sair fora da porta da tua casa, o seu sangue será sobre a sua cabeça, e nós seremos sem culpa; mas qualquer que estiver contigo, em casa, o seu sangue seja sobre a nossa cabeça, se nele se puser mão. 20 Porém, se tu denunciares este nosso negócio, seremos desobrigados do teu juramento, que nos fizeste jurar. 21 E ela disse: Conforme às vossas palavras, assim seja. Então os despediu; e eles se foram; e ela atou o cordão de escarlata à janela.
Mesmo antes de partirem, os espiões confirmaram o seu acordo com Raab: primeiramente, a sua casa deveria estar identificada com um cordão de escarlata pendurado da janela. Em segundo lugar, ela e a sua família teriam de permanecer dentro da casa durante o ataque à cidade. Por último, os espiões deixaram claro que ficariam livres do juramento de protecção para com Raab caso a mesma denunciasse a sua missão.
Esta história é muito parecida com a salvação experienciada no decurso da última praga que Deus trouxe sobre o Faraó e o Egipto, ao matar o primogénito de cada lar, mas poupando os israelitas graças ao sangue do cordeiro Pascal, com o qual os dois umbrais e o lintel das suas casas haviam sido borrifados. Embora não tenha sido identificado como tal, é provável que o cordão de escarlata fosse uma imagem de Cristo.
Nos dias de Noé, havia segurança e abrigo para aqueles que entravam pela porta da arca. No Egipto, a segurança e o abrigo eram obtidos por aqueles que se reuniam atrás das portas aspergidas com o sangue do cordeiro Pascal. Para mim e para si, também há segurança e abrigo do julgamento eterno – mas apenas se entrarmos pela porta certa: Jesus Cristo. Como Ele disse em João 10:9, “Eu sou a porta: se alguém entrar por mim, salvar-se-á.”
George Whitefield, o eloquente pregador do Grande Despertar na América do Norte (1738-40), discursou uma vez sobre o texto “A Porta Estava Fechada”. Encontravam-se na congregação dois jovens arrogantes e desrespeitosos e, por acaso, um foi ouvido a dizer ao outro, em tom zombeteiro: “E se a porta estiver fechada? Outra será aberta.”
Mais adiante no sermão, o evangelista disse: “É possível que esteja aqui alguém descuidado e presumido, que diz ‘Que importa que a porta esteja fechada? Outra será aberta!’.”
Os dois jovens entreolharam-se, alarmados!
“Sim, outra porta será aberta”, concluiu Whitefield. “Será a porta da cova sem fundo – a entrada para o Inferno.” 9
22 Foram-se, pois, e chegaram ao monte, e ficaram ali três dias, até que voltaram os perseguidores, porque os perseguidores os buscaram por todo o caminho, porém não os acharam. 23 Assim, aqueles dois homens voltaram, e desceram do monte, e passaram, e vieram a Josué, filho de Nun, e contaram-lhe tudo quanto lhes acontecera; 24 E disseram a Josué: Certamente o Senhor tem dado toda esta terra nas nossas mãos, pois até todos os moradores estão desmaiados diante de nós.
Josué e os homens de Israel viram nas palavras e acções de Raab uma evidência clara da providência soberana e bênção do Senhor. Repare na confiança deles: “Certamente o Senhor tem dado toda esta terra nas nossas mãos, …”. Existem nesta passagem algumas lições óbvias:
(1) Demonstra a preocupação e obra de Deus para salvar uma pessoa ou família que confie n’Ele (compare com 2 Pedro 3:9). Lembra-nos que Deus conhece os corações dos homens e nos conduzirá a eles se estivermos disponíveis. Também nos ensina que a obra de Deus deve ter lugar em ambos os extremos.
(2) Demonstra a protecção e provisão de Deus em favor dos Seus servos, capacitando-os a cumprir a sua vocação e objectivo independentemente das circunstâncias. A única coisa capaz de nos impedir de realizar a vontade de Deus e de cumprir o nosso chamamento é a nossa própria descrença.
(3) Demonstra a forma como a nossa fé deve levar à acção e ministério em benefício de outros. Raab disponibilizou-se a ajudar quer os espiões, quer a própria família (João 1:35-51; 4:28-29, 39).
(4) Demonstra como a misericórdia e graça de Deus ultrapassam a Sua ira através da cruz. Raab era Amorita e, de acordo com a lei de Moisés, não poderia haver piedade nem alianças com os nativos – apenas julgamento (compare com Deut. 7:2). Através da sua fé genuína, tornou-se uma excepção.
(5) Raab constitui um tipo e testemunho do propósito de Deus quanto a salvar os gentios que, embora sem esperança no mundo (Efésios 2:12), podiam aproximar-se de Deus e serem participantes com Israel, mediante a fé em Cristo.
(6) Raab providencia uma lição ao contrastar notavelmente com Israel e demais habitantes de Jericó. Isso transforma-se num aviso contra o endurecimento do coração naqueles que vêem e ouvem, mas falham no que toca a responder pela fé. Escutar não é suficiente. Repare na aplicabilidade deste conceito:
1 Temamos, pois, que, porventura, deixada a promessa de entrar no seu repouso, pareça que algum de vós fique para trás; 2 Porque, também, a nós foram pregadas as boas novas, como a eles, mas a palavra da pregação nada lhes aproveitou, porquanto não estava misturada com a fé naqueles que a ouviram. (Heb 4:1-2).
9 E disse aos homens: Bem sei que o Senhor vos deu esta terra, e que o pavor de vós caiu sobre nós, e que todos os moradores da terra estão desmaiados diante de vós. 10 Porque temos ouvido que o Senhor secou as águas do Mar Vermelho diante de vós, quando saíeis do Egipto, e o que fizestes aos dois reis dos amorreus, a Séon e a Og, que estavam dalém do Jordão, os quais destruístes. 11 Ouvindo isto, desmaiou o nosso coração, e em ninguém mais há ânimo algum, por causa da vossa presença, porque o Senhor, vosso Deus, é Deus em cima nos céus e em baixo na terra. (Josué 2:9-11).
52 Pois não tinham compreendido o milagre dos pães; antes, o seu coração estava endurecido. (Marcos 6:52).
7 Portanto, como diz o Espírito Santo, se ouvirdes, hoje, a sua voz, 8 Não endureçais os vossos corações, como na provocação, no dia da tentação no deserto, 9 Onde os vossos pais me tentaram, me provaram, e viram, por quarenta anos, as minhas obras. 10 Por isso me indignei contra esta geração, e disse: Estes sempre erram em seu coração, e não conheceram os meus caminhos. 11 Assim jurei, na minha ira, que não entrarão no meu repouso. (Hebreus 3:7-11).
Texto original de J. Hampton Keathley, III.
Tradução de C. Oliveira.
1 Arthur Pink, Gleanings in Joshua, Moody Press, Chicago, 1964, p. 54.
2 Frank E. Gaebelein, General Editor, The Expositor's Bible Commentary, New Testament, Zondervan, Grand Rapids, 1976-1992, versão electrónica.
3 Unger’s Commentary on the Old Testament. Vol I, Génesis –Cantares de Salomão, p. 285.
4 Expositors Bible Commentary, electronic version.
5 Joshua, Leader Under Fire, Donald Campbell, p. 19-20.
6 Unger’s Commentary on the Old Testament, p. 285.
7 Pink, p. 59.
8 Expositors Bible Commentary, versão electrónica.
9 Donald K. Campbell com Jim Denney, No Time For Neutrality, A Study of Joshua, Discovery House, 1994, p. 36.
É capaz de pensar no seu passado e lembrar-se de um dia pelo qual tenha esperado bastante tempo com grande antecipação e entusiasmo? Enquanto crianças, o Natal e os aniversários eram dias assim. Mais tarde, talvez pensasse no dia da formatura, do seu casamento ou quiçá no momento da conquista do direito a disputar alguma competição importante, como os Jogos Olímpicos.
Dependendo da natureza do dia e do que pudesse implicar, tal momento traria também uma certa ansiedade, dado o desafio a ser enfrentado. Esperou meses, semanas e dias, até que, finalmente, esse dia chegou. Consegue imaginar a antecipação e entusiasmo com que o povo de Israel lidava diante do Rio Jordão, na noite anterior à sua travessia em direcção à terra?
A geração anterior não pudera entrar devido a descrença, e a nova geração aguardara muito tempo - quase quarenta anos para alguns. Com cerca de 80 anos de idade, Josué e Caleb haviam esperado ainda mais. De acordo com a promessa feita aos Patriarcas, a antecipação judaica remontava a quinhentos anos atrás. Porém, Josué diz ao povo neste momento: “Santificai-vos, porque amanhã fará o Senhor maravilhas no meio de vós” (3:5).
Contudo, não obstante o entusiasmo, haveria decerto alguma ansiedade ao contemplarem o rio transbordante, pensando nas cidades fortificadas que se erguiam na outra margem. A vida é assim mesmo. Frequentemente, com as nossas esperanças no seu auge, existem desafios e problemas que enfrentamos em simultâneo.
Depois de escutarem uma mensagem numa conferência bíblica sobre como lidar com o desânimo, três pessoas procuraram o orador: uma jovem mãe, que não dormira na noite anterior por o seu marido ter chegado a casa às 22 horas e 30, anunciando-lhe que queria divorciar-se; um pastor, cuja filha adolescente estava a rebelar-se contra Deus; e uma trabalhadora cristã, cujo marido dera entrada no hospital para tratamento a um tumor cerebral.
Um pastor declarou: “O problema é que enfrentamos dificuldades que nós não conseguimos resolver: este cliente que tenho de atender, este exame que tenho de fazer, esta dívida que tenho de pagar, estes parentes que tenho de suportar, este vício que tenho de deixar, este casamento que tenho de salvar.” 1
Mas assim é viver num mundo decadente. A par das nossas esperanças e alegrias, surgem problemas para os quais não dispomos nem da força, nem da sabedoria necessárias. Precisamos da força que vem de cima. A batalha é realmente do Senhor, e era isto que estava a ser ensinado a Israel neste capítulo. Donald Campbell intitula o capítulo 3 de “Passando a Vau Rios Intransponíveis”.
1 Levantou-se, pois, Josué de madrugada, e partiram de Sitim, e vieram até ao Jordão, ele e todos os filhos de Israel; e pousaram ali, antes que passassem. 2 E sucedeu, ao fim de três dias, que os príncipes passaram pelo meio do arraial; 3 E ordenaram ao povo, dizendo: Quando virdes a arca do concerto do Senhor, vosso Deus, e que os sacerdotes, levitas, a levam, parti vós, também, do vosso lugar, e segui-a. 4 Haja, contudo, distância entre vós e ela, como da medida de dois mil côvados; e não vos chegueis a ela, para que saibais o caminho pelo qual haveis de ir; porquanto por este caminho nunca passastes antes.
5 Disse Josué, também, ao povo: Santificai-vos, porque amanhã fará o Senhor maravilhas no meio de vós. 6 E falou Josué aos sacerdotes, dizendo: Levantai a arca do concerto e passai adiante deste povo. Levantaram, pois, a arca do concerto, e foram andando, adiante do povo.
Para além da forma miraculosa como o rio Jordão foi atravessado, o aspecto mais importante deste capítulo é a Arca da Aliança. A sua proeminência é realçada pelo número de vezes em que é mencionada ao longo dos capítulos 3 e 4 (nove vezes no capítulo 3 e sete vezes no capítulo 4), bem como pela natureza das ordens e declarações dadas a seu respeito.
O que há de tão importante acerca da Arca? Representava a pessoa e promessas de Deus. Apontava para o facto de que, ao sair para atravessar o Jordão, invadir e possuir a terra, o povo de Israel não deveria basear-se na sua própria força, mas sim na de Deus, já que Ele mesmo seguia diante deles como fonte de vitória.
Este é o caso com tudo na vida. Tal como Paulo clamou ao contemplar os desafios e provações do ministério, “E, para estas coisas, quem é idóneo?”. Mas em seguida respondeu à sua própria questão com estas palavras: “E é por Cristo que temos tal confiança em Deus; não que sejamos capazes, por nós, de pensar alguma coisa, como de nós mesmos, mas a nossa capacidade vem de Deus” (2 Cor. 3:4-5).
No versículo 5, Josué ordena às pessoas que se santifiquem, em concordância com as maravilhas que Deus realizaria entre elas no dia seguinte. Mas o que significa a palavra “santificar”? Não é exactamente o que esperaríamos de um ponto de vista militar. O líder militar actual diria: “Afiai as vossas espadas e lanças, e poli os vossos escudos!”. Porém, os caminhos de Deus não são os nossos. Para o povo de Deus, a preparação espiritual é o elemento vital, ao estar justamente relacionada com Deus e ao trazer o Seu poder para as nossas obras e ministério.
“Santificar” corresponde ao hebraico qadash, podendo significar “ser santificado, posto à parte, consagrado” ou “consagrar, pôr à parte, preparar, dedicar”. Mas aqui aparece no seu radical reflexivo hithpael, que significa “consagrai-vos, ponde-vos à parte, preparai-vos”. Este radical assinala a nossa responsabilidade pessoal.
No Antigo Testamento, esta palavra é frequentemente usada (em particular em Êxodo e Levítico) em associação com os sacrifícios, sacerdócio e abluções do Antigo Testamento, e ainda relativamente aos filhos de Israel enquanto povo de Deus. A este respeito, era especialmente utilizada em ligação com a confissão ou a purificação mediante o uso dos sacrifícios, abluções e oblações do Antigo Testamento (Êx. 19:10, 22; 40:13). Retrata a necessidade de lidar com o pecado na vida. Aplicava-se quanto a reservar alguma coisa para uso do Senhor e Seus propósito, no sentido de a purificar, preparar e dedicar ao Senhor (por exemplo, a santificação do Monte Sinai (Êx. 19:22); a preparação de Aarão através das vestes sacerdotais e a unção para o ministério (Êx. 28:3, 41); colocar à parte para o uso de Deus através do sacrifício e unção (Êx. 29:1, 36, 37; 29:44; 40:13)).
Aplicação: Repare em Josué 3:5b: “porque amanhã fará o Senhor maravilhas no meio de vós”. Quando existe uma falta de santificação através da confissão para profanação do pecado, a par com o compromisso relativo ao propósito de Deus para as nossas vidas no serviço ou ministério, criamos obstáculos ao poder de Deus. Mas há mais neste chamamento à santificação. “O povo de Israel deveria esperar que Deus operasse um milagre. Deveriam estar ansiosos, tomados por uma noção de maravilha. Israel não poderia perder de vista o seu Deus, capaz de fazer o incrível e humanamente impossível.”2
Duas ideias-chave estão envolvidas - Preparação e Dedicação:
(1) Lembra-nos da santidade de Deus. Deus É santidade absoluta, completamente afastado do pecado. Ele É um Deus santo, que não pode estabelecer amizade com um homem pecaminoso ou admitir o pecado na Sua presença sem uma solução para o problema do pecado.
(1) Mostra a necessidade de sacrifício pelo pecado, ou a cruz de Cristo. Sem fé na cruz e sua purificação, nenhum homem pode ser colocado à parte para uso ou bênção de Deus.
(2) Deus não utiliza instrumentos contaminados. Para os crentes, salvos e purificados pela obra de Cristo, esta ordem de santificação demonstra a necessidade de purificação através da confissão ou de estarmos bem com Deus e os homens, de modo a sermos usados por Deus e experienciarmos a Sua salvação. A fim de experimentarmos o poder, protecção e salvação de Deus, precisamos de preparar o nosso coração e lidar com o pecado conhecido nas nossas vidas mediante a confissão (compare Josué 7:13 com Êx. 19:10, 22).
(4) Mantendo em mente a ideia de dedicação associada a esta palavra, a ordem recorda-nos da necessidade de compreender o nosso propósito enquanto povo de Deus, a par com o compromisso relativamente a Deus e Sua vontade. Significava que deveriam pôr-se à parte para Yahweh de modo a atravessarem o Jordão e poderem entrar na terra, derrotar os inimigos e tornarem-se um testemunho para as nações (Êx. 19:4‑6).
(5) A ordem, especialmente à luz da teologia do Novo Testamento, sugere a necessidade da intervenção do Espírito Santo e Seu controlo para uma vida santificada. Esta ordem sugere isto devido à prevalência da unção mencionada em associação com a santificação dos sacerdotes, etc. (compare também com Êx. 40). Realça a necessidade de preenchimento pelo Espírito Santo enquanto agente habilitador de Deus para lidar com as forças organizadas contra nós - a carne, o diabo e o mundo (Actos 1:8; Efésios. 3:16; 5:18; Gál. 5:16 ss e 6:1).
7 E o Senhor disse a Josué: Este dia começarei a engrandecer-te perante os olhos de todo o Israel, para que saibam que, assim como fui com Moisés, assim serei contigo. 8 Tu, pois, ordenarás aos sacerdotes que levam a arca do concerto, dizendo: Quando vierdes até à borda das águas do Jordão, parareis no Jordão. 9 Então disse Josué aos filhos de Israel: Chegai-vos para cá e ouvi as palavras do Senhor, vosso Deus.10 Disse mais Josué: Nisto conhecereis que o Deus vivo está no meio de vós; e que de todo lançará de diante de vós aos cananeus, e aos heteus, e aos heveus, e aos pereseus, e aos girgaseus, e aos amorreus, e aos jebuseus. Eis que a arca do concerto do Senhor de toda a terra passa o Jordão diante de vós. 12 Tomai, pois, agora, doze homens, das tribos de Israel, de cada tribo um homem; 13 Porque há-de acontecer que, assim que as plantas dos pés dos sacerdotes que levam a arca do Senhor, o Senhor de toda a terra, repousem nas águas do Jordão, se separarão as águas do Jordão, e as águas que de cima descem pararão num montão.
No fundo, estes versículos reforçam o conceito da graça. Mostram que atravessar o Jordão e despojar os inimigos (bem como todos os aspectos da nossa salvação e santificação) são obra de Deus. As coisas que fazemos na santificação não são actos de justiça merecedores do favor de Deus ou que derrotam os inimigos. Em vez disso, actos de santificação, como a confissão, removem as barreiras ao poder e amizade de Deus, preparando os nossos corações para receberem a Sua graça; edificam a nossa fé, de modo a colocarmos os pés na água, atravessarmos e avançarmos contra o inimigo.
Para serem eficazes, os líderes precisam das referências certas: treino bíblico sólido sob homens de Deus, que verdadeiramente conhecem Deus e a Sua palavra; e a mão de Deus, presente de modo óbvio na vida do líder. Assim, estava na hora de Deus estabelecer Josué como Seu representante para guiar a nação.
Atente a Josué 4:14. É significante ter sido Deus a realizar a exaltação. A nossa tendência é exaltarmo-nos a nós mesmos; porém Josué, referindo-se à mensagem de Deus, nada disse acerca desta promessa de exaltação. Em lugar disso, ao mencionar as palavras de Deus concernentes a Israel, focou a atenção das pessoas no facto de que era o Deus vivo quem estava entre elas, e que apenas Ele despojaria os inimigos da terra (vs. 10).
Dado serem os sacerdotes que levavam a Arca da Aliança, e uma vez que a mesma representava a pessoa e poder de Deus, transportariam sozinhos a Arca até à borda do rio, mantendo-se quietos dentro de água. O que retiramos daqui? Somos lembrados do nosso papel no plano de Deus. Devemos aprender a caminhar na fé e obediência aos princípios e promessas da Escritura. O sucedido recorda-nos da necessidade de confiarmos nas promessas de Deus. Não era suposto que entrassem nas águas a correr. Trata-se de uma passagem idêntica às palavras de Moisés em Êxodo 14:13-14, quando os israelitas se encontravam cercados, tendo à sua frente o Mar Vermelho e atrás de si o Faraó e suas carruagens.
Moisés, porém, disse ao povo: Não temais; estai quietos3 e vede o livramento (hebraico, yeshu‚àa‚) do Senhor, que hoje vos fará: porque aos egípcios, que hoje vistes, nunca mais vereis, para sempre: O Senhor pelejará por vós, e vos calareis. (Êxodo 14:13-14).
Sou recordado de Isaías 30:15: “Porque, assim diz o Senhor Jeová, o Santo de Israel: Em vos converterdes, e em repousardes, estaria a vossa salvação; no sossego e na confiança estaria a vossa força, mas não quisestes…”
A mensagem principal do versículo 9 consiste em escutar as “palavras do Senhor, vosso Deus”. Nisto observamos o conceito de Romanos 10:17, “De sorte que a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus”. O que podemos aprender aqui que se aplique à liderança? Entre o povo de Deus, a autoridade dos líderes tem de ser a Escritura, em detrimento da sua personalidade, carisma ou qualquer outra coisa que apele às pessoas.
A que se refere a palavra “Nisto” no versículo 10? À Arca da Aliança. Repare no versículo 11. Focava-se na verdade de que “a batalha é do Senhor” ou, como Josué disse, “Nisto conhecereis que o Deus vivo está no meio de vós; e que de todo lançará de diante de vós aos cananeus, …” (3:10). O que sustém os crentes é a presença de Deus enquanto único Deus vivente, independentemente do que a vida possa trazer. O segredo é manter-se concentrado na Sua presença e confiar n’Ele.
Durante a Guerra Civil, a cidade de Moresfield, West Virginia, encontrava-se na linha divisória, oscilando para trás e para a frente entre as tropas da União e da Confederação. Numa velha casa, que ainda hoje existe, vivia sozinha uma mulher de certa idade. Uma manhã, as tropas ianques pisaram o seu alpendre. Julgando-se à sua mercê, ela permaneceu calma e convidou-os a sentarem-se à sua mesa.
Assim que o pequeno-almoço se encontrava diante deles, disse: “É um costume antigo nesta casa rezar antes das refeições. Espero que não se importem”. Com isso, pegou na Bíblia, abriu-a ao acaso e começou a ler do Salmo 27 (Versão Rei Jaime):
“O Senhor é a minha luz e a minha salvação; a quem temerei? O Senhor é a força da minha vida; de quem me recearei? 2 Quando os malvados, meus adversários e meus inimigos, investiram contra mim, para comerem as minhas carnes, tropeçaram e caíram. 3 Ainda que um exército me cercasse, o meu coração não temeria: ainda que a guerra se levantasse contra mim, nele confiaria. … 13 Pereceria sem dúvida, se não cresse que veria os bens do Senhor na terra dos viventes. 14 Espera no Senhor, anima-te, e ele fortalecerá o teu coração; espera, pois, no Senhor.”
Quando terminou, murmurou baixinho “Oremos”. Enquanto rezava, ouviu sons furtivos de sapatos a arrastar. Ao terminar com “Amén”, abriu os olhos. Os soldados tinham desaparecido! A sua falta de medo fizera-os receosos de se deterem ali mais tempo! 4
14 E aconteceu que, partindo o povo das suas tendas, para passar o Jordão, levavam os sacerdotes a arca do concerto, diante do povo. 15 E quando os que levavam a arca chegaram até ao Jordão, e os pés dos sacerdotes que levavam a arca se molharam na borda das águas (porque o Jordão transbordava sobre todas as suas ribanceiras todos os dias da sega), 16 Pararam as águas que vinham de cima; levantaram-se num montão, mui longe da cidade de Adam, que está da banda de Sartan; e as que desciam ao mar das campinas, que é o mar salgado, faltavam de todo e separaram-se: então passou o povo defronte de Jericó. 17 Porém os sacerdotes que levavam a arca do concerto do Senhor pararam firmes, em seco, no meio do Jordão; e todo o Israel passou em seco, até que todo o povo acabou de passar o Jordão.
Depois de deixarem o acampamento, como instruídos, os sacerdotes lideravam o caminho, carregando a Arca da Aliança, e caminharam até ao Jordão, que transbordara sobre as suas margens. Isso deve ter constituído uma visão aterradora mas, confiando na presença do Deus vivente, avançaram para dentro de água. Imediatamente, ocorreu um milagre.
No Bible Knowledge Commentary, Campbell escreve:
Embora o local chamado “Adam” apenas seja mencionado aqui, é usualmente identificado como Tell ed-Damiyeh, cerca de 16 milhas (26 quilómetros) a norte do baixio oposto a Jericó. Portanto, foi seca uma ampla faixa de leito do rio, permitindo que o povo passasse com os seus animais e bagagens (compare com Josué 4:10).
Como poderia ocorrer este evento sensacional? Muitos insistem que não se terá tratado de um milagre, uma vez que pode ser explicado como um fenómeno natural. Argumentam que, a 8 de Dezembro de 1267, um tremor de terra levou as margens altas do Jordão a colapsar perto de Tell ed-Damiyeh, obstruindo o rio durante 10 horas. Em 11 de Julho de 1927, outro terramoto próximo da mesma localização bloqueou o rio por 21 horas. Claro que estas paragens não ocorreram durante a época das cheias. Admitidamente, Deus poderia empregar causas naturais, tais como um terramoto ou um deslizamento de terra e, ainda assim, o facto de acontecerem no momento perfeito constituiria uma intervenção miraculosa. Mas permite o texto bíblico tal interpretação deste evento?
Considerando todos os factores envolvidos, parece mais acertado olhar para esta ocorrência como um acto especial de Deus, propiciado de uma forma desconhecida ao homem. Foram reunidos muitos elementos sobrenaturais: (1) O evento aconteceu tal como previsto (3:13, 15). (2) Aconteceu no momento exacto (v.15). (3) O evento teve lugar quando o rio se encontrava na fase das cheias (v.15). (4) A parede de água foi mantida no lugar durante muitas horas, possivelmente um dia inteiro (v.16). (5) O leito macio e húmido do rio ficou seco de uma vez (v.17). (6) Mal o povo terminou a travessia e os sacerdotes saíram do rio, a água regressou imediatamente (4:18).5
À medida que uma pessoa estuda o terceiro capítulo e se maravilha face à miraculosa obra de Deus nele retratada, surge um princípio importante que não deve ser negligenciado. Atravessar o Jordão na época das cheias com dois milhões de pessoas teve diversos resultados imediatos: Deus foi magnificado, Josué exaltado (3:5), o povo ficou certamente energizado e motivado, e os habitantes da terra, os cananeus, ficaram aterrorizados (compare com 1:9; 5:1). Deus estava a entregar-lhes a terra. De facto, Ele já o fizera, providencialmente falando (1:2-6; 2:9), porém o povo da terra não ia simplesmente submeter-se. Os nativos resistiriam com todos os recursos ao seu dispor. Atravessar o Jordão e tomar posse do que lhes pertencia não seria fácil. Implicaria batalha atrás de batalha. Cruzar o Jordão, portanto, significava duas coisas para Israel. Primeiramente, deveriam estar totalmente empenhados quanto a avançar contra exércitos, carruagens e cidades fortificadas. Contudo, a fim de serem bem-sucedidos, também teriam de se comprometer com um percurso de fé focado em Yahweh, o único Deus verdadeiro e vivente, em vez de, tal como haviam feito no deserto, caminharem de acordo com a carne e os seus próprios recursos.
Para os fiéis actuais, atravessar o Jordão representa transitar de um patamar da vida cristã para outro. (Não se trata de uma imagem do crente que morre e entra no Céu. Para os israelitas, Canaã dificilmente seria o Paraíso!) É a imagem de penetrar na guerra espiritual, reclamando o que Deus prometeu. Tal deverá significar o fim de uma vida baseada no esforço humano e o início de uma existência de fé e obediência. 6
1 Sucedeu, pois, que, acabando todo o povo de passar o Jordão, falou o Senhor a Josué, dizendo: 2 Tomai do povo doze homens, de cada tribo um homem; 3 E mandai-lhes, dizendo: Tomai daqui, do meio do Jordão, do lugar do assento dos pés dos sacerdotes, doze pedras; e levai-as convosco, à outra banda, e depositai-as no alojamento em que haveis de passar esta noite. 4 Chamou, pois, Josué os doze homens que escolhera, dos filhos de Israel: de cada tribo um homem; 5 E disse-lhes Josué: Passai diante da arca do Senhor, vosso Deus, ao meio do Jordão; e levante cada um uma pedra sobre o seu ombro, segundo o número das tribos dos filhos de Israel; 6 Para que isto seja por sinal entre vós; e quando os vossos filhos, no futuro, perguntarem, dizendo: Que vos significam estas pedras? 7 Então lhes direis que as águas do Jordão se separaram diante da arca do concerto do Senhor; passando ela pelo Jordão, separaram-se as águas do Jordão: assim, estas pedras serão, para sempre, por memorial aos filhos de Israel.
8 Fizeram, pois, os filhos de Israel, assim como Josué tinha ordenado, e levantaram doze pedras do meio do Jordão, como o Senhor dissera a Josué, segundo o número das tribos dos filhos de Israel, e levaram-nas consigo ao alojamento, e as depositaram ali. 9 Levantou Josué, também, doze pedras, no meio do Jordão, no lugar do assento dos pés dos sacerdotes que levavam a arca do concerto; e ali estão, até ao dia de hoje. 10 Pararam, pois, os sacerdotes que levavam a arca, no meio do Jordão, em pé, até que se cumpriu quanto o Senhor a Josué mandara dizer ao povo, conforme a tudo quanto Moisés tinha ordenado a Josué; e apressou-se o povo, e passou. 11 E sucedeu que, assim que todo o povo acabou de passar, então passou a arca do Senhor e os sacerdotes, à vista do povo. 12 E passaram os filhos de Ruben, e os filhos de Gad, e a meia tribo de Manassés, armados, na frente dos filhos de Israel, como Moisés lhes tinha dito; 13 Uns quarenta mil homens de guerra, armados, passaram diante do Senhor, para a batalha, às campinas de Jericó. 14 Naquele dia, o Senhor engrandeceu a Josué diante dos olhos de todo o Israel; e temeram-no, como haviam temido a Moisés, todos os dias da sua vida.
15 Falou, pois, o Senhor a Josué, dizendo: 16 Dá ordem aos sacerdotes que levam a arca do testemunho que subam do Jordão. 17 E deu Josué ordem aos sacerdotes, dizendo: Subi do Jordão. 18 E aconteceu que, como os sacerdotes que levavam a arca do concerto do Senhor subiram do meio do Jordão, e as plantas dos pés dos sacerdotes se puseram em seco, as águas do Jordão se tornaram ao seu lugar, e corriam, como dantes, sobre todas as suas ribanceiras.
19 Subiu, pois, o povo, do Jordão, no dia dez do mês primeiro; e alojaram-se em Gilgal, da banda oriental de Jericó. 20 E as doze pedras, que tinham tomado do Jordão, levantou Josué em Gilgal. 21 E falou aos filhos de Israel, dizendo: Quando, no futuro, os vossos filhos perguntarem aos seus pais, dizendo: Que significam estas pedras? 22 Fareis saber aos vossos filhos, dizendo: Israel passou em seco este Jordão. 23 Porque o Senhor, vosso Deus, fez secar as águas do Jordão, diante de vós, até que passásseis; como o Senhor, vosso Deus, fez ao Mar Vermelho, que fez secar perante nós, até que passámos. 24 Para que todos os povos da terra conheçam a mão do Senhor, que é forte: para que temais ao Senhor, vosso Deus, todos os dias.
Outro título para este capítulo poderia ser “A fim de que não nos esqueçamos”. A preocupação encontrada na Bíblia quanto à nossa propensão para esquecer o Senhor, as Suas obras de salvação e santificação e o que isto significa para nós mediante o nosso chamamento é um dos temas mais destacados da Escritura.
Comecemos por uma ilustração da vida de Israel, conforme registada para nós em Êxodo 15:
1 Então cantou Moisés e os filhos de Israel este cântico ao Senhor; e falaram, dizendo: Cantarei ao Senhor, porque sumamente se exaltou: lançou no mar o cavalo e o seu cavaleiro. 2 O Senhor é a minha força, e o meu cântico; ele me foi por salvação; este é o meu Deus, portanto, lhe farei uma habitação; ele é o Deus de meu pai, por isso o exaltarei. 3 O Senhor é varão de guerra: o Senhor é o seu nome. 4 Lançou no mar os carros de Faraó e o seu exército: e os seus escolhidos príncipes afogaram-se no Mar Vermelho. 5 Os abismos os cobriram: desceram às profundezas como pedra. 6 A tua dextra, ó Senhor, se tem glorificado em potência: a tua dextra, ó Senhor, tem despedaçado o inimigo; 7 E com a grandeza da tua excelência derribaste aos que se levantaram contra ti: enviaste o teu furor, que os consumiu como restolho. 8 E com o sopro dos teus narizes amontoaram-se as águas, as correntes pararam como montão: os abismos coalharam-se no coração do mar. 9 O inimigo dizia: Perseguirei, alcançarei, repartirei os despojos: fartar-se-á a minha alma deles, arrancarei a minha espada, a minha mão os destruirá. 10 Sopraste com o teu vento, o mar os cobriu: afundaram-se como chumbo em veementes águas. 11 Ó Senhor, quem é como tu, entre os deuses? quem é como tu, glorificado em santidade, terrível em louvores, obrando maravilhas? 12 Estendeste a tua mão direita: a terra os tragou. 13 Tu, com a tua beneficência, guiaste a este povo, que salvaste: com a tua força o levaste à habitação da tua santidade. 14 Os povos o ouvirão, eles estremecerão: apoderar-se-á uma dor dos habitantes da Palestina. 15 Então os príncipes de Edom se pasmarão, dos poderosos dos moabitas apoderar-se-á um tremor, derreter-se-ão todos os habitantes de Canaan. 16 Espanto e pavor cairá sobre eles: pela grandeza do teu coração emudecerão como pedra; até que o teu povo haja passado, ó Senhor, até que passe este povo que adquiriste. 17 Tu os introduzirás e os plantarás no monte da tua herança, no lugar que tu, ó Senhor, aparelhaste para a tua habitação, no santuário, ó Senhor, que as tuas mãos estabeleceram. 18 O Senhor reinará eterna e perpetuamente;
19 Porque os cavalos de Faraó, com os seus carros e com os seus cavaleiros, entraram no mar, e o Senhor fez tornar as águas do mar sobre eles; mas os filhos de Israel passaram em seco, pelo meio do mar. 20 Então Miriam, a profetisa, a irmã de Aarão, tomou o tamboril na sua mão, e todas as mulheres saíram atrás dela, com tamboris e com danças. 21 E Miriam lhes respondia: Cantai ao Senhor, porque sumamente se exaltou, e lançou no mar o cavalo com o seu cavaleiro.
22 Depois, fez Moisés partir os israelitas do Mar Vermelho, e saíram ao deserto de Sur: e andaram três dias no deserto, e não acharam águas. 23 Então chegaram a Mara; mas não puderam beber as águas de Mara, porque eram amargas: por isso, chamou-se o seu nome Mara. 24 E o povo murmurou contra Moisés, dizendo: Que havemos de beber? 25 E ele clamou ao Senhor, e o Senhor mostrou-lhe um lenho que lançou nas águas, e as águas se tornaram doces: ali lhes deu estatutos e uma ordenação, e ali os provou. 26 E disse: Se ouvires atento a voz do Senhor, teu Deus, e obrares o que é recto diante de seus olhos, e inclinares os teus ouvidos aos seus mandamentos, e guardares todos os seus estatutos, nenhuma das enfermidades porei sobre ti, que pus sobre o Egipto; porque eu sou o Senhor que te sara.
27 Então vieram a Elim, e havia ali doze fontes de água e setenta palmeiras: e ali se acamparam junto das águas.
Em apenas três dias, este povo, que assistira e louvara as obras poderosas de Deus, parecia ter desenvolvido um caso súbito e grave de amnésia. Em vez de se queixarem da falta de água e mais tarde das águas amargas de Mara, poderíamos esperar que dissessem: “Senhor, lembramo-nos da forma como nos salvaste da nossa escravidão no Egipto e afastaste as águas do Mar Vermelho, e de como destruíste os cavalos do Faraó, as suas carruagens e cavaleiros no mar; e agora, ó Senhor, sabemos que nos trouxeste até aqui em cumprimento dos Teus propósitos, por isso estamos confiantes de que Tu...”
Contudo, lemos em vez disso: “E o povo murmurou contra Moisés, dizendo: Que havemos de beber?” (Êxodo 15:24).
Foquemo-nos em algumas advertências no Antigo Testamento acerca da memória:
A Fim de que Não Esqueçamos |
Para que Possamos Recordar |
Êx. 12-51-13:8; Deut. 4:9-10, 23, 31. |
Ordens positivas para recordar: Deut. 6:12; Deut. 7:18, Deut. 8:2 |
Deut. 5:15; 15:15— recordar o negativo, a vida da qual Deus nos redimiu como motivação contra esquecer a graça de Deus. |
Ilustrações negativas de recordar, fazendo-nos esquecer o positivo: Núm. 11:5.
|
Deut. 8:11, 14, 18-19; |
Deut. 9:7; 16:3; 32:7 |
Estes versículos abrangem apenas uma lista parcial de avisos e ordens no sentido de recordar em detrimento de esquecer, conforme as nossas tendências naturais. O memorial das pedras assenta em três objectivos:
(1) Um Sinal Memorial destinado a promover encorajamento e reverência em todo o Israel, para sempre. O nome Gilgal provém de uma palavra que significa “uma roda”; por sua vez, esta deriva da palavra galal, significando “rolar algum objecto sobre, em cima, para longe, contra, até”. Gilgal significa quer “rotação”, quer “círculo de pedras”. Portanto, cada vez que Israel regressasse a Gilgal, veria o círculo de pedras, lembrando o que Deus fizera a fim de afastar o opróbrio do Egipto (repare em Josué 5:9, que utiliza o verbo galal). A própria localização das pedras seria um encorajamento, mas também um lembrete do poder soberano do Senhor sobre as nações e a criação, de modo a que temessem o Senhor eternamente e permanecessem fiéis ao seu propósito no plano de Deus (compare com Êx. 19:4-6; Deut. 4:1-9).
(2) Um Sinal Memorial destinado a promover a instrução das gerações futuras (4:6b-7, 21-23). Em duas secções do capítulo, abrangendo cinco versículos, os pais são lembrados da sua responsabilidade quanto à transmissão da Palavra de Deus e Seu chamamento aos filhos, geração após geração. Os pais não ousam nem podem abdicar desse aspecto. Deus confia-lhes tal privilégio e responsabilidade. (Compare: Deut. 4:9; 6:6 ss; e Juízes 2:1 ss; 3:1-7; 8:34; 21:25.)
(3) Um Sinal Memorial de testemunho para outras nações (4:24a). Aqui, Deus recorda novamente a Israel o seu propósito enquanto nação sacerdotal (Êx. 19:4-6; 1 Pedro 2:5, 9-11). A aplicabilidade na nossa vida deverá ser óbvia. Os cristãos são pedras vivas de um templo santo, memoriais vivos do poder de Deus. Porém, também nós enfrentamos a ameaça de esquecermos o Senhor, olvidando o nosso carácter de peregrinos devido à preocupação com o mundo.
Em jeito de aplicação, quais são algumas das coisas que fazemos regularmente, e somos chamados a realizar, que constituem memoriais da graça salvadora de Deus, bem como do nosso chamamento enquanto crentes em Cristo?
Texto original de J. Hampton Keathley, III.
Tradução de C. Oliveira.
1 Donald K. Campbell, Joshua, Leader Under Fire, Victor Books, Wheaton, 1989, pp. 26-27.
2 John F. Walvoord, Roy B. Zuck, Editors, The Bible Knowledge Commentary, Victor Books, Wheaton, 1983,1985, versão electrónica.
3 A palavra hebraica aqui, yasab, significa “colocar, posicionar-se, tomar o seu lugar”, mas é usada “especialmente quanto a manter-se quieto e passivo, para ver a salvação poderosa de Yahweh.” (Francis Brown, S. R. Driver, Charles A. Briggs, A Hebrew and English Lexicon of the Old Testament, Oxford University Press, London, 1907, p. 426).
4 Campbell, p. 30.
5 Walvoord/Zuck, versão electrónica.
6 Walvoord/Zuck, versão electrónica.
O capítulo 5 descreve a santificação do povo de Israel, em preparação para a grandiosa tarefa diante deles. Dessa forma, aparece como uma ponte entre a travessia do Jordão e o início das campanhas militares destinadas a subjugar os nativos da terra. Porém, para muitas pessoas, especialmente se treinadas em táctica militar, este capítulo poderá parecer um enigma, pelo menos do ponto de vista humano. Obviamente, tal é precisamente o assunto aqui analisado. Os caminhos de Deus são infinitamente superiores aos nossos. Todas as aparências indicavam que era a hora certa para atacar o inimigo. Ao ter cruzado o Jordão miraculosamente, o povo de Israel estava cheio de excitação e motivação. Aparentemente, sabiam que o inimigo se encontrava desorganizado sob um ponto de vista moral (5:1); assim, decerto, era a altura certa para avançar. Muitos dos líderes militares sob o comando de Josué talvez pensassem: “Por amor de Deus, não esperemos mais! Vamos! Este é o momento lógico e o inimigo está pronto para ser tomado!”.
Contudo, existem na economia e planeamento de Deus valores, prioridades e princípios espirituais muito mais vitais e fundamentais para a vitória ou para a nossa capacidade de atacar e demolir a fortaleza que o mundo erigiu contra o conhecimento e propósito de Deus (2 Cor. 10:4-5). Contemplando as condições a partir da nossa perspectiva de prazos, sentindo a pressão para realizar e cumprir tarefas de modo a agradar a outros e por vezes aos nossos próprios egos, encontramo-nos demasiadas vezes cheios de pressa quanto “a nos fazermos à estrada”. Porém, a fim de sermos bem-sucedidos do ponto de vista de Deus, certas coisas são essenciais se vamos atacar as diversas fortalezas da vida na Sua força e de acordo com os Seus princípios. Talvez uma carta redigida por um inglês durante a Segunda Guerra Mundial ilustre o tópico:
Como um só homem, toda a nação entregou os seus recursos ao Governo. Concedemos ao Conselho de Ministros o direito a recrutar qualquer um de nós para qualquer tarefa, a se apropriar dos nossos bens, dinheiro, tudo. Nunca os ricos atribuíram tão pouca importância à sua riqueza; jamais estivemos tão prontos a abdicar da própria vida, contanto a nossa causa possa triunfar. 1
Antes que Israel estivesse pronto a enfrentar o inimigo, precisava de uma preparação similar de coração e disposição, a fim de se submeter às ordens de Deus e experienciar o Seu poder. De modo a assegurar a vitória, Deus conduziu os israelitas através de vários eventos, destinados a instruí-los e prepará-los para a batalha. O capítulo 5 abrange cinco secções instrutivas, cada uma fundamental à vitória. Incluem os seguintes aspectos:
(1) Uma declaração concernente à moral dos nativos da terra (5:1). Essencial à vitória espiritual é compreendermos que, em Cristo, todos os inimigos que enfrentamos são, essencialmente, adversários derrotados (compare Rom. 6; Col. 2:1-15; Heb. 2:14).
(2) A renovação do ritual da circuncisão (5:2-9). Enquanto sinal da aliança de Deus com Abraão, a circuncisão representava a fé de Israel nas promessas de Deus, que incluíam a posse da terra como sua herança. Era um acto de fé e de preparação espiritual.
(3) A observância da Páscoa (5:10). Ao participar na Páscoa, Israel reviveria a sua libertação do Egipto através do sangue do Cordeiro; mas, tal como acontecia com a circuncisão, a Páscoa estava também relacionada com a terra. Do mesmo modo que observar a Páscoa no Egipto os protegera do anjo destruidor, assegurou-lhes também duas outras coisas: (a) tal como à travessia do Mar Vermelho se seguira a destruição dos egípcios, (b) à travessia do Jordão suceder-se-ia a derrota dos cananeus. Lembrar o passado tornara-se uma excelente preparação da fé para os testes do futuro.
(4) Comer da colheita da terra após a cessação do maná (5:11-12). Conforme foi descrito, a observância da Páscoa simbolizava a libertação do Egipto proporcionada por Deus e a salvação do julgamento do anjo destruidor; mas, para o povo da aliança de Deus, a libertação do Egipto incluía a promessa da herança da terra, lugar de abundância, terra de trigo, cevada, figueiras, azeite e mel (compare Deut. 8:8-9). Falava do seu novo começo, da sua nova vida como o povo de Deus salvo do julgamento e fixo no lugar da bênção. Permita-me repetir o princípio: a Páscoa não apenas olhava para trás, mas contemplava sobretudo o que estava adiante, a vida nova na terra, aproveitando as bênçãos abundantes pelo poder de Deus. Assim, comer da produção agrícola era um acto de confirmação da bênção abundante de Deus.
(5) O encontro de Josué com o Capitão das hostes do Senhor (5:13-15) torna-se o último evento-chave de preparação, sobre o qual nos debruçaremos mais tarde.
E sucedeu que, ouvindo todos os reis dos amorreus, que habitavam desta banda do Jordão, ao ocidente, e todos os reis dos cananeus, que estavam ao pé do mar, que o Senhor tinha secado as águas do Jordão de diante dos filhos de Israel, até que passámos, derreteu-se-lhes o coração, e não houve mais ânimo neles, por causa dos filhos de Israel.
A primeira declaração importante no versículo 1 mostra o estado desmoralizado dos habitantes da terra. No fundo, constituíam já um adversário derrotado. Temiam a nação de Israel, devido às obras poderosas de Deus, descritas no versículo 1. Porém, esta verdade tem de ser interpretada à luz do duplo propósito de 4:24, um concernente às nações, “para que todos os povos da terra conheçam a mão do Senhor, que é forte”, e o outro a Israel, “para que temais ao Senhor, vosso Deus”.
Antes de passarmos à renovação da circuncisão, será útil reflectirmos brevemente sobre as declarações do versículo 1, relativas à moral dos nativos diante das obras poderosas de Deus. Existem aqui alguns paralelismos significantes e instrutivos com o Novo Testamento.
É vital que o povo de Deus reconheça e perceba que o Senhor não só É mais poderoso do que todos os nossos inimigos, sejam eles o mundo, a carne ou o diabo, mas também os derrotou para nós na pessoa e obra de Cristo, o Vitorioso. Em João 16:33, Jesus encorajou os Seus discípulos com estas palavras: “Tenho-vos dito isto, para que em mim tenhais paz; no mundo tereis aflições, mas, tende bom ânimo, eu venci o mundo”. Uma vez que Cristo é verdadeiramente o Vencedor, também nós podemos ser vencedores; de facto, somos super-conquistadores n’Ele. Contudo, a nossa capacidade para conquistar e destruir as fortalezas edificadas contra o conhecimento de Deus e o seu impacto em nós e nos outros está sempre dependente da nossa vida nova no Salvador. Por esta razão, Paulo orou: “E, graças a Deus, que sempre nos faz triunfar em Cristo, e por meio de nós manifesta, em todo o lugar, o cheiro do seu conhecimento” (2 Cor. 2:14, ênfase minha).
Mas triunfar em Cristo não é automático. Vencer através do Salvador exige que nos relacionemos correctamente com Ele, e ainda que nos foquemos e dependamos d’Ele como fonte do nosso caminho diário, passo a passo. A nossa necessidade é a de sermos fortes no Senhor e na força do Seu poder (Efésios 6:10 ss). Por tal razão, Israel não só precisava de saber que enfrentava um adversário derrotado e desmoralizado, mas também necessitava de preparação espiritual. Assim, o Senhor conduziu-os através de uma série de experiências importantes, de modo a fortificá-los e prepará-los para entrarem na batalha que os aguardava.
2 Naquele tempo, disse o Senhor a Josué: Faz facas de pedra, e torna a circuncidar, segunda vez, aos filhos de Israel. 3 Então Josué fez para si facas de pedra, e circuncidou aos filhos de Israel, no monte dos prepúcios. 4 E foi esta a causa por que Josué os circuncidou: todo o povo que tinha saído do Egipto, os varões, todos os homens de guerra, eram já mortos no deserto, pelo caminho, depois que saíram do Egipto. 5 Porque todo o povo que saíra estava circuncidado, mas a nenhum do povo que nascera no deserto, pelo caminho, depois de terem saído do Egipto, haviam circuncidado. 6 Porque quarenta anos andaram os filhos de Israel pelo deserto, até se acabar toda a nação, os homens de guerra, que saíram do Egipto, que não obedeceram à voz do Senhor; aos quais o Senhor tinha jurado que lhes não havia de deixar ver a terra que o Senhor jurara aos seus pais dar-nos; terra que mana leite e mel. 7 Porém, em seu lugar, pôs a seus filhos; a estes Josué circuncidou: porquanto estavam incircuncisos, porque os não circuncidaram no caminho. 8 E aconteceu que, acabando de circuncidar a toda a nação, ficaram no seu lugar, no arraial, até que sararam. 9 Disse mais o Senhor a Josué: Hoje revolvi de sobre vós o opróbrio do Egipto; pelo que o nome daquele lugar se chamou Gilgal, até ao dia de hoje.
No versículo 2, o Senhor instrui Josué a circuncidar os filhos de Israel pela segunda vez. Obviamente, “segunda vez” não significa que os homens já circuncidados sê-lo-iam de novo. Em vez disso, enquanto nação, seria a segunda vez que todos os homens eram circuncidados, tendo a primeira ocorrido enquanto a geração antiga ainda estava no Egipto. Durante o período de escravidão no Egipto, os filhos de Israel não praticaram a circuncisão, não até estarem prestes a partir. A circuncisão era uma prática egípcia com conotações religiosas, reservada aos sacerdotes e cidadãos de classes superiores. Devido a isto, é provável que estivesse proibida aos israelitas. De qualquer modo, todo o homem participante na Páscoa no Egipto, israelita nato ou estrangeiro, foi circuncidado na altura (compare Josué 5:5 com Êx. 12:43-49). Em Êxodo 12:50, o comentário relativo a esta circuncisão é “…e todos os filhos de Israel o fizeram”.
Mas porquê a renovação do ritual da circuncisão, especialmente nesta altura, em que decerto deixaria os homens de guerra mais vulneráveis a ser atacados, incapacitando-os durante algum tempo? Ilustrando os efeitos da circuncisão em homens adultos, confira a história em Génesis 34, a respeito dos siquemitas e dos filhos de Jacob. Os homens siquemitas, que queriam casar-se com mulheres israelitas, concordaram em ser circuncidados, mas isso era apenas um estratagema destinado a incapacitá-los para lutar. Lê-se em Génesis 34:25: “Três dias depois, quando os homens de Siquém estavam ainda enfraquecidos pelas dores, Simeão e Levi, irmãos de Dina, agarraram cada um uma espada, entraram tranquilamente na cidade e mataram todos os homens”.
A sabedoria humana convocaria um ataque imediato; porém, em vez disso, Deus decretou um atraso, com o propósito de preparação espiritual. Os versículos 4-9 explicam as razões específicas:
(1) Nenhum homem nascido após a saída do Egipto ou durante a permanência no deserto havia sido circuncidado. Os israelitas falharam a prática da circuncisão enquanto estiveram no deserto (vss. 4-7). Tal pode ser uma evidência adicional da sua desobediência e falta de fé e confiança na aliança de Deus com a nação através de Abraão. Mas, mais do que tudo, devido ao significado da circuncisão, seria impróprio praticarem-na no deserto, como um povo julgado que ali morreria. A circuncisão era um sinal das promessas da aliança de Deus com Abraão, que incluíam a posse da terra (confira Gén. 17:8 ss). Devido à sua descrença, a geração antiga jamais a possuiria.
(2) A circuncisão, enquanto sinal da aliança, era um meio que permitia identificar-se com as promessas da aliança de Deus com Abraão e seus descendentes, a nação de Israel. Como tal, seria um sinal de fé naquilo que Deus faria através e pelo Seu povo. Indubitavelmente, por esta razão, nenhum homem poderia participar legitimamente na Páscoa se não estivesse circuncidado (Êx. 12:43 ss). A Páscoa recordava Israel da sua libertação do Egipto, mas essa libertação tinha como objectivo a posse da terra.
(3) O Senhor reconheceu a realização da circuncisão com as palavras “Hoje revolvi de sobre vós o opróbrio do Egipto; pelo que o nome daquele lugar se chamou Gilgal, até ao dia de hoje” (vs. 9). Conforme visto anteriormente, Gilgal significa “círculo”, referindo-se ao círculo de pedras colocado em Gilgal quando atravessaram o Jordão, servindo como memorial da salvação de Deus. Como também foi destacado, Gilgal provém do hebraico galal, “rolar algum objecto sobre, em cima, para longe, contra, até". A palavra que originou o termo roda (um círculo que rola, como usado numa carruagem) provém desse vocábulo. Assim, há aqui um jogo de palavras que se destina a ensinar uma verdade importante.
O que era o opróbrio do Egipto? Baseado em Génesis 34:14, Unger pensa que o “opróbrio era a vergonha e a desgraça da incircuncisão”2. Mas Ryrie, provavelmente por causa de Êxodo 32:12, acredita que se refere às “provocações tecidas pelos egípcios aos israelitas, devido à incapacidade de obterem a sua terra prometida” 3.
Um novo significado associa-se assim ao nome Gilgal. Primeiro, Gilgal simbolizaria o que Deus fizera ao afastar as águas do Jordão, de modo a poderem atravessar em solo enxuto. Porém, em segundo lugar, também recordaria Israel do que havia feito como acto de fé e obediência através do ritual da circuncisão. Esta simbolizava a sua fé no que Deus faria para os capacitar a possuir a terra. Incluído nisso, encontrava-se o seu compromisso único relativamente a Ele e aos Seus propósitos para eles enquanto Seu povo. 4
Foram estas duas coisas – as obras poderosas de Deus e o acto de fé dos israelitas – que revolveram para longe o opróbrio do Egipto. Em Gilgal, as pessoas deveriam lembrar-se das promessas da aliança de Deus e da libertação passada, no intuito de viverem como Seu povo e tomarem posse do que lhes pertencia nos dias que se seguiriam.
No fundo, portanto, em Gilgal Deus estava a dizer: “para serem vitoriosos contra os inimigos da terra, vocês têm de ser um povo santo, confiando em Mim para lutar nas vossas batalhas; têm de confiar nas promessas da Minha aliança e de se comprometer a ser o Meu povo, mantendo sempre em mente o vosso propósito enquanto uma nação de sacerdotes, Minha propriedade de entre todos os povos da terra” (Êx. 19:5-6).
10 Estando, pois, os filhos de Israel alojados em Gilgal, celebraram a páscoa, no dia catorze do mês, à tarde, nas campinas de Jericó.
Uma vez concluída a circuncisão, os israelitas estavam espiritualmente preparados e qualificados para observarem a Páscoa. É também notável o facto de terem atravessado mesmo a tempo de a celebrarem no dia catorze do mês. Repare na precisão temporal de Deus aqui demonstrada.
Esta era apenas a terceira Páscoa que o povo festejava. A primeira fora no Egipto (Êx. 12:1-28), a segunda no Monte Sinai, mesmo antes de levantarem acampamento (Núm. 9:1-5), e a terceira em Gilgal. Mas porquê a Páscoa? Ao participarem na Páscoa, reviveriam a sua libertação do Egipto através do sangue do Cordeiro, borrifado sobre os umbrais e o lintel das suas casas. Campbell escreve:
À medida que os cordeiros eram mortos, era-lhes assegurado que, tal como a travessia do Mar Vermelho fora seguida pela destruição dos egípcios, também a travessia do Jordão seria seguida pela derrota dos cananeus. Assim, recordar o passado tornava-se uma excelente preparação para as provas do futuro.5
A Páscoa não só lhes recordava a sua libertação e redenção do Egipto, como ainda antecipava outras vitórias – a derrota dos cananeus, mas também uma vitória concretizada em Jerusalém, no Calvário. Apontava naturalmente para a cruz, na qual Cristo, nossa Páscoa, foi sacrificado por nós.
Alimpai-vos, pois, do fermento velho, para que sejais uma nova massa, assim como estais sem fermento. Porque Cristo, nossa páscoa, foi sacrificado por nós (1 Cor. 5:7).
Tal como a circuncisão encontra o seu paralelo no baptismo do crente do Novo Testamento, também a Páscoa se equipara à Ceia do Senhor. A Ceia do Senhor, ou Comunhão, é aquele acto de adoração no qual devemos igualmente lembrar a pessoa e obra do Salvador enquanto o Cordeiro de Deus, que morreu em nosso lugar, carregando o nosso pecado para que pudéssemos possuir vida em abundância.
Existem algumas semelhanças importantes entre a Páscoa e a Ceia do Senhor:
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A Páscoa |
A Ceia do Senhor |
A Páscoa era um memorial de uma libertação física do Egipto, mediante o sacrifício de um cordeiro (Êx. 12:1 ss). |
A Ceia do Senhor é um memorial de uma libertação espiritual em Jerusalém, através do sacrifício do Cordeiro (João 1:29; 1 Cor. 5:7). |
A Páscoa era ainda uma antecipação envolta em sombras e presságios de uma realização futura – a pessoa e obra de Cristo no Seu primeiro advento, que abrange o Seu nascimento, vida sem pecado e morte na Cruz como o Cordeiro de Deus, de modo a resgatar-nos das garras do pecado. |
A Ceia do Senhor não só aponta para a realização desses prenúncios, mas também deve ser mantida em jeito de antecipação de um cumprimento futuro, o segundo advento e reino de Deus na terra, quando o Cordeiro se tornar o Leão. |
A primeira Ceia do Senhor foi também a última Páscoa, pelo menos biblicamente falando, pois instituiu através da Cruz a Nova Aliança da relação de Deus com os homens, encerrando a Antiga Aliança, que consistia em prenúncios e sombras (confira Heb. 8:6-13). À medida que se estuda o ritual da Páscoa e a forma como esta era observada de acordo com a Escritura, isto torna-se ainda mais evidente e significativo, em especial se considerar o modo como a Páscoa é celebrada actualmente pela comunidade judaica. Nos dias de hoje, quando celebram a Páscoa, os judeus não sacrificam um cordeiro. Dispõem apenas de um osso seco do animal. Não celebram a Páscoa com o sacrifício de um cordeiro há mais de mil e novecentos anos. Porquê? Em Êxodo 12:14, Deus disse a Israel: “nas vossas gerações o celebrareis [o dia da Páscoa], por estatuto perpétuo”. Por que não obedecem os judeus a esta ordem?
Primeiramente, os judeus ortodoxos argumentam: “Levítico 17:8, 9 proíbe os israelitas de sacrificarem fora do templo, o local determinado para os sacrifícios. Consequentemente, uma vez que o templo foi destruído em 70 D.C. e que ainda não dispomos de um novo, não podemos cumprir a ordem de Deus, relativa a matar um cordeiro para assinalar a Páscoa”. O povo judeu confronta-se com um dilema. Por um lado, Deus pede-lhes que matem um cordeiro como estatuto perpétuo. Por outro, Deus torna esse acto impossível. Porquê?
Porque Jesus Cristo é o Cordeiro e a resposta. Paulo, ele próprio judeu, mas que veio a ter fé em Cristo, diz-nos que “Cristo, nossa páscoa, foi sacrificado” (1 Cor. 5:7). Cristo é o Cordeiro Pascal e a concretização da Páscoa do Antigo Testamento. Desde a Sua morte, a observância desta celebração segundo o típico costume judeu é ilegítima. Em lugar da Páscoa, devemos manter a Ceia do Senhor, um memorial de que o Cordeiro veio uma vez e virá novamente.
Reparemos nas palavras de Paulo em 1 Coríntios 5:7-8: “Alimpai-vos, pois, do fermento velho, para que sejais uma nova massa, assim como estais sem fermento. Porque Cristo, nossa páscoa, foi sacrificado por nós. Pelo que façamos festa, não com o fermento velho, nem com o fermento da maldade e da malícia, mas com os asmos da sinceridade e da verdade”. Ele não disse “mantenhamos a Páscoa”, pois o sacrifício foi feito por nós de uma vez para sempre. A nossa responsabilidade reside na celebração do pão não levedado, associado à pureza da vida. Assim, Paulo falou de modo figurativo, dizendo: “façamos festa… com sinceridade e verdade”.
Aplicação: Tal como aconteceu com Israel, também hoje o Senhor deseja que os cristãos despojem os seus inimigos. Os nossos inimigos são aquelas coisas que se erguem contra a nossa amizade com o Senhor e a nossa produtividade. Também nos devemos lembrar que a nossa salvação provém de uma fonte – a obra de Deus para nós em Cristo. Porém, independentemente do que saibamos da doutrina, absorver esta ideia é difícil, devido à nossa inclinação natural para nos apoiarmos nas nossas próprias estratégias, esforçando-nos por viver vidas baseadas em meios próprios, mesmo nos assuntos espirituais.
Para além disso, tal como Israel deveria guardar a Páscoa como recordação do passado aliada à esperança da realização futura das suas sombras e prenúncios, também nós devemos preservar a Ceia do Senhor, recordando não só a vitória da cruz, mas antecipando ainda o retorno de Cristo: “Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálix, anunciais a morte do Senhor, até que venha” (1 Cor. 11:26).
11 E comeram do trigo da terra do ano antecedente, ao outro dia depois da páscoa, pães asmos e espigas tostadas, no mesmo dia. 12 E cessou o maná no dia seguinte, depois que comeram do trigo da terra do ano antecedente; e os filhos de Israel não tiveram mais maná; porém, no mesmo ano, comeram das novidades da terra de Canaan.
Com o versículo 11, a nossa atenção é canalizada para o facto de os israelitas terem comido das colheitas da terra logo após a celebração da Páscoa. O texto diz: “E comeram do trigo da terra do ano antecedente, ao outro dia depois da páscoa…”. Mas porquê? A explicação que se segue responde a esta questão.
Novamente, a Páscoa simbolizava a salvação de Deus do Egipto e do julgamento do anjo destruidor. Porém, para o povo da aliança de Deus, a libertação do Egipto incluía a promessa de herança da terra, local de abundância, terra de trigo, cevada, figueiras, azeite e mel (confira Deut. 8:8-9). Referia-se ao seu novo começo, à sua nova vida como o povo de Deus resgatado do julgamento, fixo como uma rocha no lugar da bênção. Permita-me repetir o princípio: a Páscoa não só contemplava o passado, mas ainda antecipava uma vida nova na terra, desfrutando das suas bênçãos abundantes pelo poder de Deus.
23 “Porque o Senhor passará para ferir aos egípcios, porém, quando vir o sangue na verga da porta, e em ambas as ombreiras, o Senhor passará aquela porta, e não deixará ao destruidor entrar nas vossas casas, para vos ferir. 24 Portanto, guardai isto por estatuto, para vós e para os vossos filhos, para sempre. 25 E acontecerá que, quando entrardes na terra que o Senhor vos dará, como tem dito, guardareis este culto” (confira Êx. 12:25, ênfase minha; veja também Êx. 13:8-9).
Conforme mencionado, a Páscoa não fora celebrada desde o Monte Sinai (Números 9), depois que levantaram acampamento e começaram a sua marcha em direcção à terra. Contudo, em Cades-Barneia rebelaram-se e foram incapazes de acreditar nas promessas de Deus. Tornaram-se um povo sujeito ao julgamento da disciplina de Deus; a geração antiga já não podia entrar na terra, e daí não mais se ter observado a Páscoa. Mas agora a nova geração atravessara através da fé no poder de Deus. Uma vez na terra, e tendo celebrado a Páscoa na fé, os israelitas estavam capacitados a apropriarem-se das bênçãos daquele lugar, provando a bondade do Senhor.
Para além disso, devemos notar que comeram o que foi definido como “pães asmos e espigas tostadas”. A Páscoa deveria ser seguida por uma celebração de pão ázimo, que duraria sete dias (Êx. 12:15). Na Escritura, o fermento é um símbolo de corrupção e maldade. O pão não levedado referia-se a Cristo, que se encontra sem pecado; comer do pão associa-se à amizade com o Senhor após um auto-exame e confissão do pecado, de modo a que não exista pecado conhecido na vida; só então pode alguém alimentar-se adequadamente e retirar sustento da vida do Salvador (confira 1 Cor. 11:28 ss).
Assim, a nação comeu da colheita, o que certamente seria uma demonstração de fé e uma lição do Senhor, relativa à vida salvadora de Deus mediante amizade com Ele.
Após verificarmos que comeram da produção agrícola da terra, a nossa atenção é imediatamente focada no facto de o maná ter cessado. Há aqui uma relação óbvia. Mas qual?
Durante quarenta anos, o povo de Israel alimentara-se do maná, uma provisão especial de Deus no deserto, mesmo depois dos seus actos de rebelião e de descrença, bem como da recusa de Deus quanto a permitir que entrassem na terra. Porém, continuavam a ser o Seu povo; eram os objectos do Seu amor e, por isso e para bem da geração mais jovem, que haveria de atravessar, o maná continuou a ser disponibilizado.
Mas o que era o maná? Era uma dádiva sobrenatural para a viagem pelo deserto, mas não alimento para a terra da promessa. Dali em diante, de acordo com a possessão da sua terra, Deus providenciaria comida através de meios naturais, que correspondem ao método comum pelo qual Deus concede provisões. Quando caminhamos com o Senhor, focados n’Ele e vivendo obedientemente, somos capazes de nos apropriarmos e provarmos da Sua bondade. Milagres como o maná são excepções à regra, provisões especiais para objectivos especiais. Embora o Senhor seja sempre capaz de realizar milagres sobrenaturais conforme a Sua vontade, não devemos esperá-los, nem ficar desapontados ou pensar que algo está mal no nosso percurso caso não os experienciemos.
Finalmente, precisamos de ter em conta que provar as bênçãos da Terra Prometida era apenas uma amostra do que estava para vir. Experimentar as nossas bênçãos em Cristo deverá conduzir a uma expectativa dupla: mediante amizade e fé, há sempre mais para provarmos da bondade e misericórdia de Deus durante esta vida (1 Pedro 2:1-3), mas tal é somente uma antecipação de bênçãos mais ricas e abundantes, a experienciar na eternidade como povo de Deus. Como é o Espírito Santo exactamente definido para nós no Novo Testamento? Ele é chamado “o penhor do Espírito”. A sua abençoada presença interior é uma promessa de que muito mais está para chegar.
Felizmente, o Senhor continua a amar-nos e a cuidar de nós mesmo quando estamos no deserto, mas o maná não se compara à abundância da amizade com Ele.
13 E sucedeu que, estando Josué ao pé de Jericó, levantou os seus olhos e olhou; e eis que se pôs em pé, diante dele, um homem que tinha na mão uma espada nua: e chegou-se Josué a ele, e disse-lhe: És tu dos nossos, ou dos nossos inimigos? 14 E disse ele: Não, mas venho agora como príncipe do exército do Senhor. Então Josué se prostrou sobre o seu rosto na terra, e o adorou, e disse-lhe: Que diz o meu Senhor ao seu servo? 15 Então disse o príncipe do exército do Senhor a Josué: Descalça os sapatos dos teus pés, porque o lugar em que estás é santo. E fez Josué assim.
Estando tudo aparentemente preparado para a conquista da terra, a próxima cena começa com Josué, o comandante de Israel nomeado por Deus, não no acampamento de Israel em Gilgal, mas perto da cidade de Jericó. O que supõe que ele faria ali? Estaria certamente ocupado com a obra do Senhor, recolhendo informação acerca da cidade e respectivas fortificações, de forma a preparar-se para lançar o seu ataque. Naturalmente, Josué estaria preocupado com várias coisas. Antes de mais, precisava de um plano de acção – como iriam atacar Jericó, provavelmente a cidade mais fortificada de Canaã. Tinham pouca ou nenhuma experiência quanto a cercar uma cidade como Jericó. Para além disso, faltavam-lhes sem dúvida equipamentos como aríetes, catapultas, escadas para conseguirem escalar as muralhas ou torres móveis. Tudo o que tinham resumia-se a espadas, flechas, fundas e lanças, que pareciam totalmente inadequadas para a tarefa diante deles. Portanto, como prepararia Josué o seu exército, e como deveriam tratar de tomar a cidade? Ele devia sentir-se como se o peso do mundo recaísse sobre os seus ombros.
Poderíamos culpar Josué por se encontrar em Jericó, avaliando a situação? Claro que não. De facto, Neemias, outro grande líder, fizera o mesmo quando confrontado com o estado das muralhas de Jerusalém. Não obstante, Josué necessitava de um encontro com o Deus a quem servia, de modo a captar de novo uma verdade importante, igualmente vital como parte da sua preparação para a vitória pelo poder de Deus. À semelhança de todos os santos de Deus que por vezes tendem a fixar os olhos na enorme tarefa que enfrentam, faltava algo na perspectiva de Josué enquanto contemplava a cidade de Jericó. Talvez precisasse simplesmente de ser recordado de alguma verdade muito importante, quer para clarificação, quer para encorajamento.
Estando a mente de Josué absorta em preocupações relativas à tarefa diante dele, sentindo nos seus ombros o peso da responsabilidade, levanta os olhos, e ali está um homem com uma espada desembainhada. Que tipo de imagem traz isto à mente, e o que significa? Estar de pé com uma qualquer arma desembainhada corresponde a uma posição militar de alguém que ou está de sentinela defensivamente, ou se encontra pronto a atacar um adversário ofensivamente. Estar de pé com uma espada desembainhada sugeria que estava ali para lutar ou a favor, ou contra Israel.
O versículo 14 diz-nos que este homem viera como o “príncipe do exército do Senhor”, o comandante do exército do Senhor. A resposta de Josué no versículo 14b e a declaração do capitão no versículo 15 mostram que se tratava de uma teofania; ou melhor, de acordo com a verdade exposta em João 1:1-18, era uma Cristofania, uma manifestação do Cristo pré-encarnado, que, como o Logos, é aquele que revela Deus. Caso fosse apenas um homem ou um anjo, certamente rejeitaria a adoração de Josué (vs. 14). Compare com a resposta de Paulo em Actos 14:8-20 àqueles que queriam fazer dos apóstolos deuses, e ainda com a resposta do anjo a João em Revelação 19:10.
Assim, o Cristo pré-encarnado aparece a Josué no intuito de ensinar e reforçar certas verdades vitais para o povo de Deus, especialmente para os que se encontram em posições de liderança, o que realmente abrange todos os fiéis num certo grau.
… e chegou-se Josué a ele, e disse-lhe: És tu dos nossos, ou dos nossos inimigos? (vs. 13b).
Esta terá sido uma resposta natural face a um homem com a espada desembainhada, expressando tanto a preocupação de Josué como a sua coragem. Ninguém que pertencesse ao exército de Israel deveria estar ali já que, evidentemente, não haviam sido dadas ordens para que alguém abandonasse o acampamento. Portanto, quem seria este estranho, que aparecera subitamente vindo do nada? Decerto, Josué terá pensado: “uma vez que não é um de nós, poderá ser um inimigo ou alguém que veio ajudar-nos?”.
Porém, em vista da resposta dada a Josué, a sua questão revela uma mentalidade típica, que representa uma ameaça e impedimento à nossa eficácia ao serviço do Salvador. Que mentalidade é essa? Temos tendência a ver as batalhas que enfrentamos como as nossas batalhas, e as forças que defrontamos como forças organizadas contra nós e a nossas causas, preocupações e planos individuais, e até as nossas crenças teológicas ou posições na doutrina. Num sentido, isso é verdade, se nos mantivermos realmente na causa de Cristo. Contudo, existe outro sentido em que tal simplesmente não é verdade, e este é o assunto aqui em causa.
E disse ele: Não, mas venho agora como príncipe do exército do Senhor. (vs. 14a).
A resposta chega em duas partes. A primeira é vista como uma negação categórica de ambas as hipóteses de Josué – é simplesmente um “nem” explícito. Por que não respondeu “estou aqui por ti e por Israel”? Em vez disso, o homem com a espada desembainhada disse: “Nem uma coisa, nem outra; não estou aqui para tomar partido, teu ou de qualquer outro”.
A segunda parte da resposta dá-nos a razão: “E disse ele: Não, mas venho agora como príncipe do exército do Senhor”. Por outras palavras, “estou aqui, não para tomar partido, mas para assumir o controlo como Comandante do Exército do Senhor”. Tal facto é de uma importância vital, assentando em dois princípios válidos para todos os aspectos da vida e da nossa luta contra as forças do mundo e de Satanás. Não havia dúvidas de que o Senhor estava lá com os exércitos do Céu para assegurar Jericó, de modo a que o povo de Deus pudesse tomar posse da sua herança (a Terra Prometida); mesmo assim, uma certa perspectiva era essencial para o verdadeiro sucesso.
O primeiro princípio: Josué não deveria reivindicar a lealdade de Deus para a sua causa, independentemente de quão justa e santa pudesse ser. Em vez disso, Josué precisava de reconhecer a reivindicação de Deus sobre si, para os Seus propósitos. Tendemos a abordar as nossas batalhas e causas ao contrário; viramos as coisas e tentamos ordenar a Deus que nos apoie, em detrimento de nos submetermos e O seguirmos. Certamente, a batalha seria um empreendimento conjunto, Deus e o povo de Israel sob a liderança de Josué, nomeado pelo Senhor (1:1-9); mas Josué, como qualquer um de nós no exército do Rei, teria de seguir o Senhor, submetendo-se à Sua autoridade, recebendo as Suas ordens e confiando a batalha nas Suas mãos, por se aperceber que se tratava mesmo da Sua batalha como Comandante Supremo. Não parece haver dúvidas acerca da compreensão de Josué, conforme evidenciado pela sua questão: “Que diz o meu Senhor ao seu servo?”. Ele estava a pedir ordens a Deus, e certamente terá sido aí que recebeu as necessárias orientações para a tomada de Jericó.
O segundo princípio: Enquanto Aquele que viera para assumir o comando, o Senhor também estava a lembrar a Josué (e a nós) a presença pessoal de Deus e a Sua provisão poderosa, a provisão das Suas vastas hostes. A promessa da presença pessoal de Deus traz sempre a garantia do Seu cuidado protector. De igual modo, a promessa da Sua provisão poderosa chega sempre acompanhada pela promessa do Seu apoio e poder infinitos, independentemente de quão impossível o problema nos possa parecer. Havia mais, infinitamente mais, do que o exército de Josué. Havia Josué e o seu exército, mas também miríades das forças angélicas de Deus, sempre prontas a cumprir as Suas ordens e a servir os santos. Três outras passagens poderão servir como exemplos úteis, a fim de que possamos absorver o assunto aqui exposto e a sua importância na nossa vida diária.
Primeiro, compare 2 Reis 6:8-17. Quando Eliseu estava em Dotan com o seu jovem servo, acabou rodeado pelo exército de Ben-Hadad, que, durante a noite, iniciara a marcha e sitiara a cidade. Na manhã seguinte, ao sair para ir buscar água, o servo de Eliseu viu o vasto exército que circundava Dotan. Receoso e muito aflito, clamou a Eliseu: “Ai, meu senhor! Que faremos?”. Eliseu respondeu: “Não temas; porque mais são os que estão connosco do que os que estão com eles”. Depois, fez uma oração muito interessante, dizendo: “Senhor, peço-te que lhe abras os olhos, para que veja”. Em seguida, lemos que “o Senhor abriu os olhos do moço, e viu; e eis que o monte estava cheio de cavalos e carros de fogo, em redor de Eliseu”. Não estavam sozinhos. Com eles, para lutar em seu favor, estava uma hoste das forças angélicas de Deus, que em breve feriria de cegueira os exércitos do rei da Síria.
Um segundo exemplo foi registado para nós em Mateus 26:53. Estando os discípulos ainda relutantes e perplexos diante do facto de Cristo ter de ser crucificado, Pedro desembainhou a espada e atingiu o escravo do sumo-sacerdote, cortando-lhe a orelha. Jesus reagiu, dizendo: “Mete no seu lugar a tua espada; porque todos os que lançarem mão da espada à espada morrerão. Ou pensas tu que eu não poderia agora orar ao meu Pai, e que ele não me daria mais de doze legiões de anjos?”.
Um exemplo final ilustrativo do exército angélico de Deus e do seu ministério para com o Seu povo encontra-se em Hebreus 1:14: “Não são, porventura, todos eles, espíritos ministradores, enviados para servir a favor daqueles que hão-de herdar a salvação?”. Vemos nisto a segunda razão para o comandante se descrever a si mesmo como “príncipe do exército do Senhor”. Estava assim a assegurar a Josué a provisão de Deus mediante o Seu poderoso exército angélico.
…Então Josué se prostrou sobre o seu rosto na terra, e o adorou, e disse-lhe: Que diz o meu Senhor ao seu servo? (vs. 14b).
Quanto precisamos nós desta resposta – a resposta de adoração e submissão. Josué percebeu rapidamente. Estivera a pensar num conflito entre os exércitos de Israel e Canaã. Talvez pensasse na batalha como sua. Certamente, sentia o peso da responsabilidade sobre os seus ombros. Mas, depois de ser confrontado pelo Comandante divino, foi recordado de uma verdade que ouvira Moisés proferir muitos anos antes, nas margens do Mar Vermelho. Moisés dissera então: “O Senhor pelejará por vós, e vos calareis” (Êx. 14:14). Josué aprendeu novamente a verdade que David constataria e iria declarar ao enfrentar Golias: “do Senhor é a guerra” (confira 1 Sam. 17:47).
Porém, isto não é tudo. Concluindo a sua adoração e submissão, vemos a pergunta de Josué, a questão de um servo que procura orientação do seu Comandante: “Que diz o meu Senhor ao seu servo?”. Lembra-se da resposta de Paulo na estrada de Damasco, quando se apercebeu que era o Senhor glorificado quem falava consigo? Respondeu, rapidamente: “Senhor, que farei?” (Actos 22:10).
Que reconfortante é saber que jamais teremos de suportar os nossos fardos ou enfrentar os nossos inimigos sozinhos. Josué tinha de reconhecer que as batalhas futuras e toda a conquista de Canaã eram realmente o conflito de Deus. Qual é o nosso papel? Somos soldados do Seu exército, os servos para os quais providencia abundantemente a Sua armadura (Efésios 6:10-18).
Enquanto Dr. C. I. Scofield era pastor da Primeira Igreja Congregacional de Dallas, sobreveio um período no qual os fardos do ministério lhe pareciam mais pesados do que aquilo que conseguia suportar. Esmagado pelo peso das frustrações e problemas do trabalho, ajoelhou-se um dia no seu escritório. Em profunda agonia espiritual, abriu as Escrituras, procurando alguma mensagem de força e conforto. Conduzido pelo Espírito aos versículos finais do capítulo 5 de Josué, constatou que estava a tentar lidar sozinho com as responsabilidades. Nesse dia, entregou o seu ministério ao Senhor, seguro de que era a Sua obra e que Ele conseguiria realizá-la. Ao aceitar a liderança de Deus, Dr. Scofield aliou-se ao Seu poder. 6
Certamente, estes versículos enfatizam a verdade relativa à preeminência e domínio de Cristo. Ele é a cabeça da igreja, realmente o Rei dos reis e Senhor dos senhores.
A passagem também nos recorda que Deus não está presente para lutar nas nossas batalhas, auxiliar nas nossas causas ou vir em nosso socorro quando nos metemos em problemas como se fosse um génio da lâmpada. Em vez disso, lembra-nos que a batalha é d’Ele, sendo o nosso papel o de servos-soldados: temos de O servir, realizar a Sua vontade, segui-Lo e depender d’Ele completamente.
Então disse o príncipe do exército do Senhor a Josué: Descalça os sapatos dos teus pés, porque o lugar em que estás é santo. E fez Josué assim (vs. 15).
Nas palavras finais do Capitão, existe uma ordem – “Descalça os sapatos” –, bem como uma explicação – “porque o lugar em que estás é santo”. Descalçar os sapatos era um sinal próprio de um servo, símbolo de respeito e submissão. A descrição deste lugar de encontro e revelação como “santo” chama a atenção para o significado especial do que Josué acabara de aprender e experienciar. Deus não só É o Santo na nossa redenção através da provisão do Salvador Sofredor, como também É o Santo na nossa batalha através do Salvador Vitorioso. Só poderemos entrar na batalha e experimentar a salvação de Deus quando descalçamos os nossos sapatos, submetendo-nos à Sua autoridade, presença e poder.
Aqui, constatamos que a batalha do cristão é um chamamento santo, mas também uma promessa divina realizada naqueles que se fazem humildes debaixo da mão poderosa de Deus. “Humilhai-vos, pois, debaixo da potente mão de Deus, para que, a seu tempo, vos exalte; lançando sobre ele toda a vossa ansiedade, porque ele tem cuidado de vós” (1 Pedro 5:6-7).
Neste capítulo, Josué encontrou-se com o Logos vivente, a própria revelação de Deus. Este encontro removeu um grande fardo dos ombros de Josué. A experiência previamente mencionada de Dr. Scofield ilustra a mesma verdade, baseada nesta passagem. Possamos nós compreender o quanto precisamos de permanecer na Palavra com um ouvido atento, de modo a que Deus consiga ensinar-nos as coisas que necessitamos de escutar.
Josué de pé e talvez deambulando nos arredores da cidade de Jericó, estudando o que o aguardava e acabrunhado com o peso da sua responsabilidade, é tão parecido connosco! Contemplamos as coisas que acreditamos que Deus nos chamou a fazer, mas estamos mais dispostos à actividade e à pressa do que à adoração e súplica pela orientação divina. Necessitamos de um estilo de vida que nos encaminhe para a batalha conscientes do Senhor e de quem Ele É a cada movimento, e cientes também dos princípios da Sua palavra, que devem guiar cada pensamento e passo da nossa parte, fortificando os corações com o conforto de Deus. Assim, enquanto contemplamos as batalhas e tarefas diante de nós, olhemos para cima, vendo o Comandante do Senhor dos Exércitos, e descalcemos os nossos sapatos.
Texto original de J. Hampton Keathley, III.
Tradução de C. Oliveira.
1 Donald K. Campbell, Joshua, Leader Under Fire, Victor Books, Wheaton, 1989, p. 39.
2 Merrill F. Unger, Unger's Commentary on the Old Testament, Vol. I, Moody Press, Chicago, 1981, p. 289.
3 Charles Caldwell Ryrie, Ryrie Study Bible, Expanded Edition, Moody, p. 338.
4 Alguns pensamentos acerca da circuncisão:
(1) Em Actos 7:8, Estevão falou acerca da aliança da circuncisão dada a Abraão. Enraizada na aliança abraâmica, a circuncisão simbolizava o acordo de Deus, que garantia a continuidade eterna da semente de Abraão e ainda a possessão da terra (Gén. 17:7-8).
(2) A este respeito, Génesis 17:11 diz-nos que a circuncisão é um “sinal do concerto” ou símbolo daquele acordo. Seria um sinal externo de uma realidade espiritual interior. Tal implicava que deveria ser feita como sinal de fé nas promessas da aliança de Deus. A circuncisão seria para o santo do Antigo Testamento o que o que a água do baptismo é para o santo do Novo Testamento.
(3) O próprio acto da circuncisão simbolizava uma separação completa dos pecados da carne, como imoralidade, impureza, lascívia, idolatria, feitiçaria, inimizades, conflitos, inveja, ira, disputas, desavenças, divisões, ciúmes, embriaguez e glutonarias (Gál. 5:19-21).
(4) O ritual da circuncisão seria praticado uma vez, mas o que significava deveria ser preservado diariamente. Tal ênfase encontra uma ilustração nas experiências de Israel associadas a Gilgal, pois a nação regressava a esse lugar com frequência durante as suas campanhas militares. Tornou-se um local de compromisso renovado e santificação. De acordo com o Novo Testamento, significava (a) a justiça da fé (Rom. 4:9-12) e (b) o despojo do corpo da carne pela obra de Cristo e a união do crente com Ele (Col. 2:11).
(5) Embora um acto físico, a natureza espiritual da circuncisão é posta em evidência em diversas passagens do Antigo Testamento. Em Deuteronómio 10:16, Moisés desafiou Israel: “Circuncidai, pois, o prepúcio do vosso coração, e não mais endureçais a vossa cerviz” (confira também Deut. 30:6; Jer. 4:4). Assim, a nação teria de compreender que a circuncisão não era apenas cortar um pedaço de pele, mas incluía um trabalho de fé interior, que tocava o coração e abrangia toda a vida.
(6) À luz da profecia de Deuteronómio 30:6 e da declaração de Colossenses 2:11, a circuncisão retratava o que Deus faria espiritualmente através da cruz de Cristo, de modo a lidar com as nossas naturezas pecaminosas, permitindo-nos, ao caminharmos na novidade de uma vida mediante fé em Cristo, viver vitoriosamente em relação aos nossos apetites carnais.
5 John F. Walvoord, Roy B. Zuck, Editors, The Bible Knowledge Commentary, Victor Books, Wheaton, 1983,1985, versão electrónica.
6 Campbell, p. 47.
É claro que era crucial um plano para conquistar a terra de Canaã, com os seus gigantes e cidades fortificadas, mas Deus nunca deixa o Seu povo entregue às próprias estratégias. Vem em seu auxílio, trazendo o Seu plano divinamente providenciado. De facto, somos repetidamente avisados na Escritura contra o acto de nos apoiarmos no nosso próprio conhecimento ou planos (Prov. 3:5-6; Jer. 9:23-24; 17:5). Indubitavelmente, a estratégia para invadir a terra baseava-se na configuração geográfica da mesma. Campbell escreve:
O modelo da estratégia divina para a conquista de Canaã baseava-se em factores geográficos. A partir do seu acampamento em Gilgal, perto do Rio Jordão, os israelitas conseguiam avistar colinas íngremes a Oeste. Jericó controlava o caminho da subida até essas montanhas, e Ai, outra fortaleza, ficava no topo da subida. Se os israelitas pretendiam capturar o país montanhoso, precisavam certamente de tomar Jericó e Ai. Tal colocá-los-ia no topo da região montanhosa e no controlo do cume central, criando uma divisão entre as secções Norte e Sul de Canaã. Israel poderia então envolver em batalha os exércitos do Sul, seguidos pelo inimigo mais remoto a Norte. Mas, primeiro, Jericó teria de sucumbir – e assim seria, se Josué e o povo seguissem o plano de acção do Senhor. 1
James Boice tem esta nota histórica:
A certa altura, o brilhante Marechal-de-Campo inglês Edmund H. Allenby terá também estudado este livro, pois a estratégia de Josué foi a mesma que adoptou na libertação bem-sucedida da Palestina, durante a Primeira Guerra Mundial. A Palestina é um país montanhoso, e a principal passagem através dela é uma estrada de ligação, que se estende de Sul para Norte através das porções mais altas da terra. A estratégia de Josué (e de Allenby) consistia em dirigir-se para Oeste desde o vale do Jordão até essa estrada elevada, dividindo assim o país. Depois, quando as forças inimigas se encontrassem divididas, destruiriam primeiro a oposição a Sul, seguida da oposição a Norte. Este é o esquema da campanha descrita em Josué 6-11.
Para que fosse possível dividir o país, teria de ser criada uma separação desde o Rio Jordão até às montanhas. Neste ponto, o primeiro obstáculo era Jericó, uma fortaleza militar construída para possibilitar defesa de uma aproximação oriunda de Este em direcção à região montanhosa. Não podia ser evitada; contornar Jericó significaria deixar uma grande força militar à retaguarda. 2
Em vista da configuração da terra e da distribuição das torres e fortalezas, o plano estratégico consistia em criar uma divisão entre as linhas de defesa inimigas, de modo a conquistar a terra em três campanhas: uma no centro da terra, uma a Sul e uma a Norte. Portanto, os israelitas atacaram primeiro a porção central, o que preparou o caminho para as operações a Sul e depois a Norte. O mapa abaixo, retirado da obra Ryrie Study Bible, mostra a movimentação de Israel na porção central de Canaã. 3
O nosso texto divide-se facilmente em três partes:
1 Ora Jericó cerrou-se e estava cerrada, por causa dos filhos de Israel: nenhum saía nem entrava. 2 Então disse o Senhor a Josué: Olha, tenho dado na tua mão a Jericó e ao seu rei, os seus valentes e valorosos. 3 Vós, pois, todos os homens de guerra, rodeareis a cidade, cercando a cidade uma vez: assim fareis por seis dias. 4 E sete sacerdotes levarão sete buzinas de carneiros diante da arca, e no sétimo dia rodeareis a cidade sete vezes; e os sacerdotes tocarão as buzinas. 5 E será que, tocando-se longamente a buzina de carneiro, ouvindo vós o sino da buzina, todo o povo gritará com grande grita; e o muro da cidade cairá abaixo, e o povo subirá, cada qual em frente de si.
6 Então chamou Josué, filho de Nun, aos sacerdotes, e disse-lhes: Levai a arca do concerto; e sete sacerdotes levem sete buzinas de carneiros diante da arca do Senhor. 7 E disse ao povo: Passai e rodeai a cidade; e quem estiver armado passe diante da arca do Senhor.
Caso Josué tivesse reunido com os seus conselheiros militares, nenhum deles teria engendrado um tal plano. O plano apresentado pelo Senhor no capítulo 6 ilustra o princípio de numerosas passagens da Bíblia, tais como Provérbios 14:12 e Isaías 55:8 ss. O plano de salvação e libertação de Deus não é algo que o homem concebesse caso pudesse ou quisesse, devido à sua alienação básica de Deus e tendência para depender das suas próprias soluções. Ainda hoje, os homens estão inclinados a crer num plano de salvação e santificação que, de uma forma ou de outra, introduza trabalho na equação, em detrimento de unicamente fé, unicamente em Cristo. Alguns intitulam este evangelho de “crença fácil” [easy believism], quando a verdade é que a confiança simples em Cristo não é fácil; vai contra os princípios básicos do carácter humano.
As ordens dadas por Deus a Josué, relativas à conquista de Canaã, parecem obviamente estranhas quando comparadas com qualquer estratégia que o homem pudesse engendrar, mas somente se não conseguirmos pensar em termos bíblicos acerca da vida de fé e da incapacidade inerente do homem quanto a atingir a própria salvação ou santificação. Consequentemente, Josué 6 ilustra diversos conceitos vitais para caminharmos na fé e lidarmos com os inimigos espirituais que enfrentamos nesta vida.
O versículo 1 é um parêntesis destinado a introduzir-nos o plano para a tomada de Jericó; porém, entretanto, mostra-nos a forma como Jericó, tendo parado as suas actividades normais, se preparava para um cerco da parte de Israel, mas sem dúvida assustada e com o coração desmaiado devido às obras poderosas de Deus. Os habitantes tinham ouvido falar do Mar Vermelho, e certamente também do milagre no Jordão.
Antes de esquematizar o Seu plano, o Senhor assegurou graciosamente a vitória a Josué. Repare na ênfase: “Olha, tenho dado”. Foi ordenado a Josué que olhasse, compreendesse e reflectisse, como uma questão de confiança, no facto de que Yahweh já lhes concedera a vitória. A vitória chega sempre pela mão do Senhor e, visto que só é possível graças ao poder de Deus, devemos esperar que contorne a dependência do homem e sua força ou estratégias próprias. Assim, com a palavra “olha”, Josué é chamado a contemplar com olhos de fé, imaginando Jericó destruída. De modo similar, vez após vez no Novo Testamento, é-nos assegurado o nosso triunfo sobre o pecado e Satanás. “E, graças a Deus, que sempre nos faz triunfar em Cristo, e por meio de nós manifesta, em todo o lugar, o cheiro do seu conhecimento” (2 Cor. 2:14). Veja ainda Romanos 6:1-14; Colossenses 2:6-15.
No texto hebraico, as palavras “tenho dado” representam um perfeito profético, descrevendo como já concretizados um evento ou acção futura. A vitória estava assegurada pela promessa de um Deus omnipotente, fiel e imutável.
Este plano de batalha é, no mínimo, altamente incomum. Os métodos e armas comuns na guerra, tais como aríetes, escadas ou torres, não teriam qualquer uso. Em vez disso, Josué e os seus homens deveriam aplicar o plano de vitória de Deus, conforme esquematizado nos versículos 3-7. A cada dia, deveriam marchar silenciosamente em torno da cidade, trazendo os sacerdotes buzinas de carneiros. A cidade abrangia apenas cerca de 8.5 acres (aproximadamente 34.400 m2). No sétimo dia, rodeariam a cidade sete vezes, e os sacerdotes tocariam as buzinas. Embora este método não mais viesse a ser aplicado noutras cidades, serviria para ensinar a Israel e ao povo de Deus em todas as eras que, ainda que tenhamos responsabilidades humanas quanto a demolir os baluartes erigidos contra o conhecimento de Deus, a vitória está dependente de duas coisas: o poder de Deus e a fé e fidelidade às Suas ordens ou planos.
O número sete ocupa uma posição proeminente neste capítulo. De facto, é usado onze vezes. Sete sacerdotes com sete buzinas marchariam em redor da cidade durante sete dias, dando depois sete voltas à cidade no sétimo dia.
O sete é um número importante na Escritura: (a) Significa perfeição ou plenitude, recordando-nos que o plano de Deus, não importa quão tolo nos possa parecer, é sempre perfeito, e não pode ser melhorado pelo homem (primeiro confira 1 Cor. 1:18 ss, e depois Rom. 12:2; 11:33-36). (b) Para além disso, o número sete mostra que a conquista fazia parte de um exercício ou processo espiritual, destinado a colocar o povo de parte (santificando-o) para o Senhor, como um povo santo que pertencia a um Deus santo. (c) Devido à importância do número sete para a criação e o Sábado, e ainda por estarem a entrar na sua herança, significava indubitavelmente o início de uma nova ordem, servindo a terra como imagem do repouso do crente no Senhor (veja Heb. 4).
Somos assim recordados de 2 Coríntios 10:4-5, “porque as armas da nossa milícia não são carnais, mas, sim, poderosas em Deus, para destruição das fortalezas; destruindo os conselhos, e toda a altivez que se levanta contra o conhecimento de Deus, e levando cativo todo o entendimento à obediência de Cristo”. Devemos prestar atenção a duas coisas que Paulo enfatiza nestes versículos:
(1) A Natureza das armas do crente: Tal como as muralhas de Jericó foram derrubadas sem intervenção de capacidades humanas, também as armas espirituais da nossa milícia são adquiridas através da oração, fé e diversas verdades da Palavra de Deus.
(2) O Projecto e Propósito das nossas armas: As nossas armas foram projectadas para derrubar baluartes – coisas edificadas por um sistema mundial satânico e por homens pecaminosos (tais como raciocínios, ideias, valores ou projectos humanos, etc.), que se opõem ao conhecimento de Deus (princípios bíblicos de graça, valores eternos, etc.) e àquilo que conhecer intimamente a Deus deveria significar na vida do Seu povo.
(3) O uso das buzinas estridentes acrescenta importantes melodias espirituais. Estas buzinas apenas podiam produzir algumas notas diferentes. Eram principalmente usadas como instrumentos de aviso. Eram utilizadas na altura do Jubileu, em associação com as cerimónias religiosas, a fim de proclamarem a adoração e presença de Deus, e ainda em contextos militares. Ambos os conceitos são aplicáveis aqui. Nesta passagem, sinalizavam a presença de Deus e anunciavam a desgraça iminente de Jericó. Não se tratava apenas de um empreendimento militar – as buzinas declaravam que o Senhor do céu e da terra estava presente para derrubar as muralhas de Jericó.
Aplicação: Cada um de nós tem a sua própria Jericó ou Ai, que atrapalha a nossa capacidade de tomar posse da nossa propriedade em Cristo; fortalezas virtuais que impedem o nosso progresso espiritual. Talvez seja uma fraqueza no nosso carácter, uma enfermidade física, indiferença geral relativamente a assuntos espirituais ou uma área específica que negligenciamos. Pode ser materialismo ou algum padrão dominante na vida. Poderá ser uma dificuldade no local de trabalho de alguém, em casa, com uma personalidade particular ou quiçá um problema financeiro. Independentemente da natureza da nossa Jericó, necessitamos de compreender que a vitória chega sempre através do plano de salvação de Deus – nunca do nosso.
8 E assim foi, como Josué dissera ao povo; os sete sacerdotes, levando as sete buzinas de carneiros diante do Senhor, passaram, e tocaram as buzinas; e a arca do concerto do Senhor os seguia. 9 E os armados iam adiante dos sacerdotes que tocavam as buzinas; e a retaguarda seguia após a arca, andando e tocando as buzinas. 10 Porém, ao povo, Josué tinha dado ordem, dizendo: Não gritareis, nem fareis ouvir a vossa voz, nem sairá palavra alguma da vossa boca, até ao dia que eu vos diga: Gritai. Então, gritareis. 11 E fez a arca do Senhor rodear a cidade, rodeando-a uma vez: e vieram ao arraial, e passaram a noite no arraial.
12 Depois, Josué se levantou de madrugada, e os sacerdotes levaram a arca do Senhor. 13 E os sete sacerdotes, que levavam as sete buzinas de carneiros diante da arca do Senhor, iam andando, e tocavam as buzinas, e os armados iam adiante deles, e a retaguarda seguia atrás da arca do Senhor; os sacerdotes iam andando e tocando as buzinas. 14 Assim rodearam outra vez a cidade no segundo dia, e tornaram para o arraial; e assim fizeram seis dias.
15 E sucedeu que, ao sétimo dia, madrugaram ao subir da alva, e da mesma maneira rodearam a cidade sete vezes: naquele dia somente rodearam a cidade sete vezes. 16 E sucedeu que, tocando os sacerdotes, a sétima vez, as buzinas, disse Josué ao povo: Gritai; porque o Senhor vos tem dado a cidade. 17 Porém, a cidade será anátema ao Senhor, ela e tudo quanto houver nela: somente a prostituta Raab viverá, ela e todos os que com ela estiverem em casa; porquanto escondeu os mensageiros que enviámos. 18 Tão somente guardai-vos do anátema, para que não vos metais em anátema, tomando dela, e assim façais maldito o arraial de Israel, e o turbeis. 19 Porém, toda a prata, e o ouro, e os vasos de metal, e de ferro, são consagrados ao Senhor: irão ao tesouro do Senhor. 20 Gritou, pois, o povo, tocando os sacerdotes as buzinas: e sucedeu que, ouvindo o povo o sonido da buzina, gritou o povo com grande grita; e o muro caiu abaixo, e o povo subiu à cidade, cada qual em frente de si, e tomaram a cidade. 21 E tudo quanto na cidade havia, destruíram, totalmente, ao fio da espada, desde o homem até à mulher, desde o menino até ao velho, e até ao boi e gado miúdo, e ao jumento.
Estes versículos apresentam-nos a sequência de eventos desde o primeiro dia de marcha em torno da cidade até ao último, que culminou no colapso da muralha. A declaração acerca dos homens poderem subir “cada qual em frente de si” chama a nossa atenção para o facto de lhes ser possível atacar de qualquer ponto da cidade. Não havia somente uma ou duas brechas na muralha, pelas quais os soldados invadiriam Jericó. Todo o muro que a rodeava colapsara, à excepção da porção onde a casa de Raab estava localizada.
Alguns intérpretes argumentam que um terramoto terá causado a destruição. Nesse caso, tratou-se de um impressionante milagre de precisão temporal e espacial, uma vez que o acampamento em Gilgal (a pouco mais de uma milha – 1,6 km – de distância) e a casa de Raab permaneceram intactos. 4
Não devemos esquecer que as instruções e os eventos deste capítulo foram precedidos por um conjunto de coisas que Deus usou a fim de preparar o povo para acreditar n’Ele e Lhe obedecer. Israel fora preparado para confiar no Senhor graças aos acontecimentos dos primeiros capítulos e à sua consagração ao Senhor, especialmente no capítulo 5. Sou recordado de Lucas 16:10, “Quem é fiel no mínimo, também é fiel no muito; quem é injusto no mínimo, também é injusto no muito”. A preparação espiritual é fundamental para a nossa capacidade de nos apropriarmos da força de Deus, em troca da nossa fraqueza.
Consegue imaginar a dificuldade desta situação? Várias centenas de pessoas, caminhando à volta da cidade sem uma palavra, nem sequer um murmúrio! Estavam lá os sacerdotes com as suas buzinas, aqueles que transportavam a arca, os homens armados e o resto do povo, o que poderá ter incluído também as mulheres e as crianças. Nesse caso, o silêncio talvez tenha sido um milagre maior do que o colapso das muralhas!
A passagem não nos explica por que tinham de estar em silêncio, mas talvez isso ilustre e ensine o princípio de se manter calado diante de Deus, repousando simplesmente n’Ele. Vem à sua mente alguma passagem? Que tal Êxodo 14:14, “O Senhor pelejará por vós, e vos calareis”. Também no Salmo 46:10-11 se lê: “Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus; serei exaltado entre as nações; serei exaltado sobre a terra. O Senhor dos Exércitos está connosco…”. Como este Salmo sugere, o silêncio ensina-nos a necessidade de nos calarmos, de pararmos de deambular para que possamos calmamente repousar n’Ele, enquanto pensamos n’Ele no meio das nossas provações e conquistas na vida. A nossa tendência é a de nos queixarmos e lamuriarmos a outros, procurando conforto nas pessoas em detrimento de falarmos com Deus, procurando n’Ele o nosso consolo.
Independentemente de quão invulgar parecesse o plano ou quão difícil fosse concretizá-lo, houve obediência explícita. Em Hebreus 11:30, lemos: “Pela fé, caíram os muros de Jericó…”. Apesar dos insultos que talvez lhes fossem lançados das muralhas enquanto marchavam silenciosamente em torno de Jericó, estavam dispostos a parecer tolos, repousando simplesmente no Senhor. Ele era a fonte da sua força.
Se queremos ultrapassar os nossos obstáculos e provações, temos de nos submeter pela fé ao caminho de Deus:
Porque nós, pelo espírito da fé, aguardamos a esperança da justiça. (Gál. 5:5)
22 Porém Samuel disse: Tem, porventura, o Senhor tanto prazer em holocaustos e sacrifícios, como em que se obedeça à palavra do Senhor? Eis que o obedecer é melhor do que o sacrificar; e o atender melhor é do que a gordura de carneiros. 23 Porque a rebelião é como o pecado de feitiçaria, e o porfiar é como iniquidade e idolatria. Porquanto tu rejeitaste a palavra do Senhor, ele também te rejeitou a ti, para que não sejas rei. (1 Sam. 15:22-23).
A ordem de Josué no versículo 10 – “Não gritareis, nem fareis ouvir a vossa voz, nem sairá palavra alguma da vossa boca, até ao dia que eu vos diga: Gritai” – mostra que o povo terá compreendido que o plano de Deus envolveria mais do que um dia. Mesmo assim, uma leitura cuidadosa do texto também sugere que Josué não revelou todo o plano no início, mas deu-lhes instruções dia após dia. A cada dia, saíam e marchavam silenciosamente em torno da cidade, regressando depois sem que nada tivesse acontecido. As muralhas ainda estavam de pé e Jericó não se rendera. Não obstante, não murmuraram, queixaram ou questionaram as instruções de Josué. Simplesmente obedeceram, dia após dia, até ao sétimo, no qual rodearam a cidade sete vezes. À ordem de Josué, no sétimo dia, deram um grande grito, e as muralhas desmoronaram-se graças à mão poderosa de Deus. Não será relevante que a Hebreus 11:30, que diz “Pela fé, caíram os muros de Jericó, sendo rodeados durante sete dias”, suceda uma passagem no capítulo seguinte, 12:1-2, que nos incentiva a corrermos a carreira que nos está proposta com paciência, olhando para Jesus, autor e consumador da nossa fé? Tal recorda-nos que, com frequência, o Senhor actua lentamente. Queremos salvação imediata, mas muitas vezes o Senhor testa a nossa fé e, entretanto, modela o nosso carácter e a nossa relação com Ele, até que encontramos no Senhor aquilo de que realmente precisamos.
2 Meus irmãos, tende grande gozo quando cairdes em várias tentações, 3 Sabendo que a prova da vossa fé obra a paciência. 4 Tenha, porém, a paciência a sua obra perfeita, para que sejais perfeitos e completos, sem faltar em coisa alguma (Tiago 1:2-4).
Demasiadas vezes, queremos soluções imediatas e que todas as nossas necessidades e desejos sejam atendidos, de modo a não termos de esperar no Senhor e confiar n’Ele. Queremos confiar na nossa saúde, nas nossas contas bancárias, na posição que ocupamos na comunidade, na nossa reputação, no nosso talento, educação e capacidades. Não desejamos confiar somente no Senhor. Para uma boa ilustração deste facto, compare a atitude de Naaman quando lhe foi dito que teria de se lavar sete vezes no rio Jordão (2 Reis 5:11-14). A purificação só teve lugar quando Naaman se humilhou e banhou sete vezes – não quatro, cinco ou seis, mas sete. Veja também o Salmo 62:1-8 e a ênfase dada à necessidade de esperarmos pacientemente a fim de encontrarmos repouso, não nas nossas soluções rápidas, mas somente em Deus. Certamente, o Senhor estava a ensinar a Israel a necessidade de aguardar com paciência, de modo a encontrar refúgio n’Ele.
22 Josué, porém, disse aos dois homens que tinham espiado a terra: Entrai na casa da mulher prostituta, e tirai de lá a mulher, com tudo quanto tiver, como lhe tendes jurado. 23 Então entraram os mancebos espias, e tiraram Raab, e seu pai, e sua mãe, e seus irmãos, e tudo quanto tinha; tiraram, também, todas as suas famílias, e puseram-nos fora do arraial de Israel. 24 Porém, a cidade, e tudo quanto havia nela, queimaram a fogo: tão somente a prata, e o ouro, e os vasos de metal e de ferro, deram para o tesouro da casa do Senhor. 25 Assim, deu Josué vida à prostituta Raab, e à família do seu pai, e a tudo quanto tinha; e habitou no meio de Israel, até ao dia de hoje; porquanto escondera os mensageiros que Josué tinha enviado a espiar a Jericó.
26 E naquele tempo, Josué os esconjurou, dizendo: Maldito diante do Senhor seja o homem que se levantar e reedificar esta cidade de Jericó: perdendo o seu primogénito, a fundará, e sobre o seu filho mais novo lhe porá as portas. 27 Assim era o Senhor com Josué; e corria a sua fama por toda a terra.
Nestes versículos finais, deparamo-nos com alguns factos maravilhosos acerca de Deus e da forma como lida com o Seu povo. Primeiro, demonstram a fidelidade de Deus à Sua Palavra; lembram-nos que Deus, que É imutável e não pode mentir, É também absolutamente fiel (confira Tiago 1:17). As promessas feitas a Raab foram cumpridas – ela e a sua família foram salvas. Embora não esteja registado, é evidente que a parte da muralha na qual estava construída a casa de Raab não terá colapsado.
Em segundo lugar, demonstram a graça e misericórdia de Deus. O amor e plano de salvação de Deus estão abertos a qualquer pessoa que invoque o nome do Senhor (João 3:16; 2 Pedro 3:9; Rom. 10:11-13).
Por fim, ainda a propósito de ser fiel às Suas promessas, a profecia contra alguém que procurasse reconstruir Jericó (vs. 26) demonstra também a seriedade de Deus e a certeza da Sua Palavra. A profecia do versículo 26 veio a cumprir-se nos dias de Acab (veja 1 Reis 16:34). Após a sua destruição, Jericó foi ocupada esporadicamente, mas nunca como outrora.
Texto original de J. Hampton Keathley, III.
Tradução de C. Oliveira.
1 John F. Walvoord, Roy B. Zuck, Editors, The Bible Knowledge Commentary, Victor Books, Wheaton, 1983,1985, versão electrónica.
2 James Montgomery Boice, Joshua, We Will Serve the Lord, Fleming H. Revell, New Jersey, 1973, p. 68.
3 Charles Caldwell Ryrie, Ryrie Study Bible, Expanded Edition, Moody Press, Chicago, 1995, versão electrónica.
4 Ryrie.
Após uma tão maravilhosa experiência em Jericó, o capítulo 7 é, no mínimo, surpreendente. De repente, deparamos com uma série de fracassos, em flagrante contraste com as vitórias dos seis capítulos precedentes. Mas quão instrutiva é a situação descrita, desde que tenhamos ouvidos para escutar a mensagem deste capítulo. A emoção forte da vitória foi rapidamente substituída pela agonia da derrota. Encontra-se aqui a história da vida, com a qual temos de aprender a lidar no nosso percurso diário, uma vez que esta passagem é bem típica da maioria de nós. Num instante, podemos estar a viver em vitória – e, no seguinte, em derrota.
Entre uma grande vitória e uma grande derrota vai apenas um passo, muitas vezes pequeno. É uma triste verdade da realidade num mundo pecaminoso o facto de podermos estar felizes sobre a nuvem de algum sucesso espiritual notável e, logo a seguir, darmos connosco num vale de insucesso e desespero espiritual. Num momento, podemos ser como Elias, erguendo-se vitoriosamente sobre o Monte Carmelo, e, no outro, estar aninhados debaixo de um zimbro ou escondidos numa caverna em profundo desespero, queixando-nos a Deus: “…eu fiquei só, e buscam a minha vida para ma tirarem” (1 Reis 19:10).
Devido à sua posição estratégica, Ai era o objectivo seguinte no caminho da conquista. Tal como acontecia com Jericó, a sua derrota era fundamental para a conquista de toda a terra. Ai era mais pequena do que Jericó, porém a sua conquista era essencial, pois daria a Israel o controlo sobre a rota principal que se estendia ao longo das terras altas, de Sul para Norte, na porção central do país.
Jericó fora colocada sob anátema, proveniente da palavra hebraica herem, “uma coisa consagrada, proscrição”. A forma verbal, haram, significa “interditar, consagrar ou destruir totalmente”. Esta palavra refere-se à exclusão de um objecto do uso ou abuso humano, acompanhada por uma entrega irreversível a Deus. Relaciona-se com uma raiz árabe, significando “proibir, especialmente ao uso comum”. O “harém”, que se refere aos aposentos especiais das esposas muçulmanas, provém desta palavra. Assim, entregar alguma coisa a Deus significava consagrá-la ao Seu serviço ou colocá-la sob anátema para destruição completa. 1
Algo ser votado ao anátema significava uma de duas coisas. Primeiro, tudo o que estivesse vivo deveria ser completamente destruído. Esta prática tem sido denominada bárbara e primitiva, nada menos que o assassínio de vidas inocentes. Os cananeus, porém, não eram de modo algum inocentes. Eram um povo vil, praticante das mais ignóbeis formas de imoralidade, incluindo o sacrifício de crianças. Deus concedera-lhes mais de quatrocentos anos para se arrependerem, mas a sua iniquidade chegara agora ao cúmulo (veja Gén. 15:16; Lev. 18:24-28). Os poucos que se voltaram para o Senhor (Raab e a sua família) foram poupados. Tal como em Sodoma e Gomorra, mesmo que só existissem dez justos, Deus pouparia a cidade (Gén. 18); mas, visto que nem dez conseguiu encontrar, Deus removeu Lot e a sua famíla (Gén. 19). Para além disso, se alguma cidade se tivesse arrependido como Nínive aquando da pregação de Jonas, Ele poupá-la-ia; porém, apesar de todas as obras miraculosas de Deus das quais tinham ouvido falar, não houve arrependimento – os cananeus permaneceram firmes na sua depravação.
…a batalha com que Israel se confrontava não se tratava simplesmente de uma guerra religiosa; era uma guerra teocrática. Israel era directamente governado por Deus, e a exterminação constituía uma ordem directa de Deus (confira Êxodo 23:27-30; Deut. 7:3-6; Josué 8:24-26). Nenhuma outra nação, quer anterior, quer posterior a Israel, foi uma teocracia. Assim, aquelas ordens eram únicas. Enquanto teocracia, Israel era um instrumento de julgamento nas mãos de Deus. 2
Em segundo lugar, todos os objectos valiosos, tais como o ouro ou a prata, deveriam ser dedicados ao tesouro do Senhor. Evidentemente, funcionariam como um tipo de primícias da terra, bem como uma prova da confiança do povo na provisão de Deus para o futuro (confira Lev. 27:28-29).
1 Mas os israelitas foram infiéis com relação às coisas consagradas. Acan, filho de Carmi, filho de Zabdi, filho de Zerá, da tribo de Judá, apossou-se de algumas delas. E a ira do SENHOR acendeu-se contra Israel. (Nova Versão Internacional)
O capítulo 7 inicia-se com uma pequena, porém ominosa palavra, “mas”. Tal vocábulo cria um contraste entre este capítulo e o precedente, particularmente 6:27. Primeiro, houvera a emoção forte da vitória, mas agora sobrava a agonia da derrota. Esta pequena conjunção de contraste destina-se a enfatizar uma verdade importante – a realidade dos sempre presentes contrastes e ameaças da vida –: a vitória é sempre seguida, no mínimo, pela ameaça da derrota.
O crente nunca está em maior risco de queda do que após uma vitória. Somos tão propensos a baixar a guarda e começar a confiar em nós mesmos ou nas nossas vitórias passadas, em detrimento de no Senhor. Uma vitória jamais garante a seguinte. As nossas vitórias só nos auxiliam na próxima batalha na medida em que aumentam a nossa confiança no Senhor e desenvolvem a nossa sabedoria relativamente a nos apropriarmos da Palavra de Deus. A base da vitória é sempre o Senhor e a nossa fé/dependência d’Ele. Um capítulo do Novo Testamento que merece particular consideração neste ponto é 1 Coríntios 10, especialmente o versículo 12. O problema é claramente exposto nas palavras “Os israelitas foram infiéis com relação…”. Reparemos em várias coisas acerca deste problema, relativo aos israelitas enquanto nação.
(1) O termo “infiéis” representa uma palavra hebraica que significa “agir dissimuladamente”. Era usada na infidelidade matrimonial, quando uma mulher era infiel ao seu marido. O pecado aqui descrito consistia tanto num acto de infidelidade espiritual – ser amigo do mundo em detrimento de amigo de Deus (Tiago 4:4) –, como num acto sem fé, procurando felicidade e segurança nas coisas em lugar de em Deus (1 Tim. 6:6 ss).
(2) Constatamos que o Senhor considerou todo o acampamento de Israel responsável pelo acto de um só homem, retirando a Sua bênção até que a questão fosse corrigida. Existia pecado no acampamento, e Deus não continuaria a abençoar a nação enquanto tal acontecesse. Isto não significa que aquele fosse o único pecado e a restante nação se apresentasse sem faltas; porém, este pecado era de uma natureza tal (desobediência directa e rebelião), que Deus o usou para ensinar a Israel e a nós algumas lições importantes.
Deus via a nação de Israel como uma unidade. O que alguém fez foi contado como um pecado de toda a nação, uma vez que a vida colectiva de Israel ilustra verdades e avisos para nós enquanto indivíduos (1 Cor. 10). Enquanto aviso para a igreja, mostra-nos que não podemos progredir e avançar em direcção ao Senhor caso exista pecado conhecido nas nossas vidas, pois tal constitui rebelião contra o controlo e orientação do Senhor (Efésios 4:30; 1 Tes. 5:19). Trata-se de uma questão de amar o mundo – e fazê-lo leva uma pessoa a comportar-se como se fosse inimiga de Deus (Tiago 4).
O comportamento de Acan também ilustra a forma como um ou alguns crentes fora da associação, ao procurarem satisfazer os seus próprios desejos ou planos egoístas, podem ter um impacto negativo sobre todo o grupo. Tal comportamento pode perturbar os restantes. O nome de Acan, do hebraico akan, é um jogo com a palavra akor, que significa “perturbação”. Assim, Josué declararia que o Senhor iria trazer perturbação (akor) sobre Acan, que, por causa do seu pecado, se tornara um “perturbador” para a nação (confira 7:24-25). Por conseguinte, o local da morte e sepultura de Acan foi denominado “o vale de Acor” (hebraico akor, “inquietação, perturbação”). Embora o crime tenha sido cometido por uma só pessoa, toda a nação foi considerada culpada. Esta última estava responsável pela obediência de cada cidadão, sendo-lhe imputado o castigo de um eventual transgressor. Tal deverá trazer à mente os versículos seguintes:
Tendo cuidado de que ninguém se prive da graça de Deus, e de que nenhuma raiz de amargura, brotando, vos perturbe, e por ela muitos se contaminem. E ninguém seja devasso, ou profano, como Esaú, que por um manjar vendeu o seu direito de primogenitura (Hebreus 12:15-16).
Não é boa a vossa jactância. Não sabeis que um pouco de fermento faz levedar toda a massa? Alimpai-vos, pois, do fermento velho, para que sejais uma nova massa, assim como estais sem fermento. Porque Cristo, nossa páscoa, foi sacrificado por nós (1 Coríntios 5:6-7).
O apóstolo Paulo viu o mesmo princípio de solidariedade em acção na igreja (1 Coríntios 5:6-13). O pecado não julgado contamina toda a comunidade – “Não sabeis que um pouco de fermento faz levedar toda a massa?” (v. 6).3
(3) Somos também lembrados de que nada escapa à omnisciência de Deus (Sl. 139:1 ss). O pecado jamais escapa ao Seu olho atento. Podemos enganar-nos a nós mesmos e aos outros, mas nunca ao Senhor. Deus vê o pecado nas nossas vidas e deseja que lidemos com ele, não que o ocultemos. Escondê-lo apenas impede o nosso progresso no plano e vontade de Deus (Prov. 28:13), criando problemas para outros. Números 32:23 recorda-nos: “sabei que o vosso pecado vos há-de achar”. Tal é semelhante à ideia de que colhemos o que semeamos, devido às consequências naturais das leis morais e espirituais de Deus, bem como ao Seu envolvimento pessoal. Contudo, o texto de Números não ensina somente que o pecado será descoberto, mas também que as consequências do nosso pecado se tornarão agentes activos no processo dessa descoberta (veja Gal. 6:7-8).
(4) As palavras “e a ira do Senhor acendeu-se contra Israel” chamam dramaticamente a nossa atenção para a santidade de Deus. Para Deus, o pecado não é um assunto de pouca importância, porque é rebelião, e a rebelião é como o pecado da feitiçaria (1 Sam. 15:23). Ainda que Cristo tenha morrido pelos nossos pecados e se encontre à direita de Deus como nosso Advogado e Intercessor, Deus não trata – nem pode tratar – o pecado nas nossas vidas com leveza. Este vai contra o Seu carácter santo (a Sua santidade, justiça, amor, etc.) e contra os Seus propósitos santos para nós, uma vez que dificulta o Seu controlo e capacidade para nos guiar.
Ou cuidais vós que em vão diz a Escritura: O espírito que em nós habita tem ciúmes? Antes dá maior graça. Portanto diz: Deus resiste aos soberbos, dá, porém, graça aos humildes. (Tiago 4:5-6, ênfase minha)
Portanto, o Senhor tem de lidar connosco e com o pecado nas nossas vidas; Ele lida connosco como um Pai e como o Vinhateiro, mas fá-lo ainda assim (João 15:1 ss; Heb. 12:5).
2 Enviando, pois, Josué, de Jericó, alguns homens a Ai, que está junto a Betaven, da banda do oriente de Betel, falou-lhes, dizendo: Subi, e espiai a terra. Subiram, pois, aqueles homens, e espiaram a Ai. 3 E voltaram a Josué, e disseram-lhe: Não suba todo o povo; subam alguns dois mil, ou três mil homens, a ferir a Ai: não fatigueis ali a todo o povo, porque poucos são. 4 Assim, subiram lá do povo alguns três mil homens, os quais fugiram diante dos homens de Ai. 5 E os homens de Ai feriram deles alguns trinta e seis, e seguiram-nos, desde a porta até Sebarim, e feriram-nos na descida; e o coração do povo se derreteu e se tornou como água.
A derrota do exército de Israel em Ai que aqui se encontra descrita é a única derrota registada em Josué e o único relato de judeus mortos em batalha. Ai era mais pequena que Jericó! Como podia um tal insucesso ocorrer tão rapidamente? A principal causa, conforme sumariado no versículo um, foi o pecado de Acan. Contudo, existem outros assuntos envolvidos, que levaram Josué a avançar contra Ai quando não o deveria ter feito.
Nestes versículos, vemos algumas das diversas consequências do pecado na vida do povo de Deus ou na vida de um indivíduo. O pecado tem muitas consequências, nenhuma delas boa.
Não há dúvidas de que Josué estaria ansioso para avançar pelo Senhor, conquistando mais território de acordo com as ordens de Deus e o Seu propósito para Israel. Mas estando um bocadinho autoconfiante e confiando demasiado na vitória em Jericó, Josué evidentemente falhou quanto a reservar tempo para estar sozinho com o Senhor, inquirindo-O e procurando a Sua força. Se assim tivesse feito, não teria ignorado o pecado de Acan, e poderia ter lidado primeiro com ele. Quatro erros fatais foram o resultado: (a) Permaneceram ignorantes acerca do pecado de Acan. (b) Subestimaram a força do inimigo. (c) Sobrestimaram a força do seu próprio exército. (d) Fiaram-se no Senhor – tomaram-n’O como garantido.
Mais tarde, quando Deus lhes deu ordens para avançarem contra o inimigo, talvez devido à sua atitude autoconfiante prévia e à sua presunção, ordenou-lhes que levassem “toda a gente de guerra” (8:1). A Gedeão, porém, o Senhor fê-lo reduzir o seu exército, a fim de que não se vangloriassem no seu próprio poder como a fonte da vitória (Juízes 7:1 ss).
Com quanta frequência não somos exactamente como Josué aqui no capítulo 7? Devido a uma mentalidade de trabalhador compulsivo, a uma inclinação para a actividade ou a um desejo de fazer as coisas e ser bem-sucedido, há uma tendência para a pressa, sem reservar tempo para se aproximar de Deus, recorrer aos Seus recursos e vestir a armadura completa de Deus. Essa atitude não só é imprudente, mas também nos torna insensíveis a fracassos sérios nas nossas próprias vidas e ministérios, que entristecem e extinguem o Espírito, deixando-nos indefesos face ao inimigo, uma vez que actuamos baseados na nossa própria força e sabedoria. Fundamentalmente, portanto, estes fracassos atrapalham o nosso progresso e capacidade para lidar com os diversos desafios da vida.
A última parte do versículo 5 diz: “e o coração do povo se derreteu e se tornou como água”. A derrota em Ai desmoralizou o povo. Isto é talvez ainda mais importante do que a própria derrota, porque criou receios e falta de confiança no Senhor. Em vez de examinarem as suas próprias vidas como a fonte do seu fracasso, começaram a duvidar do Senhor e a questionar se Ele teria mudado de ideias ou se teriam interpretado erradamente as Suas ordens. Será que devíamos mesmo ter atravessado o Jordão? Deveríamos ter permanecido do outro lado? (confira 7:7).
Na nossa natureza humana pecaminosa, somos tipicamente assim mesmo. Somos tão rápidos a ficar deprimidos, desencorajados e desorientados. Olhamos para todas as direcções em busca de uma razão para o fracasso – excepto para nós mesmos. Atribuímos culpas, arranjamos desculpas, escondemo-nos e injuriamos, mas falhamos com tanta frequência quanto a examinar as nossas vidas honestamente. Assumimos que nunca podemos ser o problema… ou podemos?
6 Então Josué rasgou os seus vestidos e se prostrou em terra sobre o seu rosto, perante a arca do Senhor, até à tarde, ele e os anciãos de Israel; e deitaram pó sobre as suas cabeças. 7 E disse Josué: Ah, Senhor Jeová! Por que, com efeito, fizeste passar a este povo o Jordão, para nos dares nas mãos dos amorreus, para nos fazerem perecer? Oxalá nos contentáramos com ficarmos dalém do Jordão. 8 Ah, Senhor! Que direi? Pois Israel virou as costas diante dos seus inimigos! 9 Ouvindo isto os cananeus, e todos os moradores da terra, nos cercarão e desarraigarão o nosso nome da terra; e então, que farás ao teu grande nome?
Nesta descrição de Josué, vemos uma das maiores provas da inspiração da Escritura. O povo de Deus, incluindo os grandes heróis da fé, é retratado com manchas, verrugas e tudo. Deus não retoca a fotografia. Em vez disso, mostra-nos a sua humanidade, de modo a confortar-nos nos nossos próprios fracassos, desafiando-nos a compreender que Ele pode usar-nos para muitas coisas se apenas confiarmos n’Ele. O fracasso não é exclusivo de nenhum de nós… e não é o fim. De facto, pode até ser o início, dependendo da forma como respondemos. É claro que é sempre melhor cometer alguns erros novos, aprendendo com eles, do que repetir erros velhos. Quando continuamos a cometer os mesmos erros, as nossas derrotas não possuem um valor capaz de alterar a vida. Na derrota em Ai, observamos um verdadeiro teste à liderança de Josué. Tal como Sanders comenta, “Existem testes à liderança, bem como testes de liderança,”4 e um desses testes é a prova do fracasso. Este não é exclusivo de ninguém. O fracasso, como todas as provações, é comum a todos os homens.
O estudo de personagens bíblicas revela que a maioria daqueles que fizeram história eram homens que falharam a certa altura, e alguns deles drasticamente, mas que recusaram continuar deitados no pó. O seu próprio fracasso e arrependimento asseguraram-lhes um conceito mais amplo da graça de Deus. Aprenderam a conhecê-Lo como o Deus que dá uma segunda oportunidade aos filhos que O decepcionaram – e uma terceira, também…
O líder bem-sucedido é um homem que aprendeu que nenhum fracasso tem de ser decisivo e age de acordo com essa crença, quer o fracasso seja seu ou de outrem. Tem de aprender a ser realista e estar preparado para compreender que nem sempre pode estar certo. Não existe tal coisa como um líder perfeito ou infalível.5
Josué, obviamente, ficou aturdido face à derrota e catástrofe em Ai, e as acções dele e dos anciãos coincidiam com as práticas hebraicas de luto e desespero. Prostrarem-se diante da Arca do Senhor sugere certamente que se estavam a humilhar diante do Senhor. Josué e os anciãos não são culpados de uma indiferença endurecida. Demonstravam profunda preocupação e que necessitavam da mão de Deus; precisavam da Sua intervenção e sabedoria. Porém, de acordo com as palavras que se seguem, misturada com tais sentimentos, havia também evidência de alguma autocomiseração e dúvida.
Hoje em dia, normalmente não rasgamos as nossas roupas, nos prostramos no chão ou pomos pó nas nossas cabeças. Mas dispomos de meios para demonstrar a nossa consternação, dor e dúvida. Talvez caiamos sobre os joelhos ou coloquemos a face entre as mãos e choremos mas, quando existem sentimentos de autocomiseração e depressão, podemos ficar inactivos ou taciturnos. Contudo, estas respostas não removem a dor nem resolvem o problema, impedindo que cresçamos com a experiência.
Finalmente, depois de um dia inteiro prostrado sobre a sua face, Josué verbalizou a sua perplexidade através de três questões e duas afirmações. Não a descarregou noutros, nem tentou evitá-la ou reprimi-la. Fez o que todos nós devemos fazer – levou a questão até ao Senhor.
A Primeira Questão (vs. 7a): “Ah, Senhor Jeová! Por que, com efeito, fizeste passar a este povo o Jordão…”. A NIV (Nova Versão Internacional) realiza a seguinte tradução: “Ah, Soberano Senhor, por que fizeste este povo atravessar o Jordão…”. A palavra “ah” (bem como o inglês alas, “ai”) funciona como uma forte interjeição de desespero. “Ah” é praticamente uma transliteração do hebraico. Aponta frequentemente – tal como aqui – para um estado de espírito de aflição e derrota. Na maioria das ocorrências, é usada com a expressão “Senhor Deus”, embora nem sempre como expressão de desespero (Jz. 6:22; Jer. 1:6; 4:10; 14:13; 32:17; Ez. 4:14; 9:8;11:13). Com um suspiro, grita “Ah, Adonai Yahweh”, reconhecendo a soberana autoridade de Deus e domínio sobre as suas vias; mas, com o próximo suspiro, parece questionar os propósitos e promessas de Deus enquanto o Soberano Senhor.
Com a questão “por que, com efeito, fizeste passar a este povo o Jordão…”, Josué estava a agir como se Deus não estivesse em controlo ou como se os tivesse meramente enganado ou cometido um erro. Quão rápidos somos a agir religiosamente, podendo em simultâneo negar a autoridade e poder de Deus mediante outras coisas que possamos pensar, dizer ou fazer. Aqui se encontra uma ilustração perfeita de como focar os problemas afecta negativamente a nossa perspectiva de Deus, o que, por seu turno, afecta a nossa fé nos Seus propósitos, plano e promessas.
Por um lado, um foco errado origina com frequência tempestades num copo de água. Possivelmente, ao confiarem na sua vitória prévia em vez de no Senhor, tinham os olhos fixos na pequenez de Ai e consideraram-na apenas um pequeno problema. Por outro lado, com os olhos postos na derrota, fizeram desta pequena quantidade de água uma tempestade demasiado intensa para o Senhor controlar.
Sempre que estamos ocupados com o problema, ou sempre que não conseguimos focar as nossas mentes e olhos no Senhor, tornamo-nos insensíveis à Pessoa, plano, promessas e propósitos de Deus. A este ponto, parece que nunca ocorreu a Josué que Deus poderia ter uma razão para permitir a derrota ou que, de alguma forma, eles próprios podiam ser a causa. Quando o nosso foco é errado, ou esquecemos as promessas de Deus, ou questionamo-las. Desistimos depois de nos relacionarmos com a pessoa de Deus em toda a Sua essência divina. Numa tal condição, não mais vemos o Senhor como nossa esperança; em vez disso, Ele torna-Se o vilão.
A Primeira Afirmação (vs. 7b): “Oxalá nos contentáramos com ficarmos dalém do Jordão”. Quão estreita fica a nossa visão e quão negativos nos tornamos em relação aos propósitos de Deus quando temos os olhos postos nas circunstâncias e perdemos o Senhor de vista! Fazemos marcha-atrás e olhamos para trás. A tendência é ficarmos nostálgicos pelos “bons velhos tempos”. Tornamo-nos como Israel, que recordava o alho, o alho-francês e os pepinos, mas esquecera-se dos capatazes e dos poços de lama. A fim de estarmos confortáveis, estamos dispostos a aceitar uma vida de mediocridade, em detrimento de aprender o que os obstáculos são para que possamos prosseguir em busca da excelência.
Há aqui a assunção de que, uma vez que haviam sido derrotados, não poderiam avançar, e que teria sido melhor caso não tivessem encontrado o inimigo. Na sua perspectiva, o seu fracasso enfraquecera de alguma forma a capacidade de Deus quanto a dar-lhes futuras vitórias. Esta é uma conclusão típica, mas que está errada. Deus nunca fica limitado pelas nossas derrotas. Enquanto o Soberano Senhor, Ele É capaz de fazer todas as coisas contribuírem juntamente para o bem – o bem de nos fazer à conformidade do Seu Filho (Rom. 8:28-29).
A Segunda Questão (vs. 8): “Ah, Senhor! Que direi? Pois Israel virou as costas diante dos seus inimigos!”. Após a tomada de Jericó, o capítulo 6 terminou com a afirmação “Assim era o Senhor com Josué; e corria a sua fama por toda a terra”. Deparamo-nos agora com esta observação em 7:8, parecendo que Josué estava preocupado com as queixas do povo e a sua prontidão em seguir a liderança dele. Será que este fracasso me irá impedir de fazer aquilo a que me chamaste devido às suas atitudes e questões? Para além disso, as pessoas iriam querer algumas respostas e, nesta altura, simplesmente não tinha nenhuma. O que poderia ele dizer-lhes? Esta era realmente uma súplica por sabedoria (Tiago 1:5).
Também, talvez, sentindo alguma vergonha ou culpa pessoal pela forma como os homens se haviam voltado e fugido, duvidasse da sua própria capacidade para liderar o exército. Quiçá estivesse a sentir que os deixara ficar mal, que o povo o culparia pela derrota, e estaria assim preocupado com o impacto de tudo isto na sua capacidade para liderar o povo.
Uma Segunda Afirmação e Preocupação (vs. 9): “Ouvindo isto todos os moradores da terra, nos cercarão e desarraigarão o nosso nome…”. Josué estava preocupado com o impacto desta derrota no seu testemunho para as nações, e com o modo como estas poderiam derrubá-los mediante um esforço combinado contra o povo de Deus. Providenciaria isto uma cabeça-de-praia para o inimigo, que avançaria agora ofensivamente, atacando Israel, em lugar da situação oposta? O mundo observa-nos, e a forma como lidamos com os nossos problemas afecta a sua atitude relativamente à comunidade Cristã (1 Ped. 3:13-17).
A Terceira Questão: “E então, que farás ao teu grande nome?”. Apesar de todos os seus medos, observamos uma manifestação do carácter de Josué e do seu amor pelo Senhor. Parece que a maior preocupação de Josué era que as notícias desta derrota pudessem de alguma forma reduzir o respeito das nações pagãs pelo próprio nome de Deus. Josué pode ter sido culpado de pensar o que as pessoas frequentemente pensam, que um fracasso leva a outros; que a vitória era agora menos provável porque haviam falhado tão miseravelmente. É verdade que o nosso pecado e fracasso afectam o nosso testemunho por momentos; podem dar a Satanás a oportunidade de estabelecer uma cabeça-de-praia; podem ter repercussões de outras maneiras, mas Deus É sempre capaz de fazer todas as coisas contribuírem juntamente para o bem daqueles que O amam.
Nada é alguma vez alcançado com a nossa face no pó ou com os olhos postos nos nossos fracassos e problemas. Primeiro, temos de confessar os nossos fracassos e as coisas que os causaram, quando podem ser determinadas. Depois, temos de procurar aprender com eles. Finalmente, temos de reconhecer que a vontade de Deus corresponde à recuperação imediata e à fé na Sua graça. A vontade de Deus é que nos levantemos e continuemos (vss. 10 ss).
Vamos sumariar as causas para o fracasso: (1) Aparentemente, houve falta de oração ou incapacidade para estar sozinho com o Senhor, procurando a Sua orientação. (2) Claramente, houve confiança na sabedoria humana quando Josué escutou a sugestão dos espiões, após regressarem de espiar Ai (vs. 3). (3) Depois, fiando-se na sua vitória passada em vez de no Senhor, existiu excesso de confiança nas suas próprias capacidades, levando-os a pensar que poderiam facilmente avançar contra uma cidade tão pequena comparativamente a Jericó (vss. 3-4).
Com o versículo 10, a nossa atenção volta-se para a resposta de Deus e Suas ordens para Josué. Tal é altamente instrutivo, pois não só nos concede maior compreensão quanto à natureza das acções de Josué (desânimo e dúvida), mas também nos fornece a avaliação de Deus em relação àquilo que Josué estava a fazer (Ele não estava satisfeito) e as Suas instruções para o que deveria ser feito a fim de corrigir o problema.
10 Então disse o Senhor a Josué: Levanta-te: por que estás prostrado assim sobre o teu rosto? 11 Israel pecou, e até transgrediram o meu concerto que lhes tinha ordenado, e até tomaram do anátema, e também furtaram, e também mentiram, e até debaixo da sua bagagem o puseram. 12 Pelo que os filhos de Israel não puderam subsistir perante os seus inimigos: viraram as costas diante dos seus inimigos, porquanto estão amaldiçoados: não serei mais convosco, se não desarraigardes o anátema do meio de vós. 13 Levanta-te, santifica o povo, e dize: Santificai-vos para amanhã, porque assim diz o Senhor, o Deus de Israel: Anátema há no meio de ti, Israel: diante dos teus inimigos não poderás suster-te, até que tires o anátema do meio de vós. 14 Amanhã, pois, vos chegareis, segundo as vossas tribos; e será que, a tribo que o Senhor tomar se chegará, segundo as famílias; e a família que o Senhor tomar se chegará, por casas; e a casa que o Senhor tomar se chegará, homem por homem. 15 E será que, aquele que for tomado com o anátema, será queimado a fogo, ele e tudo quanto tiver; porquanto transgrediu o concerto do Senhor, e fez uma loucura em Israel.
Com as palavras “Então disse o Senhor a Josué”, temos uma ilustração do envolvimento pessoal de Deus nas vidas do Seu povo. Deus preocupa-se com as nossas vidas e ministérios, e actua sempre para Se revelar e ensinar-nos acerca de nós próprios e do que precisamos de fazer ao caminharmos na vida (1 Ped. 5:6-7; Heb. 13:5-6). A questão é esta: estaremos a ouvir?
“Levanta-te!”. Esta ordem surge com Josué prostrado sobre a sua face, desesperado e em pânico, com pó na cabeça segundo o típico costume oriental. Conforme mencionado, a prostração demonstrava a sua profunda preocupação e humildade, dado que clamava ao Senhor. Em vista da resposta de Deus, contudo, parece que as acções de Josué resultavam essencialmente de desespero, sendo o produto de um espírito de desânimo e descrença, conforme as suas palavras no versículo 7 demonstram convenientemente. Repare uma vez mais na palavra “Ah”, o hebraico ‘ahah, uma interjeição que, neste contexto, mostra desespero ou profunda preocupação.
Uma vez que nada é conseguido com a nossa face no pó, o Senhor diz a Josué que se erga desta condição. Tal atitude, embora bastante humana e característica de todos nós de vez em quando, não é um estado no qual possamos permanecer – não alcança nada, desonra as promessas e pessoa de Deus e neutraliza-nos para o ministério e para o Senhor.
Na Bíblia inglesa, a expressão correspondente a “levanta-te” é traduzida de diferentes formas, consoante a versão: a KJV apresenta “get thee up” (“levanta-te”), a NIV “stand up” (“põe-te em pé”), a NASB “rise up” (“ergue-te”) e a Bíblia NET “get up” (“levanta-te”). O verbo aqui em causa é o hebraico qum, que significa com frequência erguer-se de uma posição prostrada por diversas razões e a partir de várias condições. Partindo deste significado literal, qum associa-se frequentemente a uma ideia figurativa. É usado acerca do levantar como acto preparatório de uma acção, de se erguer de um estado de inacção ou fracasso, de mostrar respeito e adoração, de se levantar para ouvir a Palavra de Deus, de se tornar forte ou poderoso, de se erguer para providenciar salvação, de assumir um cargo ou responsabilidade (como um profeta ou um juiz) e de se erguer a fim de dar testemunho. Várias destas ideias são aplicáveis neste contexto. Esta ordem impele Josué a erguer-se do seu estado de desespero e futilidade, que o havia neutralizado, de modo a preparar-se para a acção, escutar o Senhor, assumir a sua responsabilidade e liderar o povo na salvação de Deus.
Aplicação: Ainda que o Senhor compreenda e simpatize com os nossos problemas e medos, e embora humilharmo-nos diante do Senhor seja sempre necessário, Ele nunca admite a nossa prostração em desespero, nem nos dispensa de nos apropriarmos da Sua graça e partirmos em obediência. A Sua palavra para nós é que nos levantemos de sobre o nosso rosto, fixemos n’Ele os nossos olhos e lidemos com os nossos problemas de acordo com os princípios e promessas da Escritura. Este é um chamamento para a acção decisiva, disposta a tomar decisões difíceis de modo a lidar com o nosso pecado. Não é suficiente que nos sintamos arrependidos e tristes devido à nossa condição. Temos de estar dispostos a lidar de forma decisiva com os nossos pecados. “O que encobre as suas transgressões nunca prosperará; mas o que as confessa e deixa alcançará misericórdia” (Prov. 28:13).
“Por que estás prostrado assim sobre o teu rosto?”. Literalmente, o texto diz “Por que te estás a prostrar sobre o teu rosto?”. A natureza desta questão carrega uma nota de repreensão com uma chamada para um exame que permita chegar ao fundo do problema, isto é, a causa do fracasso deles. Efectivamente, Deus está a dizer: “em vista do Meu plano para Israel e das promessas que te fiz, Josué, que razão poderias ter para semelhante desespero?”. Assim, portanto, encontra-se aqui um apelo para que Josué pusesse os seus olhos no Senhor, mas também para que procurasse a causa na própria iniquidade deles! Quando o fracasso chega, nunca devemos pensar que Deus nos abandonou ou que o Seu plano falhou. Devemos perguntar-nos: poderei eu ser a causa?
Portanto, trata-se de um apelo para Josué (e para nós, na medida do aplicável), a fim de que examinemos a natureza do que estamos a fazer e procuremos as causas fundamentais para as derrotas da vida, assim que as mesmas ocorrem. Temos de compreender com precisão que lições Deus procura ensinar-nos – “Foi isto causado por algo que eu fiz ou que não consegui fazer?”.
Ao ler-se o versículo 11 na versão NASB ou KJV (acontecendo o mesmo na versão portuguesa “João Ferreira de Almeida, Revista e Corrigida”), parecem existir diversas transgressões, devido à forma como cada oração está ligada por “e”; mas, na maioria, cada oração é uma explicação mais detalhada da precedente. As traduções NIV e Bíblia NET (bem como a “Nova Versão Internacional”, em português) procuram mostrar o seguinte: cada descrição é uma explicação adicional do problema, partindo do geral para o específico, adicionando cada nova oração mais detalhe ao que estava envolvido.
Israel pecou; eles transgrediram o meu pacto que lhes tinha ordenado; tomaram do anátema, furtaram-no e, dissimulando, esconderam-no entre a sua bagagem (João Ferreira de Almeida, Revista e Actualizada)
(1) “Israel pecou” (tal constata a natureza básica do fracasso deles e do nosso – o pecado [o termo hebraico é hata, significando “errar um alvo ou um caminho, ficar aquém do padrão”]); (2) “eles transgrediram” (“transgrediram” corresponde ao hebraico abar, “atravessar, ultrapassar os limites de, ir além, transgredir”) “o meu pacto que lhes tinha ordenado” (isto aponta para o assunto específico). (3) “Tomaram do anátema, furtaram-no” (tal mostra a forma como haviam violado o pacto – roubando aquilo que pertencia ao Senhor, consagrado a Ele - e o que isso implicava); (4) “e, dissimulando, esconderam-no entre a sua bagagem” (isto descreve as consequências adicionais, o efeito bola-de-neve do pecado, revelando a natureza egoísta e avara do que fora feito, que é a raiz da maior parte do pecado).
Devemos prestar especial atenção ao “pelo que” introdutório deste versículo. A NIV (bem como a “Nova Versão Internacional”, em português) traz “por isso”, e a NASB e KJV (bem como a versão portuguesa “João Ferreira de Almeida, Revista e Actualizada”) têm “pelo que”. Deste modo, somos direccionados para uma das consequências do pecado de Acan e do pecado não confessado em geral – fraqueza, incapacidade de servir e viver para o Senhor. Porquê? Porque o pecado entristece e extingue o Espírito (Ef. 4:30; 1 Tes. 5:19). Tal ilustra a verdade declarada em João 15:1-7 (a necessidade de estar em Cristo); Efésios 4:30 (como o pecado entristece a pessoa do Espírito); 1 Tessalonicenses 5:19 (como o pecado extingue o poder do Espírito); Provérbios 28:13 (como a incapacidade de confessar e lidar decididamente com o pecado impede o Senhor de fazer prosperar o nosso caminho). Em Cristo, temos a capacidade de viver vitoriosamente para o Senhor independentemente daquilo que enfrentamos, mas a aptidão para o fazermos depende sempre da amizade com o Salvador no poder do Espírito; temos de andar na luz (1 João 1:5-9).
Em preparação para o seu ministério de liderança, é novamente dito a Josué “levanta-te”. Não pode liderar o povo com o rosto no pó ou enquanto anda abatido, deprimido por causa da derrota. Essencialmente, trata-se de um apelo ao retorno à comunidade e à fé no poder de Deus. É semelhante às palavras que o Senhor dirigiu a Pedro em Lucas 22. Pedro foi avisado que Satanás o cirandaria como trigo, mas depois o Senhor disse-lhe, “e tu, quando te converteres, confirma os teus irmãos” (Lucas 22:32). Pedro não deveria permitir que o seu fracasso e negações o neutralizassem ou impedissem de ser um líder e auxiliar outros. Assim, mais tarde, depois de voltar à comunidade, Pedro exortaria: “cingi os lombos do vosso entendimento…” (1 Ped. 1:13). Em vista do que se segue – o exame e cumprimento da disciplina em Acan e sua família –, Josué comunicou indubitavelmente esta mesma ordem ao povo.
Depois, no versículo 13, foi dito a Josué “santifica o povo”, a fim de prepará-lo para lidar com o problema. Ele deveria chamar a atenção das pessoas para a causa da sua derrota. Alguém tomara das coisas pertencentes ao anátema, o que levara Deus a retirar o Seu poder. Conforme o Senhor enfatizara a Josué, assim deveria ele chamar a atenção do povo para a causa e as consequências do pecado. Tal também lhes apelava que se santificassem, ou seja, que se preparassem para as actividades que teriam lugar no dia seguinte. Deveriam pôr o dia de parte para esta actividade, preparando os seus corações, talvez através da oração e adoração, para aquilo que Deus teria de fazer.
No versículo 14, são dadas instruções específicas para que se purgasse este pecado do meio deles. Primeiro, ocorreria um exame das pessoas tribo a tribo, família a família e, finalmente, homem a homem. Repare na forma como os homens eram responsáveis pelas suas famílias. O exame revelaria o culpado. O versículo 15 descreve o castigo que deveria ser levado a cabo sobre o grupo culpado, acrescentando a razão para a severidade da punição.
16 Então, Josué se levantou de madrugada e fez chegar a Israel, segundo as suas tribos; e a tribo de Judá foi tomada. 17 E, fazendo chegar a tribo de Judá, tomou a família de Zerá; e, fazendo chegar a família de Zerá, homem por homem, foi tomado Zabdi; 18 e, fazendo chegar a sua casa, homem por homem, foi tomado Acan, filho de Carmi, filho de Zabdi, filho de Zerá, da tribo de Judá. 19 Então, disse Josué a Acan: Filho meu, dá, peço-te, glória ao Senhor, Deus de Israel, e faze confissão perante ele; e declara-me agora o que fizeste, não mo ocultes. 20 E respondeu Acan a Josué e disse: Verdadeiramente pequei contra o Senhor, Deus de Israel, e fiz assim e assim. 21 Quando vi entre os despojos uma boa capa babilónica, e duzentos siclos de prata e, uma cunha de ouro do peso de cinquenta siclos, cobicei-os e tomei-os; e eis que estão escondidos na terra, no meio da minha tenda, e a prata, debaixo dela.
Lemos por quatro vezes em Josué que o mesmo se levantou de madrugada a fim de tratar de assuntos importantes. Josué não era nenhum procrastinador.
Em seguida, nos versículos 16 a 18, o processo da descoberta é descrito, começando com todo o Israel, sendo reduzido por tribos até à tribo de Judá, depois por famílias ou clãs até aos zeraítas, em seguida até à família de Zimri (Zabdi), e dessa família até Acan. Por que seguiu Josué este procedimento e de que forma foi capaz de estreitar a busca até Acan? A resposta encontra-se no versículo 14, com a repetição das palavras “que o Senhor tomar” ou “escolher” (Bíblia NET e Nova Versão Internacional, em português). As palavras “by lot” (“por sorteio”), encontradas na NASB, aparecem em itálico e não estão no original, mas provavelmente expressam os meios utilizados, devido às palavras “which the Lord takes” (“que o Senhor tomar”).
Nos versículos 16-18, as expressões “que o Senhor tomar” ou “escolher” referem-se a uma escolha provavelmente baseada no uso do Urim e do Tumim, de acordo com Êxodo 28:15, 30 (confira Núm. 27:21) e que, de alguma forma, envolvia lançar sortes (confira Prov. 16:33; Jos. 14:1-2; 18:6).
Uma questão-chave é o que seriam o Urim e o Tumim. Aparecem na Escritura sem explicação, mas o que se segue poderá ajudar-nos, embora existam diversas teorias acerca do seu significado.
(1) O hebraico para esta frase significa provavelmente “as luzes” e “as perfeições”, ou “luz e perfeição”. A palavra hebraica para Urim (‘urim, um substantivo plural) deriva provavelmente de ‘or, “ser luz”. Tumim, também plural, provavelmente provém de um termo hebraico que significa “perfeição”.
(2) Urim começa com a primeira letra do alfabeto hebraico (alef), e Tumim (thummim) inicia-se com a última letra (tav). Talvez, tal como a Lei edificada sobre o alfabeto hebraico (de alef a tav) simbolizava a vontade moral de Deus, também o Urim e o Tumim representavam a orientação de Deus em situações especiais, para lá do conhecimento e aptidão humanos.
(3) O Urim e o Tumim aparecem na Escritura sem identificação explicativa, excepto quanto ao facto de deverem ser colocados “no peitoral… sobre o coração de Aarão” (Êx. 28:30), sugerindo que estes são termos descritivos para as doze pedras preciosas do contexto imediatamente precedente, gravadas com os nomes das tribos de Israel (vv. 17-21), e guardadas no peitoral do juízo, sobre o coração de Aarão (v. 29). 6 Alguns crêem que consistiam apenas em duas pedras especiais.
(4) Michaelis (Laws of Moses, 5:52) dá a sua opinião de que o Urim e o Tumim eram três pedras, estando numa delas escrito “Sim” e na outra “Não”, sendo a terceira deixada neutra ou branca. Seriam usadas como sortes, e o sumo sacerdote decidiria de acordo com aquela que fosse retirada. Kalisch (em Êxodo 28:31) identifica o Urim e o Tumim como as doze jóias tribais. Ele contempla o nome como devendo ser explicado por uma hendíadis (luz e perfeição – iluminação perfeita), e acredita que o sumo sacerdote, ao concentrar os seus pensamentos nos atributos que representavam, removeria de si próprio todo o egoísmo e preconceito, transitando para um verdadeiro estado profético. O processo de consultar Jeová mediante o Urim e o Tumim não é fornecido na Escritura. 7
(5) Eram guardadas no peitoral ou bolsa do juízo, usado no exterior do éfode. O ponto principal é que constituíam um método para procurar orientação divina e respostas a questões e crises para lá da percepção humana, mediante o ministério do sacerdote.
No The Bible Knowledge Commentary, o Dr. Hannah escreve:
Desconhece-se como eram usados para determinar a vontade de Deus, mas alguns sugerem que o Urim representava uma resposta negativa, e o Tumim uma resposta positiva. Talvez esta perspectiva seja indicada pelo facto de Urim… começar com a primeira letra do alfabeto hebraico, e Tumim… com a última. Outros sugerem que os objectos simbolizavam simplesmente a autoridade do sumo sacerdote quanto a inquirir de Deus, ou a garantia de que o sacerdote receberia esclarecimento ou iluminação (“luzes”) e conhecimento perfeito (“perfeições”) de Deus. 8
(6) De qualquer forma, seriam provavelmente sortes sagradas, usadas em tempos de crises de modo a determinar a vontade de Deus (veja Núm. 27:21). Cada decisão do Urim provinha do Senhor (Prov. 16:33). O uso do Urim e do Tumim para determinar as decisões de Deus ou para encontrar a Sua vontade deveria ser feito pelo sumo sacerdote, pois apenas ele podia usar o éfode que continha o Urim e o Tumim.
(7) Em 1 Samuel 2:28, são mencionadas três tarefas dos sacerdotes: (a) Oferecer sobre o meu altar, isto é, realizar os rituais sacrificiais no altar do holocausto, no pátio do tabernáculo; (b) Acender o incenso no altar do incenso no Lugar Santo (Êx. 30:1-10), e (c) Trazer o éfode. Esta é uma referência ao éfode especial a ser usado pelos sumos sacerdotes. Tal incluía o peitoral ou bolsa que continha o Urim e o Tumim, os meios divinamente ordenados para a comunicação com Deus e tomada de decisões, de alguma forma relacionadas com lançar sortes.
Deus deu orientação divina e Acan foi descoberto por meios sobrenaturais. Não avançou voluntariamente para se confessar ou arrepender, entregando-se à misericórdia de Deus. O seu fracasso neste ponto contrasta com a atitude do filho pródigo e do publicano no Novo Testamento.
Tal como 1 Coríntios 10 nos recorda, o que aconteceu a Acan está registado para nosso aviso e instrução, lembrando-nos um dos processos que levam ao pecado. A sequência até ao pecado de Acan é familiar. Ele viu, cobiçou e tomou. Aconteceu o mesmo com Eva (Gén. 3:6) e com David (2 Sam. 11:2-4), e também se passa o mesmo connosco. A abordagem de Josué foi delicada, mas firme. Ele odiava o pecado, mas amava o pecador. Embora honesta, a confissão de Acan chegou demasiado tarde e foi produto da descoberta. Não se tratou de um acto de arrependimento ou da tristeza piedosa que conduz ao mesmo (2 Cor. 7:8-11).
Certamente, existem aqui algumas lições importantes:
(1) A confissão sem arrependimento ou uma mudança mental genuína é vazia. Não nos restaura à comunhão, não porque o arrependimento seja um trabalho que devemos fazer de modo a obter o perdão de Deus, mas sim porque sem ele continuamos a ter uma atitude errada, que mantém uma barreira entre nós e o Senhor.
(2) Por vezes, a confissão chega demasiado tarde para parar a disciplina, tal como no caso de David. O objectivo primário da confissão não é evitar problemas ou o castigo de Deus. O propósito da confissão é restabelecer a comunhão e virar as nossas vidas para Deus por querermos andar com Ele sob o Seu controlo, caminhando na Sua direcção (Amós 3:3).
Quiçá a necessidade mais prática aqui seja notarmos o processo, para vermos se conseguimos descobrir o que levou à escolha e pecado de Acan. O facto de Acan ter escondido o saque mostra que sabia claramente que aquilo que estava a fazer era errado. Portanto, o que o levou a avançar e a fazê-lo? Bem, por que pecou Eva e caiu nos enganos da serpente?
Em resposta a isto, podemos reparar primeiro naquilo que Acan tomou. Ele pegou em ouro e prata, o que sugere materialismo, o acto de confiar nas riquezas para a nossa segurança e felicidade. Mas ele também levou uma bonita capa oriunda da Babilónia. Tal não só aponta para materialismo, mas para o desejo de ser elegante e obter a aprovação dos homens, procurando o nosso sentido de significância no elogio ou aplauso de outros.
Princípio: Estes desejos (padrões de concupiscência) ilustram os diversos padrões de concupiscência que todos enfrentamos e que, quando não tratados com fé, podem dominar as nossas vidas. Incluem coisas como o desejo de estatuto, poder, prestígio, prazer, bens, elogio ou aplauso e reconhecimento, mas não são mais do que soluções humanas ou estratégias protectoras que usamos para encontrar segurança, significância e satisfação longe de Deus. Jeremias chama-lhes cisternas rotas. “Porque o meu povo fez duas maldades: a mim me deixaram, o manancial de águas vivas, e cavaram cisternas, cisternas rotas, que não retêm as águas” (Jer. 2:13).
Estes padrões de concupiscência têm a sua fonte: (a) Na natureza pecaminosa, com o seu pensamento e raciocínio defeituosos (Isa. 55:8 ss; Prov. 14:12; Rom. 1:18 ss; Efésios 4:17 ss). (b) No mundo e no seu raciocínio ou perspectiva humanos, que procuram viver sem Deus e longe da Sua revelação e plano (Rom. 12:2). (c) Em estruturas de crenças falsas que, pensando de acordo com a perspectiva do homem e acreditando nos enganos do mundo e de Satanás, crêem que estas coisas irão suprir as nossas necessidades, tais como a segurança ou a felicidade. (d) Na descrença na bondade de Deus, sabedoria e perfeição temporal na forma como provê as nossas necessidades.
Tal como Eva, Acan estava insatisfeito, impaciente e confiante em si mesmo. Ele acreditava, confiava e usava as suas próprias estratégias protectoras para obter o que desejava da vida. Ironicamente, Deus estava a trazer todo o Israel até à terra, onde cada homem teria o seu próprio terreno, casa e bênçãos abundantes. Porém, a insatisfação causada por não conseguir encontrar a sua felicidade no Senhor originou impaciência, que o levou a cobiçar e a avançar com as suas próprias soluções. Embora a ordem contra a cobiça seja um dos Dez Mandamentos, a cobiça é o pecado básico contra o qual a maioria dos restantes mandamentos foi elaborada, e a raiz por trás da maior parte do nosso pecado.
Cobiçar deve-se à insatisfação com a nossa sorte na vida e à nossa incapacidade quanto a procurar a nossa felicidade no Senhor e confiar n’Ele como a fonte das nossas necessidades de segurança, significância e satisfação. O Novo Testamento define a cobiça como idolatria (Efésios 5:5; Col. 3:5). Em última análise, a idolatria consiste em procurar nas coisas aquilo que somente Deus pode dar. Um ídolo pode ser (a) uma impotente imagem esculpida em madeira ou metal precioso à qual alguém reza e pede ajuda, (b) mas também pode ser materialismo, aquela forma de vida que procura segurança e significância no dinheiro, bens, poder, prestígio e prazer. (c) Também pode ser secularismo, uma filosofia de vida na qual as pessoas procuram viver afastadas da dependência de Deus, ou (4) pode tratar-se da aprovação dos homens, a procura de satisfação e segurança no elogio de outros. Campbell escreve:
Estima-se que os Americanos sejam bombardeados com 1,700 anúncios por dia, através de diversas formas de comunicação social. Embora não haja o perigo de comprarmos todos esses 1,700 produtos, existe a possibilidade de aceitarmos a filosofia por trás destes anúncios – a de que teremos vidas completas, realizadas e satisfatórias caso conduzamos este carro, usemos esta laca de cabelo ou bebamos aquela bebida.9
Portanto, qual é a nossa necessidade? É aprender o segredo de Paulo de contentamento no Senhor, conforme descrito em Filipenses 4:12-13 (veja também Filipenses 3:13-14 e 1 Tim. 6:6-19).
22 Então Josué enviou mensageiros, que foram correndo à tenda: e eis que tudo estava escondido na sua tenda, e a prata debaixo dela. 23 Tomaram, pois, aquelas coisas, do meio da tenda, e as trouxeram a Josué e a todos os filhos de Israel; e as deitaram perante o Senhor. 24 Então Josué, e todo o Israel com ele, tomaram a Acan, filho de Zerá, e a prata, e a capa, e a cunha de ouro, e a seus filhos, e a suas filhas, e a seus bois, e a seus jumentos, e a suas ovelhas, e a sua tenda, e a tudo quanto tinha; e levaram-nos ao vale de Acor. 25 E disse Josué: Por que nos turbaste? O Senhor te turbará a ti, este dia. E todo o Israel o apedrejou com pedras, e os queimaram a fogo, e os apedrejaram com pedras. 26 E levantaram sobre ele um grande montão de pedras, até ao dia de hoje; assim o Senhor se tornou do ardor da sua ira: pelo que se chamou o nome daquele lugar, o vale de Acor, até ao dia de hoje.
Ao lermos esta passagem, uma das questões que nos chega à mente é o porquê de Deus ter sido tão duro com Acan e a sua família. Contrastando com a misericórdia que observamos no Novo Testamento, parece terrivelmente severo. Podemos pensar na misericórdia que o Senhor demonstrou com a mulher no poço, que tivera cinco maridos (João 4:18), e com a mulher acusada de adultério que, enquanto judia, poderia ter sido apedrejada de acordo com a Lei (João 8:3 ss), e questionarmos por que Acan não recebeu misericórdia similar. Temos tendência a esquecer outras passagens do Novo Testamento, tais como a morte de Ananias e Safira (Actos 5) e os impressionantes juízos da Tribulação, em que o sangue dos homens é retratado como fluindo do lagar da ira de Deus até aos freios dos cavalos (compare Rev. 14:18-20; 19:13 com Isa. 63:1-6). Também podemos ter propensão a esquecer ou minimizar a santidade de Deus. Deus É descrito como santo, mais do que qualquer outro dos Seus atributos, mais até do que o Seu amor, misericórdia e graça. Enquanto Deus santo, Ele É rectidão e justiça perfeitas e, devido à Sua justiça, tem de tratar do pecado (confira Salmo 50:21; Eclesiastes 8:11-12).
Mas existe aqui outra questão que não devemos ignorar ao pensarmos nesta passagem. Quem eram estas pessoas, e qual o seu propósito? Eram um povo chamado por Deus para ser Sua testemunha para o mundo, e através do qual Deus concederia o Salvador (compare Êx. 19:4-6; Deut. 10:15 ss; com 1 Ped. 1:14 ss; 2:9-12). Tal envolvia salvaguardar o bem-estar e propósito da maioria, lidando com este pecado de uma forma que os faria compreender quão sério era o seu chamamento e o seu percurso com Deus. Tal como a situação com Ananias e Safira ocorreu nos primórdios da igreja, também o juízo contra Acan teve lugar no período inicial da entrada de Israel na terra, de modo a incutir o temor de Deus nos corações das pessoas e a fornecer um exemplo da seriedade do que Acan fizera ao violar a aliança de Deus. O grande monte de pedras erguido sobre a sepultura de Acan parece ter sido feito como memorial de aviso para as gerações futuras.
O golpe final foi concretizado ao erguer-se um sinal histórico, um grande montão de pedras, sobre o corpo de Acan. Tal parece ter sido um método comum de sepultamento para indivíduos infames (confira 8:29). Neste caso, serviu o bom propósito de alertar Israel contra o pecado de desobedecer às ordens expressas de Deus.10
A posse inicial e usufruto da terra e suas bênçãos, bem como a aptidão para realizarem o seu chamamento enquanto povo escolhido de Deus, estavam dependentes da obediência a Deus, pois era Ele quem lhes dava a terra, com todas as suas numerosas bênçãos e responsabilidades (Deut. 28-30).
Devemos reparar que, embora Acan tenha confessado o seu pecado, apenas o fez quando foi descoberto e obrigado a isso. Tivesse ele se entregado voluntariamente à misericórdia de Deus, a sua vida poderia ter sido poupada, tal como quando David pecou. Campbell escreve: “Em vista do facto de a Lei proibir a execução dos filhos pelos pecados dos pais (Deut. 24:16), assume-se que os filhos de Acan eram cúmplices no crime.” 11
Outro assunto-chave que não deve ser esquecido é a perturbação que isto trouxe aos demais. Deus tomou medidas severas devido às consequências sérias do pecado de Acan sobre outros (foi um exemplo terrível, perderam-se várias vidas, Israel foi derrotado e a honra de Deus posta em causa [confira vs. 25]). O memorial de pedras no vale chamado Acor, que significa “perturbação”, fazia referência a este facto.
Existem neste capítulo três pontos conclusivos que gostaria de focar.
(1) O nosso pecado tem de ser tratado de forma honesta e decisiva.
(2) A escolha de Acan ergueu-se a partir do solo da insatisfação. Como poderia haver insatisfação em vista de tudo o que ele aprendera e vira, enquanto membro do privilegiado povo de Israel? Não sabemos mas, por qualquer razão, Acan estava insatisfeito com a sua sorte na vida, por não a conseguir entregar à providência e bondade de Deus. A sua incapacidade de caminhar na fé levou à procura de satisfação, segurança e significância no mundo material pelo que, cobiçando bens, decidiu pegar em coisas sob anátema. Foi a condição espiritual de insatisfação e existência independente que o levou a resolver o assunto com as próprias mãos, acreditando que, através das suas próprias soluções, iria de encontro às suas necessidades. O nosso fracasso quanto a encontrarmos o nosso contentamento no Salvador e Seu amor e graça é certamente a causa de uma grande parte da miséria criada por nós mesmos e do comportamento pecaminoso. O Senhor realçou este mesmo aspecto em Mateus 6, quando avisou os discípulos contra armazenarem tesouros na terra e contra a preocupação com os detalhes da vida – bebida, comida e vestuário. Entretanto, definiu a procura dos detalhes da vida em detrimento de buscar primeiro o reino de Deus e a Sua justiça como uma simples questão de não confiar verdadeiramente na provisão de Deus. O assunto diz respeito a ter pouca fé. Depois de indicar o modo como Deus cuida dos pássaros e veste a erva, Ele disse,
Pois, se Deus assim veste a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno, não vos vestirá muito mais a vós, homens de pouca fé? 31 Não andeis, pois, inquietos, dizendo: Que comeremos, ou que beberemos, ou com que nos vestiremos? (Mateus 6:30-31)
(3) Seria útil notar que, quando Acan pecou e passou a existir pecado no acampamento de Israel, a bênção e força de Deus foram interrompidas e a nação enfrentou disciplina e fracasso. Mas, estando o pecado tratado como o Senhor ordenara, através da Sua graça, a bênção e força de Deus retornaram. Uma vez mais, somos recordados que ter pecado conhecido nas nossas vidas cria uma barreira entre nós e o Senhor, porque mostra o nosso empenho em seguirmos o nosso próprio caminho e em lidarmos com as nossas vidas mediante estratégias próprias.
Texto original de J. Hampton Keathley, III.
Tradução de C. Oliveira.
1 R. Laird Harris, Editor, Gleason L. Archer, Jr., Bruce K. Waltke, Associate Editors, Theological Word Book of the Old Testament, Moody Press, Chicago, Vol. 1, 1980, p. 324.
2 Norman L. Geisler, A Popular Survey of the Old Testament, Baker Book House, Grand Rapids, 1977, p. 100.
3 Frank E. Gaebelein, General Editor, Expositors Bible Commentary, Old Testament, Zondervan, Grand Rapids, 1997, versão electrónica.
4 J. Oswald Sanders, Spiritual Leadership, Moody Press, 1967, p. 159.
5 Sanders, p. 163-164.
6 R. Laird Harris, Editor, Gleason L. Archer, Jr. Bruce K. Waltke, Associate Editors, Theological Word Book of the Old Testament, Moody Press, Chicago, Vol. 1, 1980, p. 26.
7 The New Unger’s Bible Dictionary, versão electrónica.
8 John F. Walvoord, Roy B. Zuck, Editors, The Bible Knowledge Commentary, Victor Books, Wheaton, 1983,1985, versão electrónica.
9 Donald K. Campbell, Joshua, Leader Under Fire, Victor Books, 1989, p. 65.
10 Walvoord, Zuck, versão electrónica.
11 Campbell, p. 66.
Quantas vezes Deus deve engendrar a derrota antes de poder engendrar a vitória. Por vezes, o sucesso entra pela porta dos fundos do fracasso. Ao iniciarmos este capítulo, recordo-me de alguns versículos no Salmo 119. “Antes de ser afligido, andava errado; mas agora, guardo a tua palavra” (vs. 67); e “Foi-me bom ter sido afligido, para que aprendesse os teus estatutos” (vs. 71).
Neste capítulo, vemos novamente a graça de Deus e a verdade da restauração. As derrotas nunca têm de ser o fim. De facto, podem ser o início, se apenas respondermos à graça de Deus como um Pai celestial amoroso e cuidadoso, que age para produzir em nós crescimento espiritual e mudanças à semelhança de Cristo. Porém, tal não minimiza as consequências do pecado. No incidente em Ai, o nome de Deus fora desonrado, vidas tinham sido perdidas e uma família pagara o pecado com a morte. O ímpeto que Israel ganhara foi temporariamente perdido e o povo de Deus ficou cheio de melancolia e desespero.
A história de Ai é uma mensagem de aviso. Lembra-nos que o pecado não pode ser tolerado na vida cristã. Impede a bênção de Deus da perspectiva de uma existência cristã produtiva. O pecado entristece e extingue o Espírito.
A história de Ai é também uma proclamação de esperança. Recorda-nos que a bênção e a produtividade podem aparecer assim que se confessa e se lida com o pecado.
1 Então disse o Senhor a Josué: Não temas, e não te espantes: toma contigo toda a gente de guerra, e levanta-te, sobe a Ai: olha que te tenho dado na tua mão o rei de Ai, e o seu povo, e a sua cidade, e a sua terra. 2 Farás, pois, a Ai, e a seu rei, como fizeste a Jericó e a seu rei: salvo que, para vós saqueareis os seus despojos e o seu gado: põe emboscadas à cidade, por detrás dela.
Estando o pecado de Acan julgado, o favor de Deus relativamente à nação foi recuperado. A próxima coisa que lemos diz respeito à nova revelação que Deus fez a Josué, para o encorajar e lhe fornecer orientações para a vitória. As primeiras palavras que Josué ouviu foram " Não temas, e não te espantes ". Josué já escutara estas palavras antes. São palavras especiais para encorajar o povo de Deus quando este enfrenta o inimigo:
Isto serve para nos recordar que Deus É um Deus de conforto, que quer consolar e encorajar-nos através da Sua Palavra (confira Isa. 40:1; 2 Cor. 1:3 ss; Rom. 15:4).
Assegurada a bênção do Senhor através de palavras de conforto, foram dadas algumas orientações específicas.
(1) Não cometam o mesmo erro outra vez: a palavra de Deus a Josué era que usasse todos os guerreiros de Israel. Embora a causa primária para a derrota em Ai tivesse sido o pecado de Acan, uma causa secundária foi subestimarem o inimigo, sobrestimarem-se a si mesmos e fiarem-se no Senhor (confira 7:3‑4). Por isso, é-lhes agora dito que levem todos os homens de guerra e avancem às ordens de Deus, confiando no facto de que seria Deus que lhes daria a vitória.
(2) Transformem o lugar da derrota no lugar da vitória: Repare no que acontece aqui. É novamente dito a Josué que avance e ataque Ai. Ele deverá regressar ao local da derrota e, agora, uma vez que Josué e o povo se relacionam de forma correcta com o Senhor, Deus prometeu que poderiam transformar o lugar da derrota num lugar de vitória.
(3) A base da vitória é sempre a mesma: As palavras "como a Jericó" recordam-nos que a vitória em Ai não só seria tão completa como a que ocorrera em Jericó, mas também que, como em Jericó, aconteceria através do poder de Deus, independentemente da estratégia usada. Deus quer que os nossos lugares de derrota se transformem em lugares de vitória. Não é suposto vivermos na derrota ou aceitá-la como norma para a vida cristã. Mas, como sempre, a vitória chega através da fé na presença e provisão de Deus.
(4) Os prometidos despojos da vitória — a ironia da bênção de Deus: No versículo 2, foi dito a Josué que os despojos de Ai e o gado poderiam ser agora tomados por Israel. Enquanto primícia da terra, Jericó fora colocada sob anátema, mas tal não foi o caso de Ai. Que ironia! A impaciência de Acan, não reprimida por paciência e confiança no Senhor para a provisão das suas necessidades, levou na verdade a que perdesse precisamente aquilo que desejara e muito mais. Desperdiçou a sua vida. "Se Acan tivesse somente suprimido os seus desejos ambiciosos e egoístas e obedecesse à palavra de Deus em Jericó, teria mais tarde tudo o que o seu coração desejasse e também a bênção de Deus. Quão fácil é pegarmos nos assuntos com as próprias mãos e anteciparmo-nos ao Senhor!"1. O caminho da fé e da obediência é sempre o melhor.
(5) Uma mudança nas estratégias (vs. 2b): A estratégia usada em Ai diferia inteiramente da que fora empregue em Jericó. Tal é altamente instrutivo para nós no ministério, nas batalhas espirituais ou no caminho a que Deus nos conduz. "Os israelitas não marcharam à volta das muralhas de Ai por sete vezes, nem as muralhas caíram milagrosamente".2 Era agora ordenado a Israel que conquistasse a cidade através de um combate normal.
Princípio: Não devemos esperar que Deus aja da mesma forma ou nos conduza sempre ao mesmo caminho. Temos de estar abertos e sensíveis aos diversos caminhos a que Deus nos pode conduzir. Enquanto Soberano Deus do universo, Ele nunca está limitado a um método particular para alcançar os Seus propósitos. Quando a minha esposa e eu frequentávamos o seminário, Deus proveu as nossas necessidades de numerosas maneiras. Por vezes, agia de formas que pareciam quase miraculosas. Noutras ocasiões, actuava mais através de meios e métodos naturais mas, atrás de tudo, estava a obra soberana e a atenção do Senhor.
3 Então Josué levantou-se, e toda a gente de guerra, para subir contra Ai: e escolheu Josué trinta mil homens valentes e valorosos, e enviou-os de noite. 4 E deu-lhes ordem, dizendo: Olhai, poreis emboscadas à cidade, por detrás da cidade; não vos alongueis muito da cidade: e todos vós estareis apercebidos. 5 Porém eu, e todo o povo que está comigo, nos achegaremos à cidade: e será que, quando nos saírem ao encontro, como dantes, fugiremos diante deles. 6 Deixai-os, pois, sair atrás de nós, até que os tiremos da cidade; porque dirão: Fogem diante de nós, como dantes. Assim fugiremos diante deles. 7 Então saireis vós da emboscada, e tomareis a cidade: porque o Senhor, vosso Deus, vo-la dará na vossa mão. 8 E será que, tomando vós a cidade, poreis a cidade a fogo; conforme à palavra do Senhor fareis; olhai que vo-lo tenho mandado. 9 Assim Josué os enviou, e eles se foram à emboscada; e ficaram entre Betel e Ai, ao ocidente de Ai: porém Josué passou aquela noite no meio do povo.
10 E levantou-se Josué de madrugada e contou o povo; e subiram ele e os anciãos de Israel, diante do povo, contra Ai. 11 Subiu, também, toda a gente de guerra que estava com ele, e chegaram-se, e vieram em frente da cidade, e alojaram-se da banda do norte de Ai; e havia um vale entre ele e Ai. 12 Tomou também alguns cinco mil homens, e pô-los entre Betel e Ai, em emboscada, ao ocidente da cidade. 13 E puseram o povo, todo o arraial que estava ao norte da cidade, e a sua emboscada ao ocidente da cidade: e foi Josué aquela noite ao meio do vale.
A estratégia para a captura de Ai era engenhosa (vss. 3‑9). Envolvia montar uma emboscada atrás (a ocidente) da cidade. O próprio Deus dissera a Josué para assim fazer (vss. 2, 8). A concretização deste plano envolvia três destacamentos de soldados. O primeiro era um grupo de guerreiros tipo comando, que foram enviados durante a noite para se esconderem na parte oeste da cidade. A sua missão era entrar em Ai e incendiarem-na depois de os seus defensores a desertarem a fim de perseguirem Josué e o seu exército, como haviam feito anteriormente. É dito que esta unidade abrangia 30,000 soldados. A presença de grandes rochas na região possibilitaria que todos estes homens permanecessem escondidos; ainda assim, parece um número excessivo de soldados para esta missão em particular. Em relação aos 30,000, Ryrie salienta:
Um número aparentemente grande para uma emboscada. Tem sido sugerido que em vez de "mil" se deveria ler "comandante". Se assim for, Josué enviou 30 comandantes numa emboscada tipo comando. 3
O segundo contingente era o exército principal que, bem cedo na manhã seguinte, percorreu as 15 milhas (cerca de 24 quilómetros) desde Gilgal e acampou à vista desarmada no lado norte de Ai. Guiado por Josué, este exército constituía uma força de diversão, destinada a atrair os defensores de Ai para fora da cidade.
O terceiro contingente era outra emboscada, contando 5,000 homens que se encontravam posicionados entre Betel e Ai, de modo a impedir uma possível chegada de reforços desde Betel para ajudar os homens de Ai. 4
14 E sucedeu que, vendo-o o rei de Ai, se apressaram, e se levantaram de madrugada, e os homens da cidade saíram ao encontro de Israel ao combate, ele e todo o seu povo, ao tempo assinalado, perante as campinas: porque ele não sabia que se lhe houvesse posto emboscada detrás da cidade. 15 Josué, pois, e todo o Israel, se houveram como feridos diante deles, e fugiram pelo caminho do deserto. 16 Pelo que, todo o povo que estava na cidade foi convocado para os seguir: e seguiram a Josué e foram atraídos da cidade. 17 E nem um só homem ficou em Ai, nem em Betel, que não saísse após Israel: e deixaram a cidade aberta, e seguiram a Israel.
18 Então o Senhor disse a Josué: Estende a lança que tens na tua mão para Ai; porque a darei na tua mão. E Josué estendeu a lança que estava na sua mão para a cidade. 19 Então a emboscada se levantou do seu lugar, apressadamente, e correram, estendendo ele a sua mão, e vieram à cidade, e a tomaram; e apressaram-se, e puseram a cidade a fogo. 20 E, virando-se os homens de Ai para trás, olharam, e eis que o fumo da cidade subia ao céu, e não tiveram lugar para fugirem, para uma parte nem outra; porque o povo que fugia para o deserto se tornou contra os que os seguiam. 21 E, vendo Josué e todo o Israel que a emboscada tomara a cidade, e que o fumo da cidade subia, tornaram, e feriram os homens de Ai. 22 Também aqueles da cidade lhes saíram ao encontro, e assim ficaram no meio dos israelitas, uns de uma, e outros de outra parte: feriram-nos, até que nenhum deles ficou, que escapasse. 23 Porém ao rei de Ai tomaram vivo, e o trouxeram a Josué.
24 E sucedeu que, acabando os israelitas de matar todos os moradores de Ai no campo, no deserto onde os tinham seguido, e havendo todos caído ao fio da espada, até todos serem consumidos, todo o Israel se tornou a Ai, e a puseram a fio de espada. 25 E todos os que caíram aquele dia, assim homens como mulheres, foram doze mil: todos os moradores de Ai. 26 Porque Josué não retirou a sua mão, que estendera com a lança, até destruir, totalmente, a todos os moradores de Ai. 27 Tão somente os israelitas saquearam para si o gado e os despojos da cidade, conforme à palavra do Senhor, que tinha ordenado a Josué. 28 Queimou, pois, Josué a Ai: e a tornou num montão perpétuo, em assolamento, até ao dia de hoje. 29 E ao rei de Ai enforcou num madeiro, até à tarde; e ao pôr-do-sol ordenou Josué que o seu corpo se tirasse do madeiro; e o lançaram à porta da cidade, e levantaram sobre ele um grande montão de pedras, até ao dia de hoje.
O plano decorreu com toda a regularidade (vss. 14‑22). Assim que o rei de Ai avistou o exército de Israel, mordeu a isca e perseguiu os israelitas, que fingiram retirar-se com medo como antes haviam feito. À ordem de Deus, Josué estendeu a lança na sua mão e, tendo isto como sinal, as tropas escondidas em emboscada do lado oeste correram até à cidade e incendiaram-na. Tal deixou cercados os soldados de Ai, sem lugar para fugirem já que, nesse momento, Josué e os seus homens, acompanhados dos 5,000 escondidos em emboscada, voltaram-se para combater os homens de Ai. "Mas, antes que se pudessem orientar, foram apanhados por um movimento em tenaz dos soldados israelitas, e destruídos." 5
Depois de matar todos os soldados de Ai, o exército de Israel reentrou na cidade e matou os seus habitantes (23‑29). Os soldados e cidadãos mortos totalizaram 12,000. Foi retirado saque da cidade, conforme Deus dissera que se poderia fazer (vs. 2). A cidade foi transformada num monte de ruínas.
O rei de Ai, previamente poupado, foi enforcado numa árvore até à tarde, sendo depois sepultado debaixo de um montão de pedras (confira o sepultamento semelhante de Acan, 7:26). O corpo do rei foi removido da árvore ao pôr-do-sol devido à ordem de Deus (Deut. 21:22‑23; confira Josué 10:27). Desta forma, Israel, tendo recuperado o favor de Deus, tornou-se vitorioso sobre a cidade de Ai. Do seu fracasso surgiu não apenas uma segunda oportunidade, mas também uma grande vitória, acompanhada de algumas lições bem necessárias. Embora nunca devamos procurar falhar, o fracasso pode ser a porta dos fundos para o sucesso, já que Deus está disposto a perdoar e a restaurar-nos, caso lidemos com o nosso pecado do modo prescrito na Palavra.
30 Então Josué edificou um altar ao Senhor, Deus de Israel, no monte de Ebal, 31 Como Moisés, servo do Senhor, ordenou aos filhos de Israel, conforme ao que está escrito no livro da lei de Moisés, a saber: um altar de pedras inteiras, sobre o qual se não movera ferro: e ofereceram sobre ele holocaustos ao Senhor, e sacrificaram sacrifícios pacíficos. 32 Também escreveu ali, em pedras, uma cópia da lei de Moisés, que já tinha escrito diante dos filhos de Israel. 33 E todo o Israel, com os seus anciãos, e os seus príncipes, e os seus juízes, estavam de uma e outra banda da arca, perante os sacerdotes levitas, que levavam a arca do concerto do Senhor, assim estrangeiros como naturais; metade deles em frente do Monte Gerizím, e a outra metade em frente do monte Ebal; como Moisés, servo do Senhor, ordenara, para abençoar primeiramente o povo de Israel. 34 E depois, leu em alta voz todas as palavras da lei, a bênção e a maldição, conforme a tudo o que está escrito no livro da lei. 35 Palavra nenhuma houve, de tudo o que Moisés ordenara, que Josué não lesse perante toda a congregação de Israel, e das mulheres, e dos meninos, e dos estrangeiros que andavam no meio deles.
Depois da vitória em Ai, Josué fez o que parecia ser tolo humana e militarmente falando (30‑31). Parecer-nos-ia melhor prosseguir de imediato com a campanha militar e avançar rapidamente, de modo a capturar e assumir o controlo do sector central da terra. Mas não, Josué conduziu os israelitas por uma peregrinação espiritual, destinada a um tempo especial de adoração. Porquê? Moisés ordenara-o (Deut. 27:1‑8) por causa daquilo que este evento simbolizaria nas vidas dos israelitas.
Novamente, tal ilustra o princípio das prioridades principais: a nossa aptidão na vida está sempre dependente da nossa capacidade espiritual e orientação rumo ao plano de Deus. Muitos cristãos enfrentam continuamente a derrota nos seus caminhos porque são incapazes de reservar tempo para estarem sozinhos com o Senhor e reflectirem n'Ele, vestindo a sua armadura espiritual.
Por conseguinte, Josué conduziu sem demora toda a nação – homens, mulheres, crianças e o gado – desde o seu acampamento em Gilgal, para norte do Vale do Jordão, até ao local especificado por Moisés, os montes de Ebal (Josué 8:30) e Gerizím (v. 33), localizados em Siquém. Tratava-se de um percurso de cerca de 30 milhas (aproximadamente 48 quilómetros) e, evidentemente, não seria difícil nem perigoso, pois passariam por uma área escassamente povoada.
Os israelitas defrontavam-se com a possibilidade de um confronto com os homens da cidade de Siquém, uma fortaleza que vigiava a entrada no vale entre estas montanhas. Talvez os siquemitas tenham permanecido fechados na sua cidade, temerosos devido ao que haviam ouvido acerca das vitórias de Israel, ou quiçá Israel tenha conquistado a cidade pelo caminho. Campbell salienta: "É claro que a Bíblia não regista cada batalha da Conquista, e o registo da captura de Siquém poderá ter sido omitido. Por outro lado, a cidade poderia encontrar-se naquela altura em mãos aliadas, ou quiçá se tenha simplesmente rendido sem resistência”. 6
Poderemos porém perguntar, por que foi escolhida esta localização? As montanhas referidas estão localizadas no centro geográfico da terra, sendo grande parte da Terra Prometida visível de ambos os cumes. Portanto, tratava-se de uma localização que representava toda a terra, quer no momento da entrada em Canaã, quer quando a liderança de Josué estava a chegar ao fim (confira 24:1). Com a sua liderança a terminar, Josué reuniu novamente todas as tribos em Siquém e desafiou o povo a renovar os seus votos de aliança com o Senhor.
James Boice escreve:
Os Montes, que se encontram a cerca de três mil pés (914 metros) acima do nível do mar ou mil pés (305 metros) acima do vale entre ambos, são bastante áridos. O vale é frequentemente verde e, no local onde as montanhas se juntam, existe um anfiteatro natural. F. B. Meyer descreve-o como um lugar onde os montes são escavados "e o estrato de pedra calcária se quebra numa sucessão de saliências, apresentando a aparência de séries de bancos regulares". Este anfiteatro era o destino do povo, e foi ali que acamparam para a cerimónia. 7
Este local possui propriedades acústicas extraordinárias, sendo alguém que se encontre num dos montes facilmente ouvido por uma pessoa que esteja no outro.
As cerimónias aqui referidas envolviam três coisas. Campbell comenta sobre estes pontos:
Primeiramente, foi erigido no Monte Ebal um altar de pedras inteiras, e foram oferecidos sacrifícios (consistindo em holocaustos e sacrifícios de comunhão; confira Lev. 1; 3) ao Senhor. Jericó e Ai, nas quais eram adorados os falsos deuses dos cananeus, haviam caído. Israel adorava e proclamava agora publicamente a sua fé no único Deus verdadeiro.
Em segundo lugar, neste mesmo local, em Ebal mas talvez referindo-se a pedras diferentes, Josué também organizou algumas pedras de grandes dimensões. Na sua superfície, escreveu uma cópia da Lei de Moisés. Não foi registada a extensão gravada da Lei. Alguns sugerem que apenas foram escritos os Dez Mandamentos, enquanto outros pensam que a inscrição na rocha incluiria pelo menos o conteúdo de Deuteronómio 5‑26. Arqueólogos descobriram no Médio Oriente estelas ou pilares insculpidos similares, com seis a oito pés de comprimento (cerca de 1,8 a 2,4 metros). No Irão, a Inscrição de Behistun tem três vezes a extensão de Deuteronómio.
Terceiro, Josué leu… a Lei ao povo. Metade do povo estava posicionada nas encostas do Monte Gerizím, a sul, e a outra metade nas encostas do Monte Ebal, a norte, estando a arca da aliança rodeada de sacerdotes no vale entre os montes. À medida que as maldições da Lei eram lidas uma a uma, as tribos no Monte Ebal respondiam “Ámen!”. De modo similar, à medida que as bênçãos eram lidas, as tribos no Monte Gerizím respondiam “Ámen!” (Deut. 11:29; 27:12‑26). O enorme anfiteatro natural que ainda existe ali possibilitou que as pessoas escutassem cada palavra e, com toda a sinceridade, Israel afirmou que a Lei do Senhor era de facto a Lei da terra. 8
Assim, o Monte Ebal simbolizava as maldições, enquanto o Monte Gerizím representava as bênçãos. Este evento entre as duas montanhas constituiu uma enorme aula prática. O que aconteceria aos israelitas na terra, a história de Israel, iria depender de onde vivessem, quer fosse no Monte Ebal, em desobediência e sob maldição, ou no Monte Gerizím, em obediência e sob a bênção de Deus.
Campbell escreve: "A partir deste ponto, a história dos judeus dependeria da sua atitude relativamente à Lei que escutaram ser lida naquele dia. Quando eram obedientes, havia bênção; quando eram desobedientes, havia julgamento (confira Deut. 28). É trágico que as afirmações desta hora tão importante se tenham tão rapidamente desvanecido ".9 A verdade deste exemplo prático fora já demonstrada na vitória em Jericó e na derrota e posterior vitória em Ai. Quando se verificava obediência à Lei de Deus, existia vitória, mas a presença de desobediência resultava em derrota. Porém, há aqui mais conteúdo no qual deveríamos pensar, pois ninguém pode cumprir a lei. Neste exemplo prático, somos também recordados da graça e provisão de Deus. A cerimónia encenada ensina-nos mais do que o princípio de que a obediência traz bênção e a desobediência acarreta maldição.
O que acontece primeiro nesta cerimónia, antes da redacção e leitura da Lei? Foi erigido um altar feito de pedras inteiras, com vista à oferta de holocaustos e sacrifícios pacíficos, que apontam para a pessoa e obra de Cristo e solução de Deus para a maldição da Lei, mediante um sacrifício de substituição (8:31). Repare em três princípios importantes:
(1) A primeira coisa que Deus fez foi apontar para a graça e Sua solução para o pecado através da fé. Nesta ocasião, tanto a importância da Lei como o futuro de Israel, baseado na sua resposta à Lei, foram postos diante do povo. Ainda assim, a solução para o problema do pecado e fracasso foi a primeira coisa exposta. Porquê? Porque ninguém alcança uma obediência perfeita à Lei.
A mesma coisa era verdade no Sinai: ao mesmo tempo que Deus deu os Dez Mandamentos e os juízos, também deu os decretos, os sacrifícios. Ao mesmo tempo que dava Moisés aos israelitas, deu-lhes de igual modo o sumo sacerdote Aarão. Era como se Deus estivesse a dizer: "não devereis fazer isto, mas sei que o fareis, e aqui está a forma de escapardes à condenação".
(2) Moisés deu ordem para se construir o altar no Monte Ebal, o local onde as maldições destinadas à desobediência seriam lidas. Mas porquê este local em vez do lugar que representava a bênção pela obediência? Porque o altar era para pecadores. Era para aqueles que reconheceriam o seu pecado e viriam ao local de sacrifico não como justos, mas sim como pecadores.
Recorda-se das palavras da mulher samaritana em João 4? Os samaritanos construíram um altar em Gerizím, não em Ebal. A escolha de Gerizím para o altar sugere que se aproximavam de Deus não como pecadores, mas na sua própria justiça (confira João 4:20). Porém, as palavras do Senhor à mulher samaritana expuseram a ignorância espiritual desta, "Vós adorais o que não sabeis…" (vs. 22), descobrindo depois o seu pecado, "... tiveste cinco maridos, e o que agora tens não é teu marido…" (vs. 18).
(3) O altar foi construído com pedras inteiras, sem trabalho humano. Tratava-se de uma completa negação do humanismo e da salvação (ou espiritualidade) pelas obras. Mostra que o ser humano nada pode acrescentar à obra de Deus para a salvação ou para a espiritualidade. Tudo acontece pela graça através da obra de Deus em Cristo. Tal torna-se um forte lembrete de que:
A adoração no Monte Ebal fez o povo focar-se na Lei de Deus como aquela revelação especial de Deus, tão crucial para o seu bem-estar futuro enquanto Seu povo. A Lei dirigia a nação para aqueles estatutos justos que deveriam permitir a Israel tornar-se uma nação santa, um povo remido especial, um povo da propriedade de Deus e uma luz para as nações (veja Êx. 19:4-6; Deut. 4:1-8). A Lei dirigia Israel e todos os homens para os estatutos morais que são tão vitais para a justiça, lei e ordem dentro das nações. Mas fazia ainda mais. Demonstrava a santidade de Deus e, em virtude da incapacidade do homem quanto a guardar a Lei, mostrava ao homem o pecado que o separava de Deus. Através do tabernáculo, dos sacrifícios e do sacerdócio, apontava para a frente, em direcção a um Salvador em sofrimento, o Cordeiro de Deus, que deveria morrer pelo pecado do homem de modo a que este pudesse ter uma relação com Deus e fazer parte do povo de Deus num mundo caído.
Mas quão rapidamente o seu compromisso em relação a esta revelação especial de Deus se desvaneceu das suas mentes pois, no livro bíblico seguinte, Juízes, lemos acerca daquilo que caracterizava a nação aquando do tempo dos juízes: “Naqueles dias, não havia rei em Israel, porém cada um fazia o que parecia recto aos seus olhos” (Juízes 21:25).
Hoje em dia, não nos comportamos de modo diferente no nosso país. Embora a nossa nação tenha sido fundada nos preceitos da Escritura como a Lei moral de Deus, temo-nos basicamente afastado da Bíblia, no intuito de fazermos aquilo que é correcto aos nossos próprios olhos. Por termos rejeitado a Palavra de Deus e negado a sua relevância, voltámo-nos para as nossas imaginações fúteis (Efésios 4:17 ss). Em resultado, tornámo-nos como aqueles contra os quais Isaías clamou, experimentando não apenas a perversão do nosso próprio pensamento, mas também o julgamento de Deus sobre a nossa sociedade:
20 Ai dos que ao mal chamam bem, e ao bem mal; que fazem da escuridade luz, e da luz escuridade; e fazem do amargo doce, e do doce amargo! 21 Ai dos que são sábios a seus próprios olhos, e prudentes diante de si mesmos! 22 Ai dos que são poderosos para beber vinho, e homens forçosos para misturar bebida forte: 23 Dos que justificam o ímpio por presentes, e ao justo negam justiça. 24 Pelo que, como a língua de fogo consome a estopa, e a palha se desfaz pela chama, assim será a sua raiz, como podridão, e a sua flor se esvaecerá como pó; porquanto rejeitaram a lei do Senhor dos Exércitos, e desprezaram a palavra do Santo de Israel (Isaías 5:20-24).
Um mero olhar casual sobre a sociedade de hoje proporciona evidência clara de que necessitamos desesperadamente de uma renovação espiritual e moral e de um retorno às nossas raízes piedosas, tal como nos foram dadas pelos nossos antepassados. A ruína moral na sociedade a na nossa liderança, especialmente para uma nação com o nosso começo, está para lá do imaginável. Quanto a isto, somos muito parecidos com Israel. Concordo com Campbell, que diz:
A sobrevivência da nossa sociedade pode bem depender da prontidão de todo o povo, dos líderes em Washington e dos cidadãos espalhados pela terra quanto a permitir que os absolutos da Palavra de Deus se tornem a lei da terra. E os cristãos devem mostrar o caminho. Eu e você devemos realizar um compromisso diário com a tarefa de limpar e purgar o “Acan” de nós mesmos. Temos de nos comprometer com sermos pessoas de pureza, fé e integridade, por dentro e por fora, em público e em privado. Então – e apenas então – estaremos prontos a marchar contra as fortalezas inimigas que se intrometem no nosso caminho – e conquistar a vitória. 10
Texto original de J. Hampton Keathley, III.
Tradução de C. Oliveira.
1 Campbell, Joshua: Leader Under Fire, p. 68.
2 Campbell, p. 68.
3 Charles Caldwell Ryrie, Ryrie Study Bible, Expanded Edition, Moody Press, Chicago, 1995, p. 343.
4 Campbell, p. 69.
5 Campbell, p. 69.
6 Campbell, p. 70.
7 Boice, Joshua: We Will Serve the Lord, Revell, New Jersey, 1989, p. 89.
8 John F. Walvoord, Roy B. Zuck, Editors, The Bible Knowledge Commentary, Victor Books, Wheaton, 1983,1985, versão electrónica.
9 Walvoord/Zuck, versão electrónica.
10 Campbell/ Denny, p. 129.
Num contexto em que o apóstolo Paulo estivera a falar sobre o seu ministério enquanto embaixador de Cristo (veja Cor. 4:1-5:20), declarou “porque andamos por fé, e não por vista”. Andar por fé é caminhar num espírito de dependência piedosa do Senhor e Sua orientação. Assim, Tiago encoraja-nos: “Se algum de vós tem falta de sabedoria, peça-a a Deus” (Tiago 1:5). Uma vez que necessitamos da Sua orientação omnisciente e soberana, devemos procurar sempre a sabedoria de Deus, independentemente do assunto que enfrentamos. Mais tarde, na sua epístola, Tiago alertar-nos-ia contra o pecado de nos fiarmos no Senhor ou de perseguirmos os nossos próprios sonhos e objectivos independentemente de procurarmos a liderança e vontade de Deus (4:13-17).
Jeremias declarou: “Eu sei, ó Senhor, que não é do homem o seu caminho, nem do homem que caminha o dirigir os seus passos” (Jer. 10:23). O homem não tem a sabedoria, a aptidão nem, com frequência, a vontade de dirigir o seu caminho, pois “Há caminho que ao homem parece direito, mas o fim dele são os caminhos da morte” (Prov. 14:12). A nossa necessidade é entregarmos o nosso caminho, objectivos, buscas e responsabilidades ao Senhor, não só pela Sua vontade e sabedoria, mas também para Sua permissão (veja Prov. 16:1-4, 9). O perigo é o de nos fiarmos na graça de Deus e lançarmo-nos na nossa própria sabedoria, sem realmente procurarmos e inquirirmos o Seu coração e bênção, sem nunca compreendermos a nossa total insuficiência e necessidade da Sua graça.
O perigo da presunção e de andar por vista é amplificado cem vezes quando consideramos o facto de nos encontrarmos num conflito antigo com forças sobrenaturais, extremamente astutas e, muitas vezes, mais poderosas do que nós. Vemos o mundo material, vemos a carne e o sangue e podemos observar a evidência física, pensando: "Consigo lidar com isto... não é assim tão difícil". Devemos ser sempre prudentes, uma vez que, com frequência, não estamos apenas a lidar com carne e sangue. Em vez disso, lidamos com um inimigo insidioso, que usa as pessoas para promover os seus esquemas. Ao considerarmos a nossa fraqueza e o poder, astúcia, ilusão e métodos de acção de Satanás, escutaremos certamente a admoestação de Paulo em Efésios 6:10-20:
6:10 No demais, irmãos meus, fortalecei-vos no Senhor e na força do seu poder. 6:11 Revesti-vos de toda a armadura de Deus, para que possais estar firmes contra as astutas ciladas do diabo. 6:12 Porque não temos que lutar contra a carne e o sangue, mas, sim, contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais. 6:13 Portanto, tomai toda a armadura de Deus, para que possais resistir no dia mau, e, havendo feito tudo, ficar firmes. 6:14 Estai, pois, firmes, tendo cingidos os vossos lombos com a verdade, e vestida a couraça da justiça, 6:15 E calçados os pés na preparação do evangelho da paz, 6:16 Tomando, sobretudo, o escudo da fé, com o qual podereis apagar todos os dardos inflamados do maligno. 6:17 Tomai, também, o capacete da salvação, e a espada do Espírito, que é a palavra de Deus; 6:18 Orando, em todo o tempo, com toda a oração e súplica no Espírito, e vigiando nisto com toda a perseverança e súplica, por todos os santos, 6:19 E por mim, para que me seja dada, no abrir da minha boca, a palavra com confiança, para fazer notório o mistério do evangelho, 6:20 Pelo qual sou embaixador em cadeias, para que possa falar dele, livremente, como me convém falar.
No capítulo nove, embora algo cauteloso, Josué foi mesmo assim incapaz de consultar o Senhor através da oração. Olhando para as evidências, supôs que poderia discernir sabiamente o que enfrentavam. Estava enganado e, em última análise, foi culpado de presumir do Senhor.
Nas profundezas do Inverno em Valley Forge, George Washington ajoelhou-se em oração, certo de que, a menos que Deus ajudasse o seu exército enlameado e desencorajado, qualquer esperança concernente aos Estados Unidos emergentes estaria perdida.
Durante a Guerra Civil, quando o destino da nação era mais uma vez incerto, Abraham Lincoln confessou a um amigo que se ajoelhava frequentemente em oração, por não ter nenhum outro sítio para onde ir. 1
Na passagem diante de nós (versículos 9-10), observamos o perigo da incapacidade de entregar o próprio caminho ao Senhor (Prov. 3:5-7; Salmo 37:4-6), a ameaça de não orar e o perigo de andar por vista – tomar decisões com base na aparência das coisas.
Como vimos, o fracasso de Israel em Ai foi, em larga escala, o resultado da incapacidade de consultar o Senhor. Agora, novamente, o facto de os líderes não entregarem o seu caminho ao Senhor estava prestes a originar outra crise. Tal recorda-nos uma vez mais quão susceptíveis somos a agir antes de rezar.
Existe aqui outra questão relacionada – o problema de confiarmos nas nossas vitórias e experiências religiosas. O contexto é bastante significante. O povo havia regressado de uma experiência religiosa no topo de uma montanha, depois de escutar a Palavra de Deus, que lhe fora lida a partir do Monte Ebal e do Monte Gerizím. Havia ouvido as promessas e bênçãos de Deus, afirmando o seu empenho em seguir o Senhor (veja Deut. 27:11-28:14). Fora um período de vitória espiritual, um ponto alto espiritual, mas tal também constituía um tempo importante para caminhar com circunspecção, sabendo tratar-se de um período em que Satanás ataca frequentemente, porque sabe que somos propícios em confiar nas nossas experiências em vez de no Senhor (veja 1 Cor. 10:12). No momento em que baixamos a guarda e pensamos ter êxito assegurado graças às nossas experiências espirituais, estamos mais vulneráveis aos ataques do demónio. O juízo da palavra de Deus sobre este assunto é o de que eles "…não pediram conselho à boca do Senhor" (9:14).
Ao estudarmos esta passagem, deveremos recordar quatro excertos da Escritura – 1 Samuel 12:23; Provérbios 3:5-6; 1 Coríntios 10:12; Efésios 6:10-18. Em conjunto com esta passagem em Josué, tais versículos lembram-nos quatro coisas:
(1) Enquanto cristãos, estamos envolvidos numa guerra espiritual mortal com um poder bastante superior à nossa própria força.
(2) A fim de sermos libertados do nosso oponente e dos seus esquemas iníquos, temos de nos revestir com a nossa armadura espiritual, conforme nos é dada em Cristo.
(3) As armas ofensivas que nos são dadas pelo Senhor são a Palavra de Deus e a oração. Sem elas, somos presas fáceis.
(4) Quando o povo de Deus sai vitorioso ou prospera, parece que Satanás duplica os seus esforços em atacá-lo.
1 E souberam disso todos os reis que viviam a oeste do Jordão, nas montanhas, na Sefelá e em todo o litoral do mar Grande, até o Líbano. Eram os reis dos hititas, dos amorreus, dos cananeus, dos ferezeus, dos heveus e dos jebuseus. 2 Eles se ajuntaram para guerrear contra Josué e contra Israel (Nova Versão Internacional).
O registo que aqui se encontra é típico das estratégias de Satanás. Imediatamente, começaram a formar-se alianças poderosas, tanto no Norte como no Sul de Canaã. Num local em que a guerra tribal havia desaparecido há anos, inimigos mortais reuniram-se repentinamente em alianças, unidos contra a invasão da terra pelo povo de Deus.
Quando a justiça se torna agressiva e se debruça sobre um objectivo, tem o potencial de unir as forças da justiça e os inimigos desta. Assim aconteceu quando Jesus Cristo lançou o seu ministério terreno. O seu ministério agressivo de curar, pregar e confrontar o pecado estimulava os seus próprios seguidores – mas também uniu três grupos anteriormente inimigos, os Fariseus, os Saduceus e os Herodianos. A Escritura prediz que a Sua vinda futura terá um efeito similar (veja Salmo 2:2; Rev. 19:19).
Quanto maior for a audácia com que a fé cristã avance, mais vocal e violenta se tornará a oposição. 2
Parece que todas as cidades-estado nas regiões montanhosas uniram forças contra Israel como forma de impedirem Josué e o seu exército de atacarem uma cidade de cada vez, como fora feito com Jericó e Ai.
Talvez estes reis tenham sido encorajados pela derrota inicial de Israel em Ai. Não mais os registos de vitórias prévias os levariam a supor que Israel fosse invencível. Ao resistirem a Israel, porém, resistiam a Deus. A sua teimosa rebelião contra Deus era um testemunho eloquente de que o pecado dos amorreus atingira a quantidade devida (confira Gén. 15:16).3
9:3 E os moradores de Gibeon, ouvindo o que Josué fizera com Jericó e com Ai, 9:4 Usaram de astúcia, e foram e se fingiram embaixadores; e tomaram sacos velhos sobre os seus jumentos, e odres de vinho velhos, e rotos, e remendados; 9:5 E nos seus pés, sapatos velhos e remendados, e vestidos velhos sobre si, e todo o pão que traziam para o caminho era seco e bolorento. 9:6 E vieram a Josué, ao arraial, a Gilgal, e lhe disseram, a ele e aos homens de Israel: Vimos de uma terra distante; fazei, pois, agora, concerto connosco. 9:7 E os homens de Israel responderam aos heveus: Porventura habitais no meio de nós; como, pois, faremos concerto convosco? 9:8 Então disseram a Josué: Nós somos teus servos. E disse-lhes Josué: Quem sois vós, e de onde vindes? 9:9 E lhe responderam: Teus servos vieram de uma terra mui distante, por causa do nome do Senhor, teu Deus; porquanto ouvimos a sua fama, e tudo quanto fez no Egipto; 9:10 E tudo quanto fez aos dois reis dos amorreus, que estavam dalém do Jordão, a Seón, rei de Hesbon, e a Og, rei de Basan, que estava em Astaroth. 9:11 Pelo que os nossos anciãos, e todos os moradores da nossa terra, nos falaram, dizendo: Tomai convosco nas vossas mãos provisão para o caminho, e ide-lhes ao encontro; e dizei-lhes: Nós somos vossos servos; fazei, pois, agora, concerto connosco. 9:12 Este nosso pão tomámos quente das nossas casas, para nossa provisão, no dia em que saímos para vir a vós; e ei-lo aqui, agora, já seco e bolorento: 9:13 E estes odres, que enchemos de vinho, eram novos, e ei-los aqui já rotos: e estes nossos vestidos e nossos sapatos já se têm envelhecido, por causa do mui longo caminho. 9:14 Então aqueles homens tomaram da sua provisão; e não pediram conselho à boca do Senhor. 9:15 E Josué fez paz com eles, e fez um concerto com eles, que lhes daria a vida: e os príncipes da congregação lhes prestaram juramento.
Em vista das vitórias de Israel, nem todos estavam dispostos a avançar tão abertamente contra a nação. Os gibeonitas, que incluíam uma aliança de cidades (veja vs. 17), engendraram um inteligente estratagema, desenhado para iludir os israelitas e esconder a sua verdadeira identidade – uma estratégia típica de Satanás, o enganador. O seu objectivo, que se revelou bem-sucedido, era convencer os israelitas de que eram oriundos de um país fora da terra (vs. 6). Evidentemente, de alguma forma sabiam que Deus ordenara aos israelitas que destruíssem totalmente os habitantes da terra. A sua afirmação era a de que haviam ficado impressionados com as coisas grandiosas que Josué tinha feito, e queriam assim um pacto que lhes permitisse viver, já que não eram da terra de Canaã.
É difícil não admirar os gibeonitas pelo seu esquema. Em vista do versículo 9, parece que realmente acreditavam no poder do Deus de Israel, tal como Raab. Os gibeonitas não eram covardes (confira 10:2). Sabiam que não conseguiriam opor-se ao poder de Deus, e optaram pela segunda melhor alternativa segundo o seu raciocínio; voltaram-se para a ilusão através do disfarce. Tal resultou em duas abordagens principais:
(1) Aproveitaram-se da sua compaixão, ao se apresentarem como viajantes fatigados após uma longa jornada. As suas roupas estavam sujas e com bastante uso, a comida que tinham estava seca e bolorenta (ou dura, quebradiça), os seus odres eram velhos e remendados e as suas sandálias gastas e finas.
(2) Aproveitaram-se do seu ego e sentido de orgulho. Insistiram que haviam vindo de muito longe, a fim de mostrarem o seu respeito pelo poder do Deus dos israelitas, e que desejavam ser autorizados a viver como servos de Israel. Apanhados desprevenidos, Josué e os líderes de Israel deram ouvidos ao ardil dos gibeonitas, tendo cometido dois erros:
(1) Cometeram o erro de permitirem que os gibeonitas se aproveitassem das suas emoções. Aceitaram as evidências, ainda que questionáveis, sem requererem provas em maior número e mais confiáveis. Constatamos aqui o perigo da vista contra a fé e os factos.
(2) Contudo, o principal erro foi a não procura de aconselhamento do Senhor. Deveriam ter procurado orientação da parte do Senhor através do Urim e do Tumim. Observamos aqui o perigo da presunção por falta de oração.
É sempre um erro da nossa parte apoiarmo-nos no nosso próprio juízo ou sabedoria, construindo os nossos próprios planos independentemente da orientação de Deus. Era um erro naquela altura… e continua a ser. A exortação da Palavra de Deus é a seguinte:
Confia no Senhor de todo o teu coração, e não te estribes no teu próprio entendimento. Reconhece-o em todos os teus caminhos, e ele endireitará as tuas veredas. Não sejas sábio aos teus próprios olhos: teme ao Senhor e aparta-te do mal (Provérbios 3:5-7).
Antes de entrar em qualquer aliança – escolher um parceiro na vida, começar um negócio com outro, consentir com qualquer proposta que envolva uma associação com outras pessoas –, assegure-se de pedir o conselho da boca de Deus. Indubitavelmente, Ele irá responder-lhe através de um impulso irresistível – mediante a voz de um amigo; por uma circunstância estranha e inesperada; através de uma passagem da Escritura. Ele escolherá o Seu próprio mensageiro; mas enviará uma mensagem. 4
Ainda que Satanás seguramente saiba que não pode realmente derrotar o Senhor e que constitui um adversário vencido, volta-se para os seus múltiplos truques e artifícios enganadores, de modo a derrotar os propósitos de Deus para com o Seu povo (confira Efésios 4:14; 2 Tim. 2:26).
9:16 E sucedeu que, ao fim de três dias, depois de fazerem concerto com eles, ouviram que eram seus vizinhos, e que moravam no meio deles. 9:17 Porque, partindo os filhos de Israel, chegaram às suas cidades ao terceiro dia: e suas cidades eram Gibeon, e Cefira, e Beeroth, e Quiriath-Jearim.
Em apenas três dias, o engano foi descoberto mas, como costuma acontecer com as consequências do pecado, viveriam com a sua decisão para o resto das suas vidas. Provérbios 12:19b é pertinente neste contexto quando afirma: “O lábio de verdade ficará para sempre, mas a língua mentirosa dura só um momento”. As palavras da verdade são consistentes, resistindo a todos os testes, enquanto as mentiras cedo são descobertas e expostas.5
9:18 E os filhos de Israel não os feriram; porquanto os príncipes da congregação lhes juraram pelo Senhor, Deus de Israel: pelo que, toda a congregação murmurava contra os príncipes. 9:19 Então todos os príncipes disseram a toda a congregação: Nós jurámos-lhes pelo Senhor, Deus de Israel; pelo que não podemos tocar-lhes. 9:20 Isto, porém, lhes faremos: dar-lhes-emos a vida; para que não haja grande ira sobre nós, por causa do juramento que já lhes temos jurado. 9:21 Disseram-lhes, pois, os príncipes: Vivam, e sejam rachadores de lenha e tiradores de água, para toda a congregação, como os príncipes lhes têm dito.
9:22 E Josué os chamou, e falou-lhes, dizendo: Por que nos enganastes, dizendo: Mui longe de vós habitamos, morando vós no meio de nós? 9:23 Agora, pois, sereis malditos; e de entre vós não deixará de haver servos, nem rachadores de lenha, nem tiradores de água, para a casa do meu Deus. 9:24 Então responderam a Josué, e disseram: Porquanto, com certeza, foi anunciado aos teus servos que o Senhor, teu Deus, ordenou a Moisés, seu servo, que vos desse toda esta terra, e destruisse todos os moradores da terra diante de vós, tememos muito pelas nossas vidas, por causa de vós; por isso fizemos assim. 9:25 E eis que, agora, estamos na tua mão: faze aquilo que te pareça bom e recto que se nos faça. 9:26 Assim, pois, lhes fez; e livrou-os das mãos dos filhos de Israel, e não os mataram. 9:27 E, naquele dia, Josué os deu como rachadores de lenha e tiradores de água para a congregação e para o altar do Senhor, até ao dia de hoje, no lugar que escolhesse.
O texto diz-nos que, uma vez descoberto o ardil, o povo murmurava contra os seus líderes, pois julgava-os responsáveis pelo sucedido. Aparentemente, em vista dos versículos 19-21, o povo também desejava que ignorassem o seu pacto e destruíssem os gibeonitas. Porém, embora tenham errado ao se apoiarem na própria compreensão em vez de consultarem o Senhor, honraram o seu acordo com eles. Não fossem eles homens de honra e integridade, poderiam facilmente ter procurado ocultar o sucedido ao destruírem os gibeonitas, mas honraram o seu compromisso, pois este fora ratificado em nome de Yahweh, o Deus de Israel. Quebrar o pacto desonraria o nome de Deus e atrairia a Sua ira. “De facto, um juízo semelhante de Deus sobreviria mais tarde durante o reinado de David, por Saul ter ignorado este acordo (veja 2 Sam. 21:1-6).”6
Embora não pudessem recuar no seu compromisso, os gibeonitas haviam-nos enganado; portanto, tinha de ser prescrito um castigo adequado ao seu pecado. Primeiramente, Josué repreendeu-os pela sua desonestidade e condenou-os a servidão perpétua. No seu ardil, os gibeonitas tinham-se oferecido para serem súbditos dos israelitas (vss. 8, 11). Com isto, estavam meramente a oferecer-se para serem vassalos de Israel. Em troca, esperavam que Israel, o mais forte dos dois, os protegesse dos seus inimigos (veja 10:6). Tal desejo virou-se contra eles, e tiveram de se tornar servos de Israel. Tornar-se-iam rachadores de lenha e tiradores de água para os israelitas, especialmente em relação com o serviço do tabernáculo. Com a graça de Deus, tal acabou por ser uma grande bênção.
…de modo a impedir que a idolatria dos gibeonitas conspurcasse a fé verdadeira de Israel, o seu trabalho seria desempenhado no tabernáculo, onde estariam expostos à adoração do único Deus verdadeiro.
Em resultado, a coisa que os gibeonitas mais esperavam conservar – a sua liberdade – perdeu-se. Mas a maldição tornou-se eventualmente uma bênção. Foi a favor dos gibeonitas que Deus mais tarde realizou um grande milagre (veja Josué 10:10-14). Algum tempo depois, o tabernáculo do Senhor seria estabelecido em Gibeão (veja 2 Crónicas 1:30), e os gibeonitas (mais tarde conhecidos como netineus) substituiriam os levitas no serviço do templo (veja Esdras 2:43 e 8:20).
Esta é a forma maravilhosa como actua a graça de Deus. Ele É ainda capaz de transformar uma maldição numa bênção. Contanto seja verdade que as consequências naturais do nosso pecado tenham geralmente de seguir o seu curso, Deus, na Sua graça, não apenas perdoa mas, em muitos casos, anula efectivamente os nossos erros, retirando bênção do pecado.7
Lemos no versículo 27: “E, naquele dia, Josué os deu como rachadores de lenha e tiradores de água para a congregação e para o altar do Senhor, até ao dia de hoje, no lugar que escolhesse”. Quão tremendo e gracioso da parte de Deus. Tiveram o privilégio de serem trazidos regularmente para perto do Senhor e das coisas espirituais. É interessante ver que, anos mais tarde, quando os israelitas participassem na idolatria, os gibeonitas manter-se-iam no altar onde o verdadeiro Deus ordenava que se fizessem sacrifícios pelos pecados. Como resultado do que haviam visto Deus fazer por Israel, ficaram convencidos, tal como Raab, de que o Deus de Israel era o Deus verdadeiro. À semelhança de Raab, tornaram-se evidentemente crentes leais.
Durante muitos anos após este incidente, houve guerra entre os cidadãos da terra e os israelitas invasores. Mesmo assim, no registo dessa longa conquista, nem uma só vez ouvimos falar de algum gibeonita ter desertado para a sua facção original.8
Texto original de J. Hampton Keathley, III.
Tradução de C. Oliveira.
1 Campbell/Denny, p. 133.
2 Campbell/Denny, p. 134.
3 Expositors Bible Commentary, Old Testament, Zondervan, Grand Rapids, 1997, versão electrónica.
4 F. B. Meyer, Joshua: And the Land of Promise, Revell, p. 108.
5 Robert Jamieson; A.R. Fausset, e David Brown, Commentary Critical and Explanatory on the Whole Bible (Oak Harbor, WA: Logos Research Systems, Inc.), 1998.
6 Campbell/Denny, p. 139.
7 Campbell/Denny, pp. 139-140.
8 James Montgomery Boice, Joshua, We Will Serve The Lord, Revell, Old Tappan, New Jersey, p. 105.
O capítulo 10 descreve a campanha e vitória de Israel sobre a porção Sul de Canaã. Algo aconteceu para que Josué fosse presenteado com uma grande oportunidade militar, com vista a uma vitória rápida sobre uma quantidade de inimigos, em detrimento de uma campanha longa e arrastada contra as diversas cidades, uma a uma.
10:1 E sucedeu que, ouvindo Adonizedec, rei de Jerusalém, que Josué tomara a Ai, e a tinha destruído totalmente, e fizera a Ai e ao seu rei como tinha feito a Jericó e ao seu rei, e que os moradores de Gibeon fizeram paz com os israelitas e estavam no meio deles, 10:2 Temeram muito; porque Gibeon era uma cidade grande, como uma das cidades reais, e ainda maior do que Ai, e todos os seus homens valentes. 10:3 Pelo que Adonizedec, rei de Jerusalém, enviou a Oam, rei de Hebron, e a Piram, rei de Jarmuth, e a Jafia, rei de Laquis, e a Debir, rei de Eglon, dizendo: 10:4 Subi a mim, e ajudai-me, e firamos a Gibeon; porquanto fez paz com Josué e com os filhos de Israel. 10:5 Então se ajuntaram, e subiram cinco reis dos amorreus; o rei de Jerusalém, o rei de Hebron, o rei de Jarmuth, o rei de Laquis, o rei de Eglon; eles e todos os seus exércitos; e sitiaram a Gibeon e pelejaram contra ela.
Estando muito alarmado com as notícias sobre as vitórias de Israel, como em Jericó e Ai, e tendo ouvido falar do pacto dos gibeonitas com Israel, que era visto como traiçoeiro, um dos reis do sul, Adonizedec (Senhor da Justiça), rei de Jerusalém, reuniu outros reis da região para atacarem Gibeão. Haviam pertencido à coligação amorita, que provavelmente era uma coligação defensiva contra forças invasoras. Assim, em retaliação e também por causa do medo face à união do poder dos gibeonitas com Israel, os cinco reis, listados em Josué 10:5, avançaram contra a cidade de Gibeão.
A deserção dos gibeonitas foi causa de grande alarme por três razões: (1) era desencorajante ver uma cidade tão grandiosa, com um excelente exército, render-se ao inimigo; (2) sem Gibeão, a coligação do Sul ficaria gravemente enfraquecida e (3) os gibeonitas constituíam uma quinta-coluna que lutaria por Israel em tempos de guerra. Embora não tivesse rei (veja o comentário em 9:11), Gibeão era “como uma das cidades reais”; era tão forte e influente como qualquer cidade-estado (confira 11:12). Existe um jogo de palavras entre “Gibeão” e “bons guerreiros”, que é literalmente gibborim. Boling (p. 279) define gibborim como “homens treinados no combate e suficientemente prósperos para poderem ter armamento, escudeiros e tempo livre para tal actividade”. 1
10:6 Enviaram, pois, os homens de Gibeon a Josué, ao arraial de Gilgal, dizendo: Não retires as tuas mãos dos teus servos; sobe, apressadamente, a nós, e livra-nos, e ajuda-nos, porquanto todos os reis dos amorreus que habitam na montanha se ajuntaram contra nós. 10:7 Então subiu Josué de Gilgal, ele e toda a gente de guerra com ele, e todos os valentes e valorosos. 10:8 E o Senhor disse a Josué: Não os temas, porque os tenho dado na tua mão: nenhum deles parará diante de ti.
10:9 E Josué lhes sobreveio de repente, porque toda a noite veio subindo desde Gilgal. 10:10 E o Senhor os conturbou diante de Israel, e os feriu de grande ferida em Gibeon; e seguiu-os pelo caminho que sobe a Betoron, e os feriu até Azeca e a Maqueda. 10:11 E sucedeu que, fugindo eles diante de Israel, à descida de Betoron, o Senhor lançou sobre eles, do céu, grandes pedras até Azeca, e morreram: e foram muitos mais os que morreram das pedras da saraiva, do que os que os filhos de Israel mataram à espada.
10:12 Então Josué falou ao Senhor, no dia em que o Senhor deu os amorreus na mão dos filhos de Israel, e disse, aos olhos dos israelitas: Sol, detém-te em Gibeon, e tu, lua, no vale de Ajalon. 10:13 E o sol se deteve, e a lua parou, até que o povo se vingou dos seus inimigos. Isto não está escrito no livro do Reto? O sol, pois, se deteve no meio do céu, e não se apressou a pôr-se, quase um dia inteiro: 10:14 E não houve dia semelhante a este, nem antes nem depois dele, ouvindo o Senhor assim a voz de um homem; porque o Senhor pelejava por Israel. 10:15 E tornou-se Josué, e todo o Israel com ele, ao arraial, a Gilgal.
Confrontados com os exércitos da coligação e uma destruição certa, os gibeonitas enviaram um mensageiro a Josué, pedindo auxílio com base no seu tratado com Israel.
Humanamente falando, esta era a oportunidade perfeita para que Josué se livrasse dos gibeonitas. Por que não haveria Josué de simplesmente ignorar o próprio povo que os tinha enganado? Por que não deixar que a coligação os destruísse, livrando-o do embaraço? Existiam pelo menos duas razões pelas quais ele não podia fazer isso: primeiro, enquanto homem de integridade que honrava a sua palavra, Josué não considerava tal coisa uma opção. Tinham dado a sua palavra e estavam obrigados a honrá-la. Em segundo lugar, esta situação proporcionava uma oportunidade militar única. Em vez de uma campanha longa e arrastada contra uma cidade de cada vez, tal acontecimento deu-lhes a oportunidade de derrotarem e destruírem vários exércitos de uma vez só.
O facto de Deus dar agora esta promessa pode sugerir que Josué inquirira do Senhor e recebera tal resposta e promessa. Com todos estes reis a avançarem juntos, existira decerto alguma dose de preocupação no coração de Josué. A situação era urgente, e a palavra de encorajamento de Deus, assim como a Sua promessa de vitória, eram certamente necessárias.
O nosso texto diz-nos que Josué e os seus homens marcharam durante toda a noite, percorrendo cerca de 25 milhas (40 quilómetros), sempre a subir (alguns 4,000 pés ou 1220 metros) sobre terreno íngreme e difícil. Tal significava que, sem qualquer oportunidade para descansar, os seus guerreiros estariam cansados. Precisariam certamente da força soberana do Senhor. Marchando na escuridão, Josué foi capaz de tomar o inimigo de surpresa, tendo isto gerado desordem no acampamento adversário. Para além disso, Deus enviou pedras de saraiva, responsáveis por matar ainda mais oponentes do que aqueles que Josué e o seu exército foram capazes de aniquilar.
Esta passagem proporciona um excelente exemplo da interacção entre a obra de Deus e do homem para o alcance da vitória. Como Campbell salienta: “existem certamente ocasiões nas quais nada mais poderemos fazer se não esperar que Deus actue; mas, usualmente, devemos fazer a nossa parte, dependendo de Deus para que faça a Sua”. 2 Assim, encontra-se aqui outro exemplo no qual os esforços do homem e a intervenção soberana de Deus cooperaram, mas a ênfase clara está no facto de ter sido o Senhor a providenciar a vitória. Deus dá-nos responsabilidades, coisas para fazer. Devemos rezar, testemunhar e servir outros de muitas maneiras mas, em última análise, temos de compreender que, se vier a existir vitória, quem a dará será Deus.
Devemos também lembrar que estes cananeus eram aqueles que adoravam deuses da natureza. Que choque quando perceberam que esses deuses, nos quais haviam colocado a sua fé, eram inúteis contra o Deus de Israel. Talvez tenham pensado que os seus próprios deuses estivessem a ajudar os israelitas.
Com o versículo 12, movemo-nos para um dos grandes milagres da Bíblia. É frequentemente denominado “o dia longo de Josué” ou “o dia em que o Sol parou”. Este é o mais grandioso dos quatro milagres encontrados no livro de Josué: (a) A divisão das águas do Rio Jordão (3:7-17); (b) A destruição de Jericó (6:1-27); (c) A saraiva e a espada destroem os inimigos dos gibeonitas (10:1-11); (d) O Sol e a Lua ficam parados (10:12-15). Qual era o propósito deste milagre?
…o dia da batalha em Betoron estava a terminar, e Josué sabia que a perseguição do inimigo seria longa e árdua. No máximo, o líder militar dispunha de 12 horas de luz solar. Precisava claramente de mais tempo para que pudesse observar o cumprimento da promessa de Deus (v. 8) e a aniquilação total dos seus adversários. Portanto, Josué fez um pedido invulgar ao Senhor: Sol, detém-te em Gibeon, e tu, lua, no vale de Ajalon.
10:13-15. Era meio-dia e o Sol quente encontrava-se no seu zénite quando Josué proferiu esta oração. A Lua estava no horizonte, a Oeste. O pedido foi rapidamente ouvido pelo Senhor. Josué orou com fé e, em resultado, deu-se um grande milagre. Porém, o registo deste milagre tem sido considerado um dos exemplos mais notáveis do conflito entre a Escritura e a ciência porque, como é bem sabido, o Sol não se move em torno da Terra para originar o dia e a noite. Em vez disso, a luz e a escuridão advêm de a Terra rodar no seu eixo à volta do Sol. Por que, então, se dirigiu Josué ao Sol em vez de à Terra? Simplesmente porque estava a usar a linguagem da observação; falava a partir da perspectiva e aparência das coisas na terra. As pessoas ainda fazem isso, mesmo na comunidade científica. Almanaques e jornais registam as horas do nascer e do pôr-do-sol e, apesar disso, ninguém os acusa de erro científico. 3
Mas como é suposto explicarmos este quarto milagre no livro de Josué? A este respeito, Ryrie escreve:
As perspectivas concernentes a este fenómeno agrupam-se em duas categorias. A primeira assume um abrandamento ou suspensão da rotação normal da Terra, de modo a ter havido horas extras nesse dia (12 ou 24). Deus fez isso a fim de que as forças de Josué pudessem completar a sua vitória antes que o inimigo tivesse uma noite para descansar e se reagrupar. O termo hebraico para “se deteve” (v. 13) é um verbo de movimento, indicando um abrandamento ou paragem da rotação da Terra sobre o seu eixo (que não afectaria o movimento da Terra em torno do Sol). O versículo 14 indica que aquele foi um dia único na história do mundo. A segunda categoria inclui perspectivas que assumem a ausência de irregularidades na rotação da Terra. Uma tal visão argumenta acerca do prolongamento da luz do dia graças a alguma forma incomum de refracção dos raios solares. Assim, existiram mais horas de luz, mas não mais horas no dia. Outra perspectiva supõe um prolongamento do período de semi-escuridão, dando alívio do sol ardente aos homens de Josué, sendo isto possível por Deus ter enviado uma incomum tempestade de saraiva de Verão. Esta visão interpreta o termo “deter-se” no versículo 13 como significando “ficar quieto” ou “cessar”, indicando que o Sol estava encoberto pela tempestade, não tendo sido acrescentadas horas extras ao dia. Os versículos 12-15 são citados do Livro do Justo (ou Recto), uma colecção de cânticos de louvor aos heróis de Israel (também em 2 Sam. 1:18).4
A respeito das dificuldades desta passagem, Boice afirma:
Confesso não ter grandes convicções quanto ao que terá acontecido e, à medida que leio os diversos artigos e livros disponíveis, sinto que também ninguém tem convicções muito fortes acerca deste tópico. Não acredito que as palavras sejam poesia, apesar de terem estado no Livro do Justo, um livro amplamente poético. Duvido que a Terra tenha efectivamente parado a sua rotação, e ainda mais que o Sol e a Lua parassem na sua passagem pelo Espaço. Tenho tendência a pensar que foram usados por Deus outros fenómenos para prolongar a luz do dia, mas não sei, e tudo o que posso dizer é que me contento com aguardar até que o próprio Deus revele precisamente o que aconteceu. O que é certo é que Deus fez algo para dar aos exércitos judeus uma vitória completa e decisiva.5
16 Aqueles cinco reis, porém, fugiram, e se esconderam numa cova em Maqueda. 17 E foi anunciado a Josué, dizendo: Acharam-se os cinco reis escondidos numa cova em Maqueda. 18 Disse, pois, Josué: Arrojai grandes pedras à boca da cova, e ponde sobre ela homens que os guardem: 19 Porém vós, não vos detenhais; segui os vossos inimigos, e feri os que ficaram atrás: não os deixeis entrar nas suas cidades, porque o Senhor, vosso Deus, já vo-los deu na vossa mão. 20 E sucedeu que, acabando Josué e os filhos de Israel de os ferir com grande ferida, até consumi-los, e que os que ficaram deles se retiraram às cidades fortes, 21 Todo o povo se tornou em paz a Josué, ao arraial em Maqueda, não havendo ninguém que movesse a sua língua contra os filhos de Israel.
22 Depois disse Josué: Abri a boca da cova, e trazei-me aqueles cinco reis, para fora da cova. 23 Fizeram, pois, assim, e trouxeram-lhe aqueles cinco reis para fora da cova: o rei de Jerusalém, o rei de Hebron, o rei de Jarmuth, o rei de Laquis, e o rei de Eglon. 24 E sucedeu que, trazendo aqueles reis a Josué, Josué chamou todos os homens de Israel, e disse aos capitães da gente de guerra, que com ele foram: Chegai, ponde os vossos pés sobre os pescoços destes reis. E chegaram, e puseram os seus pés sobre os seus pescoços. 25 Então Josué lhes disse: Não temais, nem vos espanteis: esforçai-vos e animai-vos; porque assim fará o Senhor a todos os vossos inimigos, contra os quais pelejardes. 26 E depois disto, Josué os feriu, e os matou, e os pendurou em cinco madeiros; e ficaram enforcados nos madeiros até à tarde. 27 E sucedeu que, ao tempo do pôr-do-sol, deu Josué ordem que os tirassem dos madeiros; e lançaram-nos na cova onde se esconderam; e puseram grandes pedras à boca da cova, que ainda ali estão, até ao mesmo dia de hoje.
28 E naquele mesmo dia, tomou Josué a Maqueda, e feriu-a a fio de espada, e destruiu o seu rei, a eles, e a toda a alma que nela havia; nada deixou de resto: e fez ao rei de Maqueda como fizera ao rei de Jericó.
29 Então Josué, e todo o Israel com ele, passou de Maqueda a Libna, e pelejou contra Libna; 30 E também o Senhor a deu na mão de Israel, a ela e a seu rei, e a feriu a fio de espada, a ela e a toda a alma que nela havia; nada deixou de resto; e fez ao seu rei como fizera ao rei de Jericó.
31 Então Josué, e todo o Israel com ele, passou de Libna a Laquis: e a sitiou, e pelejou contra ela; 32 E o Senhor deu a Laquis na mão de Israel, e tomou-a no dia seguinte, e a feriu a fio de espada, a ela, e a toda a alma que nela havia, conforme a tudo o que fizera a Libna.
33 Então Oran, rei de Gezer, subiu a ajudar a Laquis; porém Josué o feriu, a ele e ao seu povo, até que nenhum lhe deixou de resto. 34 E Josué, e todo o Israel com ele, passou de Laquis a Eglon; e a sitiaram, e pelejaram contra ela; 35 E no mesmo dia a tomaram, e a feriram a fio de espada; e a toda a alma que nela havia destruiu totalmente, no mesmo dia; conforme a tudo o que fizera a Laquis.
36 Depois, Josué, e todo o Israel com ele, subiu de Eglon a Hebron, e pelejaram contra ela; 37 E a tomaram, e a feriram ao fio de espada, assim ao seu rei como a todas as suas cidades, e a toda a alma que nelas havia; a ninguém deixou com vida, conforme a tudo o que fizeram a Eglon; e a destruiu totalmente, a ela e a toda a alma que nela havia.
38 Então Josué, e todo o Israel com ele, tornou a Debir, e pelejou contra ela; 39 E tomou-a, com o seu rei, e a todas as suas cidades, e as feriram a fio de espada, e a toda a alma que nelas havia destruíram totalmente; nada deixou de resto; como fizera a Hebron, assim fez a Debir e ao seu rei, e como fizera a Libna e ao seu rei.
40 Assim, feriu Josué toda aquela terra, as montanhas, o sul, e as campinas, e as descidas das águas, e a todos os seus reis; nada deixou de resto; mas tudo o que tinha fôlego destruiu, como ordenara o Senhor, Deus de Israel. 41 E Josué os feriu desde Cades-bárnea, e até Gaza; como também toda a terra de Gosen, e até Gibeon. 42 E de uma vez tomou Josué todos estes reis e as suas terras; porquanto o Senhor, Deus de Israel, pelejava por Israel. 43 Então Josué, e todo o Israel com ele, se tornou ao arraial em Gilgal. (Josué 10:16-43)
Os cinco reis e os seus exércitos haviam deixado a segurança das suas cidades fortificadas a fim de combaterem Josué e o seu exército em campo aberto, dando a Josué uma grande vantagem. Estava determinado a impedi-los de escaparem para a segurança das suas muralhas, o que prolongaria a campanha contra aquela porção da terra. O versículo 17 informa-nos que, assim que Josué recebeu o relato de que os reis estavam escondidos numa caverna, ordenou que a entrada da mesma fosse selada com grandes rochas, sendo nomeados homens para a guardarem. A captura dos cinco reis era um evento importante, mas existiam assuntos mais urgentes. Lidaria com eles mais tarde, pois a preocupação mais premente era a perseguição dos exércitos em fuga. Observamos aqui a sabedoria de um líder que põe em primeiro lugar as coisas mais importantes. Tal é visto na afirmação: “Mas não se atrasem! Persigam os vossos inimigos e apanhem-nos! Não permitais que se retirem para as suas cidades, pois o SENHOR vosso Deus está a entregá-los nas vossas mãos”. Repare na forma como, uma vez mais, vemos a combinação entre o raciocínio de responsabilidade humana e sabedoria táctica de Josué e a fé n’Aquele que realmente dá a vitória.
Somente depois de a batalha estar terminada e de o exército de Israel ter destruído totalmente o inimigo é que Josué voltou a sua atenção para os cinco reis. A este respeito, fez duas coisas principais. Primeiro, segundo um antigo costume oriental, por vezes retratado em monumentos egípcios e assírios, Josué fez os reis derrotados prostrarem-se no pó diante dele e dos seus comandantes. Em seguida, chamou os comandantes, para que viessem e colocassem os pés sobre os pescoços dos cinco reis, símbolo de vitória e completa submissão. Mas Josué, o sábio chefe, fez mais do que isso. Utilizou isto como uma oportunidade para focar os seus comandantes e o exército no Senhor. Estando os pés dos seus comandantes sobre os pescoços dos reis, Josué disse: “Não tenham medo nem entrem em pânico! Sejam fortes e corajosos, pois o Senhor fará a mesma coisa a todos os inimigos que combaterem”. Em seguida, executou os cinco reis, suspendendo-os em cinco árvores até à tarde (vs. 26). Assim, a derrota dos cinco reis e dos seus exércitos providenciou a vitória completa sobre o Sul de Canaã.
Os versículos 40-43 encerram o capítulo dizendo-nos que Josué subjugou totalmente a terra de acordo com as suas quatro regiões: as montanhas, o Negeb (a área desértica, mais distante, a Sul), as colinas ocidentais e as encostas montanhosas. Como é que ele fez isto? “…o Senhor, Deus de Israel, pelejava por Israel”. Assim, o capítulo termina com um tópico familiar na Escritura. A batalha é do Senhor e Ele lutará pelo Seu povo.
A nossa necessidade é mantermos n'Ele os nossos olhos, obedecer-Lhe e, acima de tudo, confiar na Sua força mais do que na nossa. Isto irá frequentemente significar empreender grandes esforços, tal como vimos Israel fazer, enquanto sabemos que o Senhor também está a trabalhar para nos capacitar e lutar por nós.
Sou recordado dos comentários de Paulo em Colossenses. Falando da sua vocação e do grande esforço envolvido na proclamação de Cristo erguido, ele escreveu: “A quem anunciamos, admoestando a todo o homem, e ensinando a todo o homem, em toda a sabedoria, para que apresentemos todo o homem perfeito em Jesus Cristo; E para isto também trabalho, combatendo segundo a sua eficácia, que obra em mim poderosamente” (Col. 1:28-29, ênfase minha).
Na sua conclusão a este capítulo, que intitulou People Who Know Their God (O Povo que Conhece o Seu Deus), Dr. Don Campbell realça um aspecto que providencia realmente uma conclusão adequada para este estudo sobre o livro de Josué. Ele escreve:
A maioria de nós aprende, bem cedo na nossa experiência cristã, que não enfrentamos apenas um inimigo. Enfrentamos uma coligação de forças malvadas que se juntaram na tentativa de nos destruir. Tais inimigos são comummente chamados "o mundo", "a carne" e "o diabo". O mundo pressiona-nos, martela-nos e tenta conformar-nos ao seu molde. A carne é a essência pecaminosa dentro de nós que nos trai, enfraquece e ludibria, ainda que queiramos servir a Deus com as nossas mentes e corpos. O diabo é o mestre estrategista neste ataque contra nós e, por vezes, ataca-nos abertamente, outras vezes astuciosamente, mas sempre com uma noção infalível de onde se encontram as nossas fraquezas.
Juntos, o mundo, a carne e o diabo formam uma combinação invencível – ou seriam invencíveis, se não fosse a intervenção salvadora de Deus. Sem Deus, a vitória contra uma tal aliança é impossível. Com Deus, a vitória está assegurada...
Josué era um homem que conhecia Deus acima de tudo o resto. Os resultados estão aqui registados de forma impressionante. Conforme Daniel mais tarde escreveu, "O povo que conhece ao seu Deus se esforçará e fará proezas" (Dan. 11:32). Para Josué, para Daniel e para você e eu, a chave da vitória é conhecer Deus pessoalmente e confiar completamente n'Ele. 6
Como vimos no material introdutório deste estudo, Josué é o livro da possessão no qual Israel, sob a liderança de Josué, toma posse do que lhe foi dado por Deus, mas não sem antes ter de avançar contra forças hostis. A vida cristã é precisamente assim. Em Cristo, fomos abençoados com toda a bênção espiritual (Efésios 1:3). N'Ele, estamos completos (Col. 2:10); mas, para nos apropriarmos dessas bênçãos, é necessária fé na obra realizada por Cristo, bem como esforço pessoal, não na carne, mas nas disciplinas da piedade – coisas como a oração, o estudo da Bíblia, a meditação na Palavra de Deus e o contacto regular com outros crentes para encorajamento.
7 Assim, como diz o Espírito Santo: “Hoje, se vocês ouvirem a sua voz, 8 não endureçam o coração, como na rebelião, durante o tempo da provação no deserto, 9 onde os seus antepassados me tentaram, pondo-me à prova, apesar de, durante quarenta anos, terem visto o que eu fiz. 10 Por isso fiquei irado contra aquela geração e disse: O seu coração está sempre se desviando, e eles não reconheceram os meus caminhos. 11 Assim jurei na minha ira: Jamais entrarão no meu descanso”.
12 Cuidado, irmãos, para que nenhum de vocês tenha coração perverso e incrédulo, que se afaste do Deus vivo. 13 Ao contrário, encorajem-se uns aos outros todos os dias, durante o tempo que se chama “hoje”, de modo que nenhum de vocês seja endurecido pelo engano do pecado, 14 pois passamos a ser participantes de Cristo, desde que, de facto, nos apeguemos até o fim à confiança que tivemos no princípio. 15 Por isso é que se diz: “Se hoje vocês ouvirem a sua voz, não endureçam o coração, como na rebelião”.
16 Quem foram os que ouviram e se rebelaram? Não foram todos os que Moisés tirou do Egipto? 17 Contra quem Deus esteve irado durante quarenta anos? Não foi contra aqueles que pecaram, cujos corpos caíram no deserto? 18 E a quem jurou que nunca haveriam de entrar no seu descanso? Não foi àqueles que foram desobedientes? 19 Vemos, assim, que por causa da incredulidade não puderam entrar. (Hebreus 3:7-19, Nova Versão Internacional)
7 Mas rejeita as fábulas profanas e de velhas, e exercita-te a ti mesmo em piedade; 8 Porque o exercício corporal para pouco aproveita, mas a piedade para tudo é proveitosa, tendo a promessa da vida presente e da que há-de vir. (1 Timóteo 4:7-8, Versão Almeida Revista e Corrigida)
Texto original de J. Hampton Keathley, III.
Tradução de C. Oliveira.
1 Expositors Bible Commentary, versão electrónica.
2 John F. Walvoord, Roy B. Zuck, Editors, The Bible Knowledge Commentary, Victor Books, Wheaton, 1983,1985, versão electrónica.
3 Walvoord e Zuck, versão electrónica.
4 Charles C. Ryrie, Ryrie Study Bible, p. 347-348.
5 Boice, pp. 113-114.
6 Campbell e Denny, pp. 148-149.